Por Bruno Becker * – O caso da Meta, que está passando por julgamento nos Estados Unidos, representa um dos processos antitruste mais emblemáticos da atualidade e reflete a complexidade de se lidar com a concentração de poder econômico e tecnológico em ambientes digitais.
No cerne da questão, a FTC acusa a empresa de ter adotado a estratégia adquirir o o Instagram, em 2012, e o WhatsApp, em 2014 para neutralizar potenciais novos concorrentes, eliminando ameaças competitivas no mercado de redes sociais, e preservando, assim, a posição dominante da empresa e dificultando o surgimento de alternativas inovadoras. Essa estratégia, também chamada de “killer acquisitions”, vem ganhando espaço nas discussões de direito concorrencial.
Essas aquisições (Instagram e WhatsApp) foram aprovadas pelo próprio FTC no controle prévio de fusões e aquisições. De um lado, há o argumento do FTC de que os mercados evoluíram substancialmente e modificaram a situação prévia. Do outro lado, o Meta defende a segurança jurídica, dizendo que reverter essas operações criaria insegurança jurídica.
Outro elemento importante da discussão é a medida em que plataformas (redes sociais) competem entre si. Em setores tradicionais, como o de automóveis ou bebidas, os limites do mercado podem ser traçados de maneira mais clara pela homogênea natureza dos produtos e pela substituibilidade direta entre eles. Contudo, nas economias digitais, essa definição torna-se mais complexa, uma vez que as plataformas podem atuar simultaneamente em diversos nichos – redes sociais, serviços de mensageria, streaming e publicidade – e competir de maneira indireta, como na disputa pelo tempo de atenção dos usuários e pelas verbas publicitárias. Além disso, mesmo em plataformas de compartilhamento de fotos, há a dúvida se elas concorrem entre si (Instagram, Facebook, X, TikTok, Linkedin). O FTC defende que elas não seriam intercambiáveis – o que levaria à conclusão mais próxima a do monopólio, e o Meta argumenta pela intercambialide.
Além das questões relativas à estratégia de aquisição para excluir concorrente, definição de mercado e evidências documentais, a discussão jurídica do caso pode se estender para aspectos técnicos e formais processuais (como a inépcia da inicial), a análise de alterações no cenário competitivo, a metodologia para quantificar danos e até a influência política sobre o processo regulatório.
Possível resultado: venda forçada
Se o tribunal confirmar tais práticas anticoncorrenciais, poderá ser determinado o remédio de divestiture (venda forçada), uma solução extrema que, apesar de rara, busca restaurar um ambiente competitivo, impactando de maneira profunda o modelo de negócios da Meta, cuja receita publicitária depende essencialmente dessas plataformas.
Historicamente, a divestiture tem sido uma ferramenta de sanção aplicada apenas em casos extremos. O histórico de processos antitruste nos Estados Unidos apresenta casos paradigmáticos que ilustram essa prática. Na década de 1990, a acusação contra a Microsoft, no âmbito do processo United States v. Microsoft Corp., chamou a atenção ao evidenciar o uso abusivo da integração do Internet Explorer ao Windows para sufocar a concorrência, notadamente a da Netscape. Embora a decisão inicial tenha apontado para o desmembramento da empresa, essa medida extrema acabou sendo modificada em instâncias superiores, confirmando o caráter excepcional da venda forçada.
Em casos mais recentes, as investigações envolvendo o Google e a Amazon também reforçam que a imposição de medidas estruturais vem sendo considerada para corrigir distorções de mercado – ainda que a aplicação efetiva da venda forçada não tenha se concretizado, seja por estarem em fase de recurso ou por não ter finalizado o julgamento.
O caso no contexto Brasileiro
Ao se contextualizar o cenário antitruste no Brasil, percebe-se que a abordagem adotada apresenta nuances distintas quando comparada ao modelo norte-americano. No Brasil, a análise se concentra na verificação do abuso de posição dominante, diferentemente dos Estados Unidos, onde o foco recai na demonstração do “monopoly power”. Aqui no Brasil, o monopólio em si não é objeto de investigação e sanção, somente práticas de empresas em posição dominante que busquem excluir concorrentes.
Outro elemento importante de distinção é a forma de investigação que permitiu acesso a mensagens “problemáticas” de Zuckerberg: o Discovery. É um instituto jurídico específico do sistema jurídico norte-americano e de países que adotam o sistema chamado Common Law, baseado principalmente em precedentes. Lá, a contraparte pode receber acesso amplo aos documentos da outra parte. No Brasil, onde temos o sistema de Civil Law, baseado principalmente em leis e códigos, não temos esse instrumento de investigação, cabendo ao juiz solicitar provas.
Por fim, no que se refere à venda forçada, no Brasil, a lei prevê a possibilidade de venda de ativos ou parte de empresa, mais especificamente no artigo 38, inciso V, da Lei nº 12.529/2011. Essa ferramenta, que permite impor medidas estruturais como a cisão de sociedades, a transferência de controle, a venda de ativos ou a cessação parcial de atividades, foi aplicada somente uma vez no Brasil, no setor de cimento, um caso que ilustra de maneira contundente a aplicação extrema dessa sanção.
Perspectiva política do caso
A análise desse caso nos Estados Unidos ganha contornos políticos e econômicos ainda mais complexos quando observamos o contexto da administração do atual presidente Trump. As relações entre o Executivo e os órgãos reguladores foram marcadas por tensões e intervenções diretas, com diversas manifestações de apoio explícito às gigantes do setor digital e intervenções pontuais, como a exoneração de dois commissioners do Federal Trade Commission, uma ação que desafiava a independência dos órgãos reguladores.
Essa dinâmica política evidencia um potencial conflito entre uma decisão contrária à Meta no atual governo. A eventual quebra ou reestruturação da Meta poderia ser um problema para a estratégia política e econômica de Trump. Trump tem se posicionado de maneira inequívoca a favor das plataformas digitais, valorizando sua influência na formação do discurso político e na preservação do poder econômico dos Estados Unidos. O apoio dessas empresas ficou evidente em momentos emblemáticos, como sua presença na primeira fila da posse presidencial, o término de iniciativas de diversidade, a mudança das políticas de verificação de fake news e até doações milionárias à sua campanha. Nesse contexto, uma eventual decisão de divestiture que vise forçar a venda de ativos da Meta Platforms contrariaria não apenas os interesses políticos de Trump, mas também sua estratégia econômica, que aposta no poder e na influência das plataformas para consolidar sua base e direcionar o debate público.
Economicamente, uma decisão de divestiture também contrariaria a estratégia atual, e poderia abalar uma estratégia para preservar o poder tecnológico dos Estados Unidos frente a desafios de competitividade global e disputas tarifárias. No entanto, a decisão final sobre o caso recai exclusivamente sobre o judiciário, que se mantém como um pilar de independência mesmo diante de pressões e de intervenções que tentam, de maneira indireta, influenciar a condução dos processos antitruste.
* Bruno Becker, sócio do Berardo Lilla Becker Segala e Daniel Advogados sobre o julgamento antitruste da Meta nos EUA
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