Corrida entre EUA e China pela IA leva países a repensarem quem controla sua infraestrutura digital

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no think tank Chatham House

Por Alex Krasodomski

A corrida pela supremacia em inteligência artificial (IA) está se acelerando. Movimentos recentes de Washington e de grandes empresas de tecnologia dos EUA refletem uma tentativa de forçar outros países a fazerem uma escolha binária: a tecnologia de IA será fornecida pelos EUA ou pela China?

Essa abordagem de soma zero foi expressa pelo presidente da Microsoft, Brad Smith, durante uma audiência no Senado sobre IA na semana passada: “O fator número um que definirá se os EUA ou a China vencerão essa corrida é de quem será a tecnologia mais amplamente adotada no resto do mundo”.

Receoso do desafio vindo de Beijing, os EUA tomaram recentemente diversas medidas para tornar sua oferta em IA mais atraente, incluindo uma ofensiva de charme na Europa. As relações haviam chegado a um ponto crítico em fevereiro, quando o vice-presidente dos EUA, JD Vance, acusou a União Europeia (UE) de excesso regulatório e de uma hostilidade antidemocrática à liberdade de expressão em seu discurso em Munique.

No mesmo mês, o governo Trump assinou uma ordem executiva criticando a imposição de multas a empresas americanas como “extorsão… projetada para saquear empresas dos Estados Unidos”. Diversas empresas americanas adiaram o lançamento de seus produtos no mercado europeu, citando insegurança jurídica.

Mas, na última semana, o tom dos EUA mudou. O próprio Vance descreveu os EUA e a Europa como estando “no mesmo time”. Essa mudança de tom veio acompanhada de diversas ações para promover a infraestrutura de IA liderada pelos EUA ao restante do mundo.

Em 30 de abril, a Microsoft anunciou novos compromissos digitais na Europa – para construir centros de dados públicos e soberanos, respeitar as leis europeias e criar uma base para a resiliência e inovação europeias.

Neste mês, a OpenAI anunciou a iniciativa OpenAI for Countries, “uma nova iniciativa para apoiar países ao redor do mundo que desejam construir trilhos democráticos para a IA”. A OpenAI apresenta sua oferta como um forte contraste ocidental em relação às supostas “versões autoritárias de IA” dos concorrentes chineses. O comunicado de imprensa é claro: trata-se de um projeto realizado “em coordenação com o governo dos EUA”.

Talvez o mais surpreendente seja que o governo Trump estaria planejando flexibilizar as restrições dos EUA à exportação de chips avançados, essenciais para o desenvolvimento da IA. Sob legislação introduzida pela administração Biden, os países foram divididos em três categorias, com restrições correspondentes ao acesso a esses chips.

Rever essas regulamentações seria uma boa notícia tanto para fornecedores americanos de semicondutores, como a Nvidia, quanto para países como Índia, Singapura e Malásia, que de outra forma enfrentariam limitações no acesso aos chips dos EUA.

A inteligência artificial (IA) é uma das tecnologias mais revolucionárias do século (Foto: Ecole Polytechnique/Flickr
Uma falsa dicotomia?

Esses movimentos indicam que as linhas de batalha na IA estão se expandindo da inovação para a infraestrutura. E, como escreve o especialista William Matthews, do Chatham House, a China está bem posicionada para acelerar a implementação de novas tecnologias em escala, tanto internamente quanto no Sul Global.

Os EUA estão sinalizando que querem que os países façam uma escolha binária e urgente: nossa tecnologia ou a deles?

Mas, por décadas, muitos Estados buscaram equilibrar suas apostas e navegar entre os dois polos de poder global, e muitos continuarão a fazê-lo. A difusão da IA ainda é relativamente esparsa, e para muitos tomadores de decisão não há razão evidente para escolher um lado ou outro neste momento.

Hoje, é difícil encontrar um país que não tenha se envolvido em algum tipo de disputa política, jurídica ou regulatória com essas mesmas empresas de tecnologia. Seja em plataformas de mídia social, infraestrutura de telecomunicações ou sistemas financeiros globais, a capacidade soberana das nações sobre a tecnologia da qual dependem seus cidadãos, economias, culturas e sistemas políticos é agora uma preocupação maior dos formuladores de políticas do que nunca.

Redefinindo soberania tecnológica

Não é coincidência que “soberania” seja um tema recorrente na proposta dos EUA para a Europa. A questão agora é se essas garantias são suficientes. Os países têm razão em exigir soberania sobre sua infraestrutura digital e em reconhecer que os instrumentos tradicionais dessa soberania, geralmente de natureza regulatória, não são mais eficazes.

Mas também é essencial reconhecer onde estão hoje os limites realistas da soberania. Compreender onde a soberania tecnológica é alcançável deve orientar o planejamento de longo prazo.

A dependência da Europa em relação à infraestrutura de nuvem dos EUA, por exemplo, é vista por muitos no continente como uma vulnerabilidade estratégica. Mas, apesar dos esforços europeus para construir alternativas – notadamente por meio do programa GaiaX – essa dependência parece destinada a continuar.

É essencial reconhecer onde estão hoje os limites realistas da soberania.

A Europa provavelmente também continuará dependente de outros países para semicondutores, baterias e minerais raros. Nesse contexto, parece sensato que os países adotem estratégias com exigências cada vez mais rigorosas na aquisição de tecnologia importada, abertura obrigatória de software para reduzir a dependência de fornecedores e interoperabilidade para reduzir os compartimentos estanques que caracterizam os softwares governamentais ocidentais contemporâneos.

Em outras áreas, porém, os países devem manter firme sua busca por soberania. Todos os esforços devem ser feitos para identificar onde é realista exigir mudanças reais na forma como as potências médias projetam, adquirem e administram a tecnologia da qual suas sociedades dependem.

Da Índia ao Brasil, países demonstraram que, para identificação digital, infraestrutura de dados e plataformas de pagamento, é perfeitamente possível reinventar o funcionamento da tecnologia digital a favor dos cidadãos e implementar alternativas soberanas em escala social. Também mostraram como isso pode ser feito a uma fração do custo dos modelos de digitalização adotados pelas economias avançadas nas últimas duas décadas.

Um terceiro caminho?

No que diz respeito à IA, o volume de investimentos e gastos com infraestrutura prometido pelos projetos dos EUA é enorme, e a mensagem é clara: entre na fila; cuidaremos da sua IA. Você não consegue fazer isso sozinho, e a alternativa chinesa é perigosa.

Mas, se essa tecnologia de fato se tornar a base das sociedades e economias modernas – como se prevê – uma segunda rendição da soberania por parte das potências médias, 20 anos após a primeira, pode ser um preço alto demais a se pagar.

Um terceiro caminho – uma IA pública, construída sobre modelos públicos, infraestrutura compartilhada, abertura e interoperabilidade obrigatórias, e impulsionada por potências médias – pode parecer ambicioso demais. Mas também pode ser o único caminho real rumo à soberania tecnológica.

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