Em minoria, seguidores da umbanda e do islamismo falam sobre acolhimento e intolerância religiosa no interior de SP


Mãe Cris D’Oxum, umbandista, e Youssef Mahfouz, muçulmano, relatam suas experiências como praticantes de religiões não cristãs em Bauru (SP). Denúncias por intolerância religiosa cresceram no país e centro-oeste paulista já recebeu quatro ocorrências por violações em 2025. Templo de umbanda Cacique Thunan, durante celebração
Arquivo pessoal
Cultura e fé estão intimamente ligadas no Brasil, principalmente por ser um país majoritariamente cristão. De acordo com a pesquisa Global Religion de 2023, produzida pelo Instituto Ipsos e realizada com 26 países, 38% da população brasileira são católicos e 28% evangélicos.
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Ainda segundo o estudo, o Brasil lidera o ranking de países que acreditam em algum Deus ou um poder superior, com 89% do total. No interior do estado de São Paulo, a realidade é a mesma, com a maioria das cidades marcada por quermesses e eventos cristãos. Desta forma, diferenciam-se pessoas que praticam outras religiões.
Na semana em que se celebra o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa (21 de janeiro), o g1 conversou com dois moradores de Bauru (SP) que seguem a umbanda e o islamismo, religiões que são encontradas em minoria na cidade.
Umbanda: caridade, luz e amor
Cristina D’Oxum durante ‘gira’ do templo do qual ela é dirigente espiritual
Arquivo pessoal
Maria Cristina dos Santos Venâncio tem 66 anos e é dirigente espiritual de um templo de umbanda em Bauru. Mãe Cris D’Oxum – como prefere ser chamada – cresceu na umbanda, já que seus pais eram membros ativos da religião e suas práticas.
“Meus pais eram médiuns, então desde pequena conheci a religião. Faço parte ativamente há 37 anos e, atualmente, sou dirigente espiritual do templo Thunan, o qual frequento”, relembra.
A umbanda é uma religião afro-brasileira que cultua os orixás, como caboclos, erês, exu, pretos-velhos, pomba-gira, e é baseada nos princípios de caridade, luz e amor.
De acordo com a dirigente, saber ouvir as pessoas que sofrem com qualquer tipo de problema e poder ajudá-las por meio da religião é gratificante.
“Quem doa sua matéria [corpo] para um espírito trabalhar é uma pessoa muito privilegiada”, destaca Cris.
Cristina D’Oxum é dirigente espiritual do Templo de Umbanda Cacique Thunan em Bauru
Arquivo pessoal
Islamismo: oração, jejum e crença
Dados do Censo Demográfico de 2022, já divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam que, em Bauru, há mais estabelecimentos religiosos do que de saúde ou ensino.
A proporção é de um espaço religioso para cada 527 habitantes. O Censo considera as igrejas, templos, sinagogas, mesquitas, centros espíritas, terreiros e outros como estabelecimentos religiosos.
O muçulmano Youssef Mahfouz veio ao Brasil pela primeira vez em 2006 para trabalhar como supervisor de frigoríficos. Após passar por diversas cidades, ele chegou a Bauru. Na cidade, Youssef viu a possibilidade de se instalar com sua família.
Então, voltou ao Líbano, seu país de origem, e, após um período de cinco anos, retornou para a maior cidade do centro-oeste paulista acompanhado de Amina, sua esposa, e do filho: “Meu coração se abriu para essa cidade”, lembra.
Youssef e sua esposa, Amina, em um dos pontos turísticos de Bauru
Reprodução/TV TEM
Bauru não possui uma mesquita, mas, para Youssef, de 56 anos, e sua família, que são muçulmanos, este fato não interfere na prática de sua fé.
Em entrevista ao g1, ele explicou que, em seu país, a religião é passada dos pais para os filhos. Por isso, ele conta que é muçulmano desde o nascimento.
O islamismo é uma religião monoteísta que tem como norte a crença às revelações divinas recebidas pelo profeta Maomé (Muhammad), contidas no livro sagrado Alcorão. As bases do islã são oração, jejum e crença.
Desta forma, Youssef conta que, mesmo sem um local específico para professar a fé na cidade, ele e sua família conseguem seguir os pilares da religião, como a Salat, uma oração que deve ser feita cinco vezes ao dia e sempre voltada para Meca.
“Faço minhas orações cinco vezes por dia, agradecendo por tudo em minha minha vida e seguindo todos os mandamentos deixados por Alá”, compartilha Mahfouz.
Família de Youssef abriu comércio na cidade de Bauru, e pratica diariamente o Salat
Reprodução/TV TEM
Intolerância religiosa no interior de SP
Youssef relata que nunca sofreu algum tipo de preconceito ou ato de intolerância religiosa e que sempre se sentiu acolhido em Bauru e em todas as cidades por onde passou no Brasil. Mas a vivência dele não se repete em outras realidades.
Segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, dados registrados no Disque 100 revelam que, de 2023 para 2024, houve um aumento de 68% nas denúncias e de 60% nas violências por intolerância religiosa.
Ainda conforme os dados, no centro-oeste paulista, em 2025, já ocorreram quatro casos de violações por intolerância religiosa. No ano passado, foram registradas mais de 20 violações e 11 denúncias.
Esta realidade se assemelha à experiência vivida por Mãe Cris D’Oxum. Ela conta que frequentemente é hostilizada por seus vizinhos, que são evangélicos: “Direto eles passam por mim cantando a música ‘Feiticeira'”, relata.
A dirigente relembra um episódio que considerou como um dos mais embaraçosos pelos quais já passou. Cris havia encomendado uniformes para seu Templo de umbanda em uma malharia da cidade. Com valores e demais detalhes definidos, ela levou uma amostra para a empresa.
Ao chegar, Cris D’Oxum foi abordada por uma mulher, que olhou para a amostra e disse que a empresa e os funcionários eram evangélicos e, portanto, não iriam fazer “coisas de macumba”.
“Até hoje me arrependo de não ter falado nada. Fiquei tão constrangida que simplesmente concordei e saí de lá”, recorda a dirigente espiritual.
Cris D’Oxum enfrenta preconceitos com esperança
Arquivo pessoal
Cristina ainda conta que já criou um abaixo-assinado para tentar fazer seu terreiro mudar de lugar. O mesmo foi movimentado e assinado por vizinhos evangélicos.
Por fim, ela diz que mantém as esperanças, pois crê na religião. “Sei quem sou e o que estou fazendo em minha religião. Isso é o que importa no final”, enfatiza.
Mês de Combate à Intolerância Religiosa
21 de janeiro é considerado o Dia Mundial das Religiões e, no Brasil, também é o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. A data foi escolhida em memória à Ialorixá Baiana Gildásia dos Santos e Santos, conhecida como Mãe Gilda.
Em 1988, ela fundou o terreiro de candomblé Ilê Asé Abassá de Ogum, em Salvador (BA). Mãe Gilda morreu em virtude da intolerância religiosa, após sofrer agressões físicas e verbais, difamações e ataques ao terreiro.
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