A 1ª construção de Belém motivou uma luta de titãs

Uma luta de gigantes eclodiu, no começo dos anos de 1900, provocada pela construção, em janeiro de 1616, da primeira edificação de Belém, o Forte do Presépio.

De um lado, os dois maiores historiadores daquele momento.

Arthur Viana, cujo nome, mais tarde, seria dado à Biblioteca Pública do Centur.

E, Manoel Barata, depois, nome de rua de Belém.

De outro lado, o pintor Teodoro Braga, igualmente importante, para a nossa cultura regional.

Nome de galeria de artes no Palácio Antônio Lemos.

A causa do desentendimento: a recusa de Braga de inserir no quadro encomendado pelo intendente Antônio Lemos, sobre a fundação de Belém, apenas madeira de nossa região,o material de construção que teria sido usado no Forte do Presépio, segundo os dois historiadores.

Braga pintou o Forte do Presépio como uma fortaleza de pedras. O que pode ser visto ainda hoje pois o quadro de Braga está exposto na galeria do Palácio Antônio Lemos.    

Este desentendimento trouxe à tona um conflito ainda maior, a respeito da expedição do fundador de Belém, Francisco Caldeira Castelo Branco.

Para Viana e Barata, a expedição se ressentiu de falta de recursos.

Foi isto que obrigou Castelo Branco a fazer uso de madeira, abundante do Pará, escreveu Viana, em “Monografia Paraense”, publicada em 1900, pela Revista do Instituto Geográfico e Etnográfico do Pará.

Castelo Branco teria necessitado até de ajuda dos índios na obtenção de alimentos para os membros de sua expedição, segundo Viana.

Sem chegar a este extremo, Barata apresenta a mesma visão da situação da expedição, no texto “A capela de Santo Cristo”, republicado pela UFPA, em 1973, como parte do livro “Formação Histórica do Pará”.

O Forte do Presépio, diz Barata, naquele texto, se resumia a uma “improvisada cerca de madeira”.

A tal cerca é designada por ele como “faxina”, isto é, como um feixe de varas ou troncos, em “As primeiras ruas de Belém”, escrito mais tarde.

A faxina, seria, portanto, parecida com a do Forte de São José de Marabitana, no alto Rio Negro.

Para endossar o que diziam, Viana e Barata se apoiaram em autores antigos, embora distanciados mais de um século da data de fundação de Belém, como Jacinto Carvalho, frei Agostinho de Santa Maria, e, Ayres do Cazal.

De sua parte, Braga pesquisara em bibliotecas da Europa e do Rio de Janeiro, antes de pintar o quadro.

As fontes de informações que encontrou permitiram a ele produzir um estudo, em defesa do seu quadro, intitulado “A fundação da cidade de Nossa Senhora de Belém”.

Foi publicado, como anexo do relatório de 1908, do poderoso intendente de Belém, Antônio Lemos.

No estudo, Braga desdenhou dos dois historiadores.

O pintor exibiu um documento de 1615, destinado ao Governador- Geral do Brasil, Gaspar de Souza, demonstrando que Castelo Branco, longe de se ressentir da falta de recursos, contou com três embarcações bem aparelhadas.

E, com os mantimentos suficientes para alimentar os 150 membros da sua expedição, durante cinco meses. 

O documento apresentado por Braga fora assinado pelas cinco maiores autoridades de São Luís, testemunhas da preparação da expedição comandada por Castelo Branco.

Sua elaboração destinou-se a comprovar que as ordens dadas pelo Governador-Geral do Brasil, Gaspar de Souza, ao Capitão-Mor do Maranhão, Alexandre de Moura, no sentido da preparação daquela expedição, estavam sendo bem cumpridas.

Além deste documento, Braga encontrou outro, com o qual, ele imaginava, iria desmontar, de vez, os argumentos de Viana e Barata.

Tratava-se de um livro de 1633, isto é, de apenas 15 anos após a construção do forte.

A obra foi publicada em Amsterdã.

Traz descrição do Novo Mundo.

E, foi escrita pelo geógrafo flamengo Jean de Laet, diretor da Companhia das Índias, autor também de “Roteiro de um Brasil desconhecido: João Laet.  Descrição das Costas do Brasil”, e,  “História natural do Brasil” (com Georg Marcgraf e Willem Piso).

O livro apresentado por Braga, com título em Latim, era o “Novusorbs seu descriptionisIndiaeoccidentalis”.

Neste livro, Laet diz explicitamente que os lados do Forte do Presépio estavam “munidos de uma muralha de pedra com um fosso seco”.

Barata, no entanto, reagiu, jogando uma casca de banana, diante de Braga.

Numa simples nota de rodapé, em outra obra sua, “As primeiras ruas de Belém”, disse que o forte ao qual se referiu Jean de Laet não era aquele construído em 1616.

Pois, havia sido levantado, em 1622, no mesmo local, por Bento Maciel Parente, o capitão-mor do Maranhão/Gram-Pará que sucedeu a Castelo Branco.

Para provar isto, Barata apresentou o Memorial que Maciel Parente enviou a Felipe IV, em 1627 – portanto, 6 anos antes da publicação do livro de Laet.

No Memorial, escrito em português e espanhol, Maciel Parente diz que, em 1622, teve de reconstruir o forte de 1616, “na parte extrema e justa fluvial do lugar em que estava aquela cerca de madeira, dotando-o de “fortificaciones a lo moderno”.

Ainda assim, Braga poderia ter sustentado que o simples fato de já existir outro forte, quando Laet escreveu o seu livro, não provava que o geógrafo não se referiu ao forte original de Belém.

Mas, o pintor nada respondeu a Barata.

E, assim, surgiu a dúvida que se mantém até hoje.

  • Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista

Tradução para o inglês:

The First Construction of Belém Sparked a Clash of Titans

A battle of giants erupted in the early 1900s, triggered by the construction, in January 1616, of Belém’s first building, the Forte do Presépio.

On one side were the two greatest historians of that time:

  • Arthur Viana, whose name would later be given to the Public Library of Centur.
  • Manoel Barata, who would later have a street in Belém named after him.

On the other side stood painter Teodoro Braga, equally important to our regional culture, and whose name now graces an art gallery in the Antônio Lemos Palace.

The cause of the disagreement: Braga’s refusal to depict, in a painting commissioned by Mayor Antônio Lemos about the founding of Belém, only local wood as the construction material of the Forte do Presépio. According to the two historians, this was the material originally used for the fort.

Braga, however, painted the Forte do Presépio as a stone fortress—an image that remains visible to this day, as his painting is exhibited in the gallery of the Antônio Lemos Palace.

This disagreement brought to the surface an even greater conflict regarding the expedition of Belém’s founder, Francisco Caldeira Castelo Branco.

According to Viana and Barata, the expedition suffered from a lack of resources.

It was this scarcity, Viana wrote in Monografia Paraense (published in 1900 by the Journal of the Geographic and Ethnographic Institute of Pará), that forced Castelo Branco to use the abundant local wood from Pará.

Castelo Branco even had to rely on indigenous help to obtain food for his expedition members, Viana claimed.

Barata, while not going to this extreme, presented a similar view in his text A Capela de Santo Cristo, republished by UFPA in 1973 as part of the book Formação Histórica do Pará.

In that text, Barata described the Forte do Presépio as nothing more than an “improvised wooden fence.”

He later referred to this fence as a “faxina”, meaning a bundle of sticks or trunks, in As Primeiras Ruas de Belém.

Thus, the faxina was similar to that of Fort São José de Marabitana, located in the upper Rio Negro region.

To support their claims, Viana and Barata relied on old authors, even though they were more than a century removed from Belém’s founding. These included Jacinto Carvalho, Friar Agostinho de Santa Maria, and Ayres do Cazal.

Braga’s Defense

Braga, for his part, conducted research in libraries in Europe and Rio de Janeiro before painting the piece.

The sources he found led him to write a study defending his painting, titled A Fundação da Cidade de Nossa Senhora de Belém.

This study was published as an appendix to the 1908 report of Belém’s powerful mayor, Antônio Lemos.

In his study, Braga mocked the two historians.

He presented a 1615 document addressed to the Governor-General of Brazil, Gaspar de Souza, showing that Castelo Branco was far from lacking resources. Instead, he had three well-equipped vessels and enough provisions to feed the 150 members of his expedition for five months.

The document was signed by the five highest-ranking authorities of São Luís, who had witnessed the preparation of Castelo Branco’s expedition.

Its purpose was to confirm that the orders given by the Governor-General of Brazil, Gaspar de Souza, to the Captain-General of Maranhão, Alexandre de Moura, for the expedition’s preparation, were being properly executed.

Beyond this, Braga uncovered yet another document that he believed would definitively dismantle Viana and Barata’s arguments.

It was a 1633 book—only 15 years after the fort’s construction—published in Amsterdam.

The book described the New World and was written by Flemish geographer Jean de Laet, director of the Dutch East India Company and also the author of Roteiro de um Brasil Desconhecido: João Laet, Descrição das Costas do Brasil, and História Natural do Brasil (co-written with Georg Marcgraf and Willem Piso).

The book presented by Braga, written in Latin, was titled “Novus Orbis seu Descriptionis Indiae Occidentalis.”

In this book, Laet explicitly stated that the sides of the Forte do Presépio were ‘fortified with a stone wall and a dry moat.’

Barata’s Counterattack

Barata, however, countered by laying a trap for Braga.

In a simple footnote in another of his works, As Primeiras Ruas de Belém, Barata argued that the fort Jean de Laet referred to was not the one built in 1616.

Rather, it was a different fort, built in 1622 on the same site by Bento Maciel Parente, the Captain-General of Maranhão/Grão-Pará who succeeded Castelo Branco.

To prove this, Barata presented the Memorial that Maciel Parente sent to King Philip IV in 1627six years before the publication of Laet’s book.

In the Memorial, written in Portuguese and Spanish, Maciel Parente stated that, in 1622, he had to rebuild the 1616 fort “on the extreme and proper riverside part of the place where that wooden fence stood,” equipping it with “modern fortifications.”

Even so, Braga could have argued that the mere existence of another fort at the time Laet wrote his book did not prove that the geographer was not referring to the original Belém fort.

Yet, the painter never responded to Barata.

And thus, the doubt remains to this day.

Oswaldo Coimbra, writer and journalist

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