Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site da revista Foreign Policy
Por Edward Lucas
Os Estados Unidos há muito tempo enviam uma mensagem clara aos seus aliados europeus: Façam mais!
Gastar mais em defesa, assumir mais riscos, aceitar mais inconveniências, desprezar o gás natural soviético e russo, capturar espiões do Kremlin, reprimir sindicatos liderados por comunistas, enviar Forças Armadas europeias para lutar em guerras americanas — a lista era longa. A contribuição da Europa nunca foi suficiente. De fato, o descontentamento com a divisão de responsabilidades precede a fundação da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Em uma audiência no Senado em 1949 sobre a adesão dos EUA à aliança, o Secretário de Estado Dean Acheson foi questionado se isso significaria “um número substancial de tropas para lá”. Ele respondeu: “A resposta a essa pergunta, senador, é um claro e absoluto não!” A premissa na fundação do bloco era a de que o apoio dos EUA era uma ponte para a autossuficiência europeia.
Dez anos depois, o presidente Dwight D. Eisenhower reclamou que a autossuficiência não estava acontecendo. “Nossas forças foram enviadas para lá em caráter emergencial e provisório”, disse ele, segundo um memorando de 1959. “Os europeus agora tentam considerar esse destacamento como um compromisso permanente e definitivo.” Ele reclamou que os aliados estavam tentando fazer dos Estados Unidos um “idiota”. Todos os presidentes americanos desde então reiteraram essa reclamação, ninguém mais que Donald Trump.
Mas, por trás do repetido apelo de Washington para que a Europa “fizesse mais”, geralmente vinha um segundo: “Não assim”. O segredo mais mal guardado da política de segurança transatlântica é o de que, desde o início da Guerra Fria, os Estados Unidos buscaram não apenas vincular a Europa a uma defesa comum contra a União Soviética, mas também mantê-la sob tutela. Isso significava estrangular todas as tentativas de construir estruturas ou estratégias de defesa europeias independentes.
Alguns europeus resistiram a isso. Em 1958, o presidente francês Charles de Gaulle solicitou uma diretoria tripartite da Otan para a estratégia nuclear. Quando o Reino Unido e os Estados Unidos recusaram, ele retirou a frota mediterrânea da Marinha Francesa do comando da Otan e retirou a permissão para o estacionamento de armas nucleares americanas em território francês; a Força Aérea dos EUA teve que transferir às pressas 200 aviões de guerra da França. Em 1963, ele retirou as frotas do Atlântico e do Canal da Mancha do comando da Otan; em 1966, exigiu que todas as bases da Otan fossem removidas do território francês e retirou a França da estrutura de comando da aliança.
A ameaça da União Soviética ofuscou essas disputas. Poucos duvidavam que, em caso de conflito militar, a França lutaria ao lado dos aliados da Otan. Quando a União Soviética se dissolveu em 1991 e a ameaça de Moscou parecia ter desaparecido — e à medida que os aliados da Otan se impacientavam com a liderança americana, excessivamente ambiciosa em alguns aspectos e excessivamente hesitante em outros —, os aliados europeus começaram a impor suas próprias prioridades.
Um evento marcante foi o acordo de cooperação franco-britânico de 1998, assinado em Saint-Malo, França, que declarou que a União Europeia (à qual o Reino Unido pertencia naquela época) “deve ter capacidade de ação autônoma, apoiada por forças militares confiáveis, meios para decidir usá-las e prontidão para fazê-lo, a fim de responder a crises internacionais”. A então Secretária de Estado dos EUA, Madeleine Albright, respondeu dizendo firmemente aos aliados da Otan que os esforços incipientes da Europa para cooperar em segurança deveriam significar “nenhuma diminuição da Otan, nenhuma discriminação e nenhuma duplicação”.
Os defensores da defesa europeia tiveram uma jornada turbulenta no quarto de século que se seguiu. Quanto mais a França falava em “autonomia estratégica”, “emancipação” e outros conceitos da moda, mais o Reino Unido e outros membros atlantistas da Otan recuavam. A Política Comum de Segurança e Defesa da UE gerou “mais palavras do que combatentes”, como me disse Julian Lindley-French, presidente do Grupo Alphen.
Agora isso mudou. Assustados com a guerra da Rússia na Ucrânia e com os conflitos transatlânticos, os europeus estão levando a sério — mortalmente a sério — a responsabilidade de cuidar de sua própria defesa e segurança. A guerra de palavras está a todo vapor. O historiador Timothy Garton Ash, da Universidade de Oxford, escreve sobre “América, a Horrível”. Andrew Roberts, membro da Câmara dos Lordes britânica, condenou a “pura brutalidade” do comportamento do governo Trump, que, segundo ele, empurrou o Reino Unido para um “território totalmente desconhecido”. O chanceler eleito da Alemanha, Friedrich Merz, um defensor de longa data do atlantismo alemão, clama pela “independência” da Alemanha em relação aos Estados Unidos. “O mundo livre precisa de um novo líder”, disse a chefe de relações exteriores da UE, Kaja Kallas, que anteriormente foi primeira-ministra da ultraatlantista Estônia.

Os problemas atuais são apenas o começo. O que acontece se a Casa Branca não só desistir de apoiar a Ucrânia, como também descartar a próxima invasão europeia da Rússia como uma mera “escaramuça de fronteira” indigna do envolvimento dos EUA? Ou pior: e se uma Casa Branca alinhada à Rússia se opuser ativamente à ação europeia para ajudar o país invadido? Washington poderia desativar quaisquer armas que utilizem alta tecnologia americana, cortar o acesso a satélites e outras infraestruturas críticas e fechar a sede da Otan, administrada pelos EUA.
Por enquanto, a maior mudança está na tomada de decisões. Consternação, repulsa e crescente pavor chocaram os europeus, levando-os a pôr fim aos desentendimentos entre si que prejudicavam a segurança europeia desde que os Estados Unidos sabotaram a invasão anglo-franco-israelense do Egito durante a crise de Suez, em 1956. Na época, os franceses decidiram nunca mais confiar nos americanos; os britânicos decidiram nunca mais ter outra disputa transatlântica. Hoje, os antigos atlantistas europeus, que durante décadas atuaram como um freio cético e pragmático a qualquer conversa sobre um Exército europeu, orçamento de defesa, quartéis-generais militares ou serviço de inteligência, tornaram-se os aceleradores da mudança. “Todos nos transformamos em gaullistas”, disse o ministro das Relações Exteriores holandês, Caspar Veldkamp, em fevereiro.
As negociações sobre um novo pacto de defesa e segurança entre a UE e o Reino Unido estão avançadas, o qual encerrará um período de nove anos de dificuldades nas relações entre os dois países após o Brexit, quando for provavelmente assinado em maio. Ministros britânicos participam regularmente das cúpulas da UE, assim como os da Noruega, país que não faz parte da UE. Grandes Estados-Membros da UE, como Alemanha e França, que zelosamente protegeram seus interesses de segurança nacional da interferência de Bruxelas, estão agora mais dispostos a ver a Comissão Europeia — liderada pela ex-ministra da Defesa alemã Ursula von der Leyen — assumir a liderança com empréstimos conjuntos, novas agências, novos poderes e novo escopo.
Tudo isso tem consequências práticas. Para começar, este é um péssimo momento para vender armas fabricadas nos EUA ou qualquer tipo de sistema de alta tecnologia na Europa. Trump cogitou publicamente restringir os recursos dos novos caças F-47 de sexta geração vendidos a aliados, dizendo: “Gostaríamos de reduzi-los em cerca de 10%, o que provavelmente faz sentido porque, um dia, talvez eles não sejam mais nossos aliados, certo?” Preocupações também estão crescendo em relação ao chamado kill switch em armas fabricadas nos EUA, que permitiria a Washington restringir unilateralmente, por exemplo, o acesso a softwares e sistemas de dados. Esse veto tecnológico dos EUA impediu anteriormente a Ucrânia de usar mísseis britânicos Storm Shadow — que contêm sistemas de orientação fabricados nos EUA — contra alvos dentro da Rússia.
A boca aberta de Trump está afundando negócios. Portugal e Canadá estariam considerando cancelar parte da compra de caças stealth Lockheed Martin F-35 Lightning II. Após Elon Musk suspender o serviço de satélite para a Ucrânia, a Itália desistiu da aquisição da Starlink. Os dinamarqueses estão debatendo se as ameaças de Trump à Groenlândia significam que eles devem escolher o sistema de defesa aérea franco-italiano SAMP/T NG em vez do US Patriots em um contrato que deve ser assinado ainda neste ano. Fabricantes de armas britânicos lançaram uma ofensiva de marketing, destacando suas cadeias de suprimentos “à prova de Trump”.
Também estão avançando planos para um importante instrumento financeiro europeu para financiar a defesa. Uma condição fundamental: somente contratos com fabricantes de armas europeus serão financiados. Tudo isso não só custará empregos, lucros e impostos aos EUA, como também corroerá a influência dos EUA sobre a Europa.
O compartilhamento de inteligência tem sido outro bastião da influência dos EUA na Europa. Durante décadas, as vastas capacidades da CIA (Agência Central de Inteligência, da sigla em inglês), da Agência de Inteligência de Defesa, da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) e de outras agências deram ao lado americano vantagem nas relações com seus pares europeus. Informações vindas dos EUA ajudaram países como Alemanha e Estônia a capturar espiões russos. Em troca, as agências europeias estavam dispostas a ajudar com quaisquer capacidades específicas que pudessem ser úteis.
Não mais. Os mestres da espionagem europeus agora pensam duas vezes antes de compartilhar seus melhores petiscos com seus colegas americanos. “E se isso acabar no PDB e ele deixar escapar?”, me disse um funcionário da inteligência europeia, referindo-se ao President’s Daily Brief, o resumo diário altamente confidencial dos segredos mais atuais da comunidade de inteligência dos EUA. Os europeus também se preocupam com os caprichos do governo. Eles viram o compartilhamento de inteligência com a Ucrânia desativado para punir o governo de Kiev por sua relutância em seguir os planos de cessar-fogo dos EUA. E se a Casa Branca decidir dar a outro aliado europeu o mesmo remédio? Os esforços de inteligência europeus já foram ridicularizados. Agora, eles estão ganhando orçamentos, influência, pessoal e expertise.
A transição será complicada. A Europa ainda carece lamentavelmente de tropas, tanques, artilharia, munições, logística, vigilância e outros meios necessários para uma defesa convencional sólida; também carece do poder aéreo e das armas de longo alcance necessárias para uma dissuasão convencional eficaz. Mesmo fornecer uma modesta força de segurança a uma Ucrânia pós-cessar-fogo parece fantasioso sem o apoio logístico e de outros tipos dos EUA.
Compensar isso exigirá uma demonstração imponente de unidade política que diga “não se metam conosco” — além de planos convincentes de rearmamento, recrutamento e postura nuclear. Os europeus também precisam lidar com os ataques russos que podem ser considerados como uma guerra aberta: sabotagem de infraestrutura, ataques cibernéticos, dinheiro sujo e propaganda. Tudo isso significará não apenas o sacrifício de parte da soberania política nacional e uma fogueira de outros tabus, mas também impostos mais altos, padrões de vida mais baixos e serviços públicos menos generosos.
A trajetória é clara. Quanto mais Trump proclama “América em Primeiro Lugar”, mais os europeus ouvem sauve qui peut (salve-se quem puder, do francês) — e fogem dos destroços de uma aliança que, erroneamente, consideravam garantida. Cada passo nessa direção cria mais influência para a Europa e menos poder de barganha para os Estados Unidos. Como von der Leyen observou recentemente, “a realidade é uma forte aliada”. E a realidade está pressionando fortemente por mudanças.
Paradoxos abundam. Os Estados Unidos acabarão com algo que sempre quiseram evitar: uma Europa enxuta, mesquinha, robusta e independente. De fato, não seria muito fantasioso construir um monumento a Trump no centro de Bruxelas, colocando-o ao lado dos fundadores da unidade europeia, como Jean Monnet, Robert Schuman e Simone Weil.
Nem tudo é ruim. Esta nova entidade — poderíamos até chamá-la de Estados Unidos da Europa — pode ser um parceiro capaz e eficaz para futuras administrações americanas em suas relações com a China, no combate às mudanças climáticas e muito mais. Mas será muito mais uma parceria entre iguais. Em outras questões — como gestão financeira global, conflitos no Oriente Médio e direito internacional — os europeus terão suas próprias ideias e prioridades. Eles as afirmarão sem hesitação e talvez com desconforto. A era da tutela teve um preço. Mas os americanos podem sentir falta dela quando ela acabar.
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