A lição de paz de Israel e Alemanha

O presidente israelense Isaac Herzog (à dir.) entrega a medalha de honra ao presidente alemão Frank-Walter SteinmeierMa’ayan Toaf (GPO)

Durante 12 anos — desde a eleição de Adolf Hitler em 1933 até o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945 — os alemães nazistas conduziram uma campanha mortífera que resultou na morte de pelo menos seis milhões de judeus na Europa, além da extradição, perseguição e humilhação de judeus em outros continentes.

Isso ocorreu inclusive no Brasil.

Poucos sabem que o governo Getúlio Vargas atendeu a pedidos do regime nazista e negou vistos a judeus que buscavam fugir da Europa durante os anos de guerra. Eles não apenas foram impedidos de entrar, como também houve casos de extradição. A Rede Globo tornou famosa a história de uma mulher judia com dupla nacionalidade (alemã e brasileira) que foi deportada em 1936 pelo então presidente como um “presente” para Hitler: Olga Benário Prestes, grávida de seu companheiro, Luís Carlos Prestes. Ela foi morta em uma câmara de gás em 1942, após anos presa no campo de concentração de Ravensbrück. Sua história foi contada no livro Olga, de Fernando Morais, adaptado ao cinema em 2004.

Com esse histórico sombrio, quem acreditaria que, em um dia como ontem, um presidente alemão receberia uma honraria de um Estado judeu? Isso aconteceu em uma cerimônia especial na Residência Presidencial em Jerusalém, na qual o presidente israelense Isaac Herzog concedeu a Medalha Presidencial de Honra de Israel ao presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier. A condecoração reconheceu as décadas de liderança moral do político, sua amizade inabalável com o Estado de Israel e seu compromisso com os valores democráticos, a memória e a humanidade.

Relações diplomáticas desde 1965

Partiu de Israel a iniciativa de consolidar relações diplomáticas com a Alemanha, o que levou, entre outros desdobramentos, à abertura de embaixadas nos dois países. É curioso lembrar que o primeiro embaixador alemão em Israel, Rolf Pauls, era um ex-oficial do exército nazista (Wehrmacht). Em uma foto histórica, é possível ver o desconforto da então primeira-ministra Golda Meir ao ter sua mão beijada pelo recém-nomeado embaixador.

Rolf Pauls, primeiro embaixador alemão em Israel, beija a mão da então primeira-ministra Golda MeirReprodução

Palavras inspiradoras

A cerimônia de entrega da homenagem ocorreu durante a visita do presidente Steinmeier a Israel, realizada logo após a visita do presidente Herzog à Alemanha. Os encontros marcaram os 60 anos de relações diplomáticas entre os dois países.

“Israel tem uma história orgulhosa e ascendeu das cinzas do Holocausto para ser um lar para o povo judeu, bem como uma democracia destemida, um farol de humanidade em um mar de conflitos e dor. Israel, seu povo, suas mentes, suas vozes, tão diversas e coloridas quanto se pode imaginar — desde o primeiro dia, me apaixonei por este pequeno, corajoso e sempre combativo país e seu povo. Vocês me inspiram”, disse Frank-Walter Steinmeier durante a cerimônia. Ele também destacou a importância do retorno imediato dos reféns ainda em Gaza.

“O sofrimento não pode durar para sempre. Talvez seja isso que 60 anos de relações entre Alemanha e Israel possam nos ensinar hoje: a paz é possível. A reconciliação é possível, mesmo a partir do abismo mais profundo. Que Israel prospere em paz com seus vizinhos, em paz consigo mesmo. A Alemanha está ao seu lado.”

Estado judeu “apesar” do Holocausto

Em tempo, esta é uma oportunidade para esclarecer um equívoco comum: é incorreto afirmar que o Estado de Israel foi criado como resultado direto do Holocausto.

Embora o genocídio de seis milhões de judeus pela Alemanha nazista tenha acelerado a urgência internacional por uma solução para o povo judeu, o movimento sionista — cujo objetivo sempre foi possibilitar o retorno dos judeus à Terra de Israel, sua pátria ancestral — já existia décadas antes da guerra.

Desde o final do século 19, especialmente a partir do Primeiro Congresso Sionista, realizado em 1897 na Suíça e liderado pelo jornalista Theodor Herzl, judeus de todo o mundo organizavam-se de forma política, diplomática e social para estabelecer um lar nacional judaico na Palestina, então parte do Império Otomano. A fundação de Israel, em 1948, foi, portanto, a concretização de um projeto histórico e político que antecedeu em muito os horrores da Segunda Guerra Mundial.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal iG

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