Antônio Lemos chegou à casa de Virgílio Mendonça, intendente de Belém, na esquina da Rua Dr. Moraes com a Avenida Nazaré, no dia 30 de agosto de 1912, com roupa de dormir, como estava quando foi surpreendido na casa de uma vizinha.
Ali, ele se escondera na véspera, após a destruição do seu jornal A Província do Pará e do chalé de ferro, onde residia com sua família, pela mesma turba que, agora, o obrigava a entrar na casa de seu inimigo virulento.
Aquela turba estava sendo insuflada pelos quatro jornais nos quais Virgílio, Carlos Coutinho, dirigente da Liga de Resistência ao Lemismo, e, Paulo Maranhão, dono da Folha do Norte,despejavam seus ódios contra Lemos.
Lemos tinha sido empurrado, pisoteado, cuspido, apalpado com desrespeito no percurso até a casa de Virgílio.
Por isto, estava com as roupas rasgadas, sujas, e, com a cabeça cheia de terra.
Encurralado dentro da casa, ele foi obrigado a escrever um documento no qual renunciou“espontaneamente” ao seu último cargo público, o de senador estadual do Pará.
Lemos só saiu dali sem sofrer novas agressões graças à grandeza demonstrada por Lauro Sodré, o outro grande líder político do Pará, mantido fora do poder no Estado pelo ex-intendente.
Sodré se dirigiu à casa de Virgílio, e, se ofereceu para acompanhar Lemos até a casa do genro dele, o engenheiro Joaquim Gonçalves de Lalor.
O filho de Sodré, Emmanuel, acompanhou o pai na retirada de Lemos.
O diálogo que Sodré manteve com Emmanuel, naquela ocasião, Carlos Rocque reproduziu no livro “Depoimentos Para a História Política do Pará”, quase 70 anos depois.
Após registrá-lo numa entrevista com Emmanuel.
Na qual, Emmanuel classificou Virgílio como inimigo rancoroso e “um dos piores” de Lemos.
Emmanuel contou que quando seu pai chegou à casa de Virgílio disse que ia levar Lemos para onde o ex-intendente quisesse ir.
E, Virgílio, se opôs:
– Eu tinha a ideia de levá-lo para uma fazenda no Marajó, para ele sumir lá.
Sodré não concordou.
Depois, Sodré revelou a Emmanuel por que: se deixasse o destino de Lemos nas mãos de Virgílio, ele seria afogado antes de chegar ao Marajó.
Lemos sabia que Virgílio era perigoso.
E Virgílio sabia que Lemos não confiava nele.
Isto fica claro, numa carta do próprio Virgílio, publicada pela Folha do Norte, no dia 13 de março de 1938.
Nela, Virgílio tratou dos acontecimentos ocorridos em sua casa,em 1912.
Ele conta que ofereceu a Lemos café, depois de ele ter sido coagido a renunciar a seu último cargo.
Lemos não aceitou.
Escreveu Virgílio:
– Compreendi o motivo da recusa.
Virgílio, então, tentou infundir alguma confiança em Lemos.
– Chamei um servente e mandei buscar uma garrafa com champagne que foi aberta e servida em duas taças. Pedi ao senhor Lemos que escolhesse uma das taças. Servi-me da taça que ele deixou.
Com a solidariedade de Sodré, Lemos se abrigou na casa do genro Lalor, por alguns dias.
Até uma embarcação da Marinha o levar, com segurança, ao navio que o transportou à Europa.
Tinha 68 anos de idade, e, doente, iria retomar um tratamento médico já iniciado lá.
Na volta ao Brasil, Lemos se alojou com sua família numa velha chácara de Rua dos Araújos, no Rio de janeiro.
Conta Rocque, em “Antônio Lemos e sua época”, com informações fornecidas por Simão de Mântua, escritor que havia visitado o ex-intendente:
Lemos estava medroso e abatido. Evitava receber as visitas das raras pessoas que dele ainda se recordavam.
Simão escreveu sobre o estado em que encontrou Lemos:
– O indivíduo que estava diante de mim era um infeliz moribundo, opilado, em chinelos, magro, sem vivacidade.
Este acabrunhamento apareceu na última imagem de Lemos, feita naquela chácara.
Numa foto, rodeado de jovens parentes, ele parece distante.
Sequer olha para o fotógrafo.
Lemos iria morrer , no Rio, um ano e um mês, após sua expulsão de Belém.
No dia 2 de outubro de 1913
Sentia-se angustiado com um incêndio, ocorrido, numa residência próxima da chácara onde estava.
Seu coração não suportara a evocação da destruição da Província e de sua casa, trazida por aquele novo incêndio, acrescentou Rocque.
Durante 60 anos os ódios contra Lemos impediram que até mesmo seus restos mortais fossem trazidos do Rio de Janeiro para Belém.
Isto só veio a ocorrer em 1972.
No trajeto da urna com seus ossos, em Belém, compreendido entre o avião que a tinha transportado e o local onde ficou depositada, uma das alças foi sustentada por Carlos Rocque.
O próprio pesquisador, dedicado à trajetória Lemos, faleceria em 2.000.
Quanto a Lemos e Sodré, no fim desta história triste e chocante, eles iriam terminar próximos, novamente, de algum modo.
Porque seus nomes substituíram as denominações originais dos dois maiores palácios de Belém.
Construídos, na mesma praça, a Dom Pedro II, um ao lado do outro.
Quando passaram a se chamar Palácio Antônio Lemos e Palácio Lauro Sodré.
No primeiro palácio, ficou a urna com os ossos do ex-intendente.
*Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista
Translation (tradução)
The Last Image of Lemos, the Great Mayor of Belém
Antônio Lemos arrived at the house of Virgílio Mendonça, Belém’s intendant, at the corner of Dr. Moraes Street and Nazaré Avenue on August 30, 1912, wearing his nightclothes, as he was when surprised at a neighbor’s house.
There, he had hidden the previous day after the destruction of his newspaper, A Província do Pará, and the iron chalet where he lived with his family, by the same mob that now forced him to enter the home of his bitter enemy.
That mob was being incited by four newspapers in which Virgílio, Carlos Coutinho (leader of the League of Resistance to Lemism), and Paulo Maranhão (owner of Folha do Norte) poured their hatred against Lemos.
Lemos had been pushed, trampled, spat upon, and disrespected during the journey to Virgílio’s house.
As a result, his clothes were torn, dirty, and his head covered in dirt.
Cornered inside the house, he was forced to write a document in which he “voluntarily” resigned from his last public office, that of a Pará state senator.
Lemos only left without further aggression thanks to the magnanimity of Lauro Sodré, the other great political leader of Pará, kept out of power in the state by the former intendant.
Sodré went to Virgílio’s house and offered to escort Lemos to the home of his son-in-law, engineer Joaquim Gonçalves de Lalor.
Sodré’s son, Emmanuel, accompanied his father in Lemos’ withdrawal.
The dialogue between Sodré and Emmanuel on that occasion was reproduced by Carlos Rocque in the book Depoimentos Para a História Política do Pará, nearly 70 years later, based on an interview with Emmanuel.
In it, Emmanuel described Virgílio as a resentful enemy and “one of the worst” of Lemos.
Emmanuel recounted that when his father arrived at Virgílio’s house, he said he would take Lemos wherever the former intendant wished to go.
Virgílio objected:
- I had the idea of taking him to a farm in Marajó, so he could disappear there.
Sodré disagreed.
Later, Sodré revealed to Emmanuel why: if he left Lemos’ fate in Virgílio’s hands, Lemos would be drowned before reaching Marajó.
Lemos knew Virgílio was dangerous.
And Virgílio knew Lemos didn’t trust him.
This is clear in a letter by Virgílio himself, published by Folha do Norte on March 13, 1938.
In it, Virgílio described the events that took place in his house in 1912.
He recounts offering Lemos coffee after he was coerced into resigning from his last office.
Lemos refused.
Virgílio wrote:
- I understood the reason for his refusal.
Virgílio then tried to instill some confidence in Lemos.
- I called a servant and ordered a bottle of champagne to be brought, which was opened and served in two glasses. I asked Mr. Lemos to choose one of the glasses. I served myself from the glass he left.
With Sodré’s solidarity, Lemos took shelter in his son-in-law Lalor’s house for a few days.
Until a Navy vessel safely transported him to the ship that took him to Europe.
He was 68 years old and, ill, would resume medical treatment already started there.
Upon returning to Brazil, Lemos settled with his family in an old estate on Rua dos Araújos in Rio de Janeiro.
Rocque, in Antônio Lemos e sua época, with information from Simão de Mântua, a writer who had visited the former intendant, recounts:
Lemos was fearful and dejected. He avoided receiving the few people who still remembered him.
Simão wrote about the state in which he found Lemos:
- The individual before me was an unfortunate, moribund man, jaundiced, in slippers, thin, without vitality.
This despondency appeared in the last image of Lemos, taken at that estate.
In a photo surrounded by young relatives, he seems distant.
He doesn’t even look at the photographer.
Lemos would die in Rio one year and one month after his expulsion from Belém, on October 2, 1913.
He felt anguished by a fire that occurred in a residence near the estate where he was staying.
His heart could not bear the memory of the destruction of A Província and his home, evoked by that new fire, added Rocque.
For 60 years, the hatred against Lemos prevented even his remains from being brought from Rio de Janeiro to Belém.
This only happened in 1972.
During the journey of the urn with his bones in Belém, from the plane that transported it to the place where it was deposited, one of the handles was carried by Carlos Rocque.
The researcher himself, dedicated to Lemos’ trajectory, would pass away in 2000.
As for Lemos and Sodré, at the end of this sad and shocking story, they would, in some way, end up close again.
Because their names replaced the original designations of Belém’s two largest palaces.
Built in the same square, Dom Pedro II, side by side.
When they became known as the Antônio Lemos Palace and the Lauro Sodré Palace.
In the first palace, the urn with the former intendant’s bones was placed.
Oswaldo Coimbra is a writer and journalist
(Lemos, depressed, in his exile in Rio)
The post A última imagem de Lemos, o grande prefeito de Belém appeared first on Ver-o-Fato.