É o Brasil: ao corrupto, palmas e elogios; ao honesto, pedradas e ofensas

Vivemos tempos sombrios no Brasil, em que a honestidade — qualidade que deveria ser exaltada e promovida como virtude — é frequentemente tratada como um atributo de tolos ou ingênuos. Enquanto isso, o corrupto, em especial o ladrão empoderado – que rouba os cofres onde está o dinheiro dos contribuintes – é celebrado como um exemplo de esperteza e sucesso. Um benfeitor invejado, embora temido.

Essa inversão de valores não é apenas alarmante; é devastadora para o tecido moral de uma nação que tanto aspira por justiça, democracia ampla, estado de direito e não “estado de dinheiro”, além de decência.

A pessoa honesta, maioria silenciosa entre os brasileiros, é frequentemente insultada como “besta” ou “burra” por insistir em cumprir seus deveres e respeitar as leis. Em contraste, aqueles que enriquecem ilicitamente — acumulando fortunas e guardando malas de dinheiro em espécie, pois não confiam nos bancos – são ovacionados, ostentando vidas de luxo e impunidade. É uma realidade que envergonha e exaspera.

Em um discurso pronunciado no Senado, em 14 de dezembro de 1914, portanto, há 110 anos, o jurista e político baiano Rui Barbosa, reconhecido como o brasileiro mais culto de seu tempo, fez uma advertência que ressoa até hoje com incrível certeira atualidade. Suas palavras foram uma condenação contundente da corrupção e de seus efeitos corrosivos na sociedade:

“A falta de honestidade, senhores senadores, é o grande mal da nossa terra, o mal dos males, a origem de todas as nossas infelicidades, a fonte de todo nosso descrédito, é a miséria suprema desta pobre nação”, disse Rui..

“A sua grande vergonha, diante do estrangeiro, é aquilo que nos afasta os homens, os auxílios, os capitais. A corrupção, senhores, desanima o trabalho, a honestidade, o bem; cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações que vêm nascendo a semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a desonestidade, promove a venalidade, promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza, sob todas as suas formas”, acrescentou o jurista.

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”, arrematou.

Essas palavras, pronunciadas há mais de um século, são de uma atualidade dolorosa. A corrupção continua a ser a raiz de muitas das desgraças do Brasil, comprometendo gerações inteiras e perpetuando ciclos de desigualdade e desesperança.

Noel Rosa e a ironia da honestidade

Em 1933, o jovem compositor Noel Rosa lançou um samba que se tornou um marco pela sua crítica à hipocrisia e à corrupção. “Onde Está a Honestidade?” é uma obra-prima de ironia e inteligência, cuja letra permanece incrivelmente relevante quase um século depois:

“Você tem palacete reluzente/Tem joias e criados à vontade/Sem ter nenhuma herança ou patente/Só anda de automóvel na cidade.”

Noel expõe com sarcasmo a origem duvidosa das fortunas ostentadas por muitos. Sua obra destaca o abismo entre a riqueza adquirida por mérito e aquela fruto de atos corruptos.

“E o povo já pergunta com maldade:/Onde está a honestidade?/Onde está a honestidade?”

A indignação popular, capturada com maestria por Noel, permanece viva. O povo percebe a desfaçatez de políticos, servidores e empresários que enriquecem ilicitamente enquanto promovem festivais de caridade e disfarçam suas falcatruas sob o manto de uma falsa benevolência.

“O seu dinheiro nasce de repente/E embora não se saiba se é verdade/Você acha nas ruas diariamente/Anéis, dinheiro e felicidade.”

Noel ironiza a facilidade com que essas riquezas surgem, deixando evidente o questionamento moral que cerca essas fortunas.

A brutal diferença de caráter

O contraste entre o honesto e o corrupto não poderia ser mais evidente. O primeiro vive com dignidade, muitas vezes enfrentando dificuldades financeiras extremas, mas mantendo-se fiel a princípios e valores. O segundo vive no luxo, mas à custa do sofrimento alheio, roubando recursos que poderiam melhorar a vida de milhares.

Ao honesto, sobra o desprezo de uma sociedade que parece premiar a esperteza. Ao corrupto, chegam os elogios, homenagens, o poder e o prestígio. Essa distorção precisa ser combatida com veemência, para que possamos reconstruir uma cultura que valorize a ética e a integridade.

Onde está a honestidade?

A pergunta de Noel Rosa ecoa no coração de todos que desejam um Brasil mais justo. Onde está a honestidade? Está na luta de cada cidadão que recusa participar de esquemas, que denuncia corrupção e que acredita em um futuro diferente. Está na memória de figuras como Rui Barbosa e na esperança de que, um dia, veremos triunfar a virtude, a honra e a decência.

Não podemos nos calar. É preciso indignar-se, cobrar e exigir que a honestidade deixe de ser criminalizada e volte a ser o pilar central de nossa sociedade.

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