Como os EUA estão perdendo a corrida do “Sol artificial” para a China

China e EUA estão em uma corrida para desenvolver a primeira usina de fusão nuclear em escala de rede. Após décadas de liderança estadunidense, a China vem se aproximando, investindo o dobro dos recursos e construindo projetos em velocidade recorde.

Frequentemente chamada de “santo graal” da energia limpa, a fusão nuclear produz quatro vezes mais energia por quilograma de combustível do que a fissão nuclear tradicional e quatro milhões de vezes mais do que a queima de carvão, sem emitir gases de efeito estufa ou gerar resíduos radioativos de longa duração.

Se tudo correr conforme o planejado, o mercado pode ultrapassar US$ 1 trilhão (R$ 5,68 trilhões, na conversão direta) até 2050, segundo a Ignition Research. Mas existe um grande obstáculo: “O único reator de fusão em funcionamento no Universo, no momento, são as estrelas”, afirmou Dennis Whyte, professor de ciência e engenharia nuclear no MIT, à CNBC.

Imagem de satélite de grande projeto nuclear em Mianyang (China)
Imagem de satélite de grande projeto nuclear em Mianyang (China), que parece incluir quatro compartimentos de laser apontando para uma cúpula de contenção do tamanho aproximado de um campo de futebol, quase duas vezes maior que a Instalação Nacional de Ignição e Fusão dos EUA (Imagem: Laboratórios Planetários PBC)

EUA, China e a luta pela fusão nuclear

  • Os EUA foram pioneiros na utilização em larga escala da fusão com o teste da bomba de hidrogênio em 1952;
  • Nos mais de 70 anos seguintes, cientistas do mundo todo têm lutado para dominar as reações de fusão e convertê-las em energia elétrica;
  • As reações de fusão ocorrem quando os átomos de hidrogênio atingem temperaturas tão extremas que se fundem, formando gás superaquecido conhecido como plasma;
  • A massa “perdida” durante esse processo pode, em teoria, ser convertida em enormes quantidades de energia, mas controlar o plasma é um desafio;
  • Um dos métodos mais populares utiliza ímãs poderosos para suspender e controlar o plasma dentro de um tokamak – dispositivo metálico com formato de uma rosquinha;
  • Outra abordagem emprega lasers de alta energia direcionados a um pellet de combustível do tamanho de uma pimenta-do-reino, comprimindo-o e fazendo-o implodir rapidamente.

Foi dessa forma que os EUA alcançaram a histórica ignição da fusão, gerando energia líquida positiva no Lawrence Livermore National Ignition Facility (NIF) em 2022.

Desde então, o investimento privado em startups de fusão nos Estados Unidos disparou para mais de US$ 8 bilhões (R$ 45,47 bilhões) – salto significativo em relação aos US$ 1,2 bilhão (R$ 6,82 bilhões) investidos em 2021, de acordo com a Fusion Industry Association (FIA). Das 40 empresas associadas à FIA, 25 estão sediadas nos EUA.

Enquanto isso, a energia nuclear tradicional – baseada na fissão – também tem atraído grandes investimentos, impulsionada pelas gigantes da tecnologia que buscam suprir a crescente demanda de energia dos data centers de inteligência artificial (IA). Empresas, como Amazon, Google e Meta, se comprometeram a triplicar a energia nuclear mundial até 2050.

“Se você se importa com a IA e com a liderança em energia, precisa investir em fusão”, declarou Andrew Holland, CEO da FIA. “Se os Estados Unidos não liderarem, a China o fará.”

Apesar de os EUA terem a maior quantidade de usinas nucleares ativas, a China lidera em termos de novos projetos. Mesmo tendo iniciado a construção de seu primeiro reator quase quatro décadas depois dos EUA, o país asiático, agora, constrói muito mais usinas de fissão do que qualquer outra nação.

A entrada da China na corrida da fusão se deu no início dos anos 2000 – cerca de 50 anos após os EUA – quando o país se juntou a mais de 30 nações no megaprojeto ITER, sediado na França. Contudo, o ITER tem enfrentado grandes atrasos.

Embora a competição se dê entre países, o setor privado estadunidense ainda lidera. Dos US$ 8 bilhões (R$ 45,47 bilhões) investidos globalmente em fusão, US$ 6 bilhões (R$ 34,1 bilhões) estão concentrados nos EUA, segundo a FIA.

Entre as startups, a Commonwealth Fusion Systems, originada no MIT, arrecadou quase US$ 2 bilhões (R$ 11,36 bilhões) de investidores, como Bill Gates, Jeff Bezos e Google.

A Helion, com sede em Washington (EUA), captou US$ 1 bilhão (R$ 5,68 bilhões) de investidores, entre eles, Sam Altman, da OpenAI, e firmou acordo ambicioso com a Microsoft para levar energia de fusão à rede elétrica até 2028. Já a TAE Technologies, apoiada pelo Google, levantou US$ 1,2 bilhão (R$ 6,82 bilhões).

Quem possui energia abundantemente ilimitada pode impactar tudo o que se imaginar”, afirmou Michl Binderbauer, CEO da TAE Technologies. “Isso é assustador se cair em mãos erradas.”

No que diz respeito ao financiamento público, a China está muito à frente. Pequim investe cerca de US$ 1,5 bilhão (R$ 8,52 bilhões) por ano no setor, enquanto os repasses federais dos EUA para a fusão têm girado em torno de US$ 800 milhões (R$ 4,54 bilhões) anuais nos últimos anos, conforme dados do Office of Fusion Energy Sciences do Departamento de Energia dos EUA.

O apoio presidencial também variou. Durante o primeiro mandato de Donald Trump, houve impulso ao suporte nuclear – inclusive para a fusão – e essa tendência continuou sob o governo do ex-presidente Joe Biden. Contudo, o cenário para o segundo mandato de Trump permanece incerto, especialmente em meio à redução maciça dos investimentos federais.

Senadores e especialistas em fusão dos EUA publicaram, em fevereiro, relatório que pedia US$ 10 bilhões (R$ 56,84 bilhões) em fundos federais para evitar que o país perdesse sua liderança.

Porém, os EUA podem já ter perdido vantagem no quesito tamanho dos reatores. Em geral, quanto maior a área do reator, mais eficiente é o aquecimento e confinamento do plasma, aumentando as chances de se obter energia líquida positiva.

Imagens de satélite, fornecidas à CNBC pela Planet Labs, mostram a rápida construção de enorme complexo de fusão a laser na China. A cúpula de contenção, onde ocorrerá a reação de fusão, tem, aproximadamente, o dobro do tamanho do NIF, projeto estadunidense de fusão a laser, conforme informou Decker Eveleth, da CNA Corporation. Segundo Holland, a instalação chinesa provavelmente funcionará como híbrido de fusão-fissão.

“Um híbrido de fusão-fissão é como replicar uma bomba, mas como usina elétrica. Isso nunca funcionaria nem seria permitido em um país como os Estados Unidos, onde o regime regulatório exige rigorosos padrões de segurança”, explicou Holland. “Mas, em um contexto como o da China, onde as opiniões locais têm menos peso, se o governo decidir, a obra segue.”

O projeto nacional de tokamak da China, o EAST, tem batido recordes, disputando com o projeto WEST, da França, pelo tempo mais longo de contenção de plasma em um reator – embora esse feito seja menos impactante do que atingir energia líquida positiva.

Outro grande projeto financiado pelo Estado, o CRAFT, deverá ser concluído ainda este ano. Com investimento de US$ 700 milhões (R$ 3,97 bilhões) em espaço de 40 hectares no leste do país, o CRAFT também abrigará um novo tokamak, o BEST, que deve ser finalizado em 2027.

Segundo Holland, o projeto CRAFT da China segue plano estadunidense publicado por centenas de cientistas em 2020. “O Congresso não fez nada para investir os recursos necessários para colocar isso em prática. Nós publicamos o plano e, os chineses, então, o construíram”, afirmou.

Além disso, a startup estadunidense Helion informou à CNBC que alguns projetos chineses estão copiando seus designs patenteados. “Na China, estamos vendo agências estatais investindo em empresas para replicar os projetos de empresas estadunidenses”, comentou David Kirtley, fundador e CEO da Helion.

Tokamak SPARC da Commonwealth Fusion Systems
Tokamak SPARC da Commonwealth Fusion Systems; ele está programado para usar ímãs supercondutores para atingir a ignição por fusão em 2027 (Imagem:
Sistemas de fusão da Commonwealth)

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O rápido lançamento dos novos projetos de fusão na China ocorre em momento em que os esforços nos EUA se concentram, principalmente, na modernização de instalações já existentes – algumas com mais de 30 anos.

Ninguém quer trabalhar com máquinas obsoletas”, afirmou Binderbauer, da TAE, acrescentando que novos projetos atraem mais talentos e que isso tem causado uma espécie de “fuga de cérebros”. Nos anos 2000, cortes nos orçamentos de pesquisa em fusão obrigaram universidades estadunidenses a interromper a construção de novos equipamentos, enviando pesquisadores para aprender com os equipamentos de outros países, inclusive dos chineses.

“Em vez de construir novos reatores, fomos para a China e ajudamos a construir os deles, pensando: ‘Que ótimo, eles terão a instalação e nós aprenderemos’”, comentou Bob Mumgaard, cofundador e CEO da Commonwealth Fusion Systems. “Mas isso foi um grande erro.

Atualmente, a China detém o maior número de patentes em fusão e possui dez vezes mais doutorados em ciência e engenharia de fusão do que os EUA, conforme relatório da Nikkei Asia. “Há um número finito de profissionais qualificados no Ocidente para os quais todas as empresas concorrem”, afirmou Binderbauer, ressaltando que isso representa uma limitação fundamental.

Além da mão de obra, os projetos de fusão exigem enorme quantidade de materiais, como ímãs de alta potência, metais específicos, capacitores e semicondutores de potência. Kirtley, da Helion, comentou que o cronograma do mais recente protótipo da empresa, o Polaris, foi determinado pela disponibilidade de semicondutores.

A China também está se movendo para dominar a cadeia de suprimentos desses materiais, seguindo estratégia semelhante à que a ajudou a conquistar liderança em painéis solares e baterias para veículos elétricos. “A China está investindo dez vezes mais do que os EUA em desenvolvimento de materiais avançados. Precisamos mudar isso”, afirmou Kirtley.

A empresa de fusão Energy Singularity, sediada em Xangai (China), afirmou à CNBC que se beneficia “indubitavelmente” da cadeia de suprimentos eficiente da China. Em junho, a Energy Singularity divulgou que conseguiu criar plasma em tempo recorde, apenas dois anos após iniciar o projeto do seu tokamak.

Apesar dos avanços, ainda estamos longe de alcançar a fusão nuclear em escala comercial. A Helion pretende ser a primeira, com meta para 2028, enquanto a Commonwealth anunciou um local na Virgínia (EUA) para inaugurar a primeira usina de fusão, a ARC, no início dos anos 2030.

“Mesmo que os primeiros reatores sejam instalados nos EUA, não devemos nos acomodar”, ressaltou o professor Whyte, do MIT. “O verdadeiro objetivo é ter uma indústria de fusão madura, produzindo energia para ser utilizada globalmente, inclusive em centros de IA.”

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