Os primeiros índios da Amazônia vítimas de estrangeiros

Maria de Médici chegou às quatro horas da tarde à igreja do Convento dos Capuchinhos, no bairro de Saint Honoré, em Paris, naquele 24 de junho de 1613.

Logo depois, chegou seu filho, o rei Luís XIII.

Àquela altura, estava tudo pronto para a cerimônia de três batismos.

E isto “atraía os olhares e animava a conversação” das pessoas que, curiosas, tinham se dirigido ao templo.

Elas viam que “o altar-mor estava ricamente preparado e o santuário ornado de seda”.

Sobre um tablado, as pias batismais “cobertas com uma grande e bela bacia de prata”.

Por cima da bacia, uma colcha de tafetá branco, semelhante à lã de camelo, “tão grande que chegava ao chão”.

O fato de a Rainha Mãe da França estar ali demonstrava o quanto ela havia superado a rejeição que inicialmente sentira à iniciativa, da qual aquela cerimônia religiosa resultara, tomada por seu marido Henrique IV.

A de autorizar a instauração de uma colônia na Amazônia, a França Equinocial, no atual Maranhão, por uma expedição comandada por protestantes, entre os quais, Daniel de La Touche.

Isto, quando em seu reino já eclodira a guerra civil que punha em lados opostos adeptos do Protestantismo e do Catolicismo.

Ocorreu, porém, que, depois desta iniciativa do Rei, no dia 14 de maio de 1610, ele foi assassinado por um protestante.

O que, finalmente, pôs fim ao casamento tumultuado dele com Maria de Medici.

Henrique IV tivera várias amantes e, por conveniências políticas, tinha adiado sucessivamente o momento de coroar Maria de Medici como rainha.

Ainda assim ela manteve aquela autorização do finado Rei.

Mas fez duas exigências: o gasto de 70.000 libras com a organização da expedição teria de ser coberto por comerciantes ricos e não pelo governo francês.

E, entre os expedicionários deveria preponderar o número de católicos, com a incorporação nela de frades capuchinhos.

Um dos quais, Claude d´Abbeville.

Claude assistiu à fundação da França Equinocial, em 1612.

Manteve-se lá por quatro meses.

E, de volta a Paris, trouxe consigo os personagens centrais daquela cerimônia religiosa, três índios tupinambás pagãos.

Na realização daquela cerimônia, Claude tinha se empenhado pelo mesmo motivo por que iria escrever o livro “História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e Terras Circunvizinhas”.

É deste livro a descrição da cerimônia religiosa aqui reproduzida.

Claude pretendia estimular os homens ricos de seu país a investirem novamente no domínio francês do Maranhão.

No seu livro, ele descreveu também, com entusiasmo, a beleza e a fertilidade das terras da França Equinocial, assim como a sua imensa variedade de animais e plantas.

Num esforço propagandístico do qual fazia parte a cerimônia religiosa.

Pois, durante a cerimônia, ele pretendia, se evidenciariam os desígnios elevados dos colonizadores europeus na Amazônia, supostamente preocupados com a salvação das almas dos indígenas.

No seu livro, com o relato daquela cerimônia ele buscava mostrar que os índios, depois de catequizados, abandonariam hábitos não civilizados como a antropofagia.

E, tomados de ânsia pelo reino do Céu, passariam a requerer a proteção do Rei da França.

No entanto, por pouco, aquilo que Claude havia planejada não ficou inviabilizado.

Um dos índios que o acompanharam desde o Maranhão, de nome Caripira, com idade entre sessenta e setenta anos, suportou a viagem de cerca de 4 meses pelos quais se estendia o trajeto entre a América e a Europa, feito num navio.

Mas, – conta Claude -, “caiu doente na segunda-feira, 22 de abril, logo depois de nossa chegada a Paris.

E, faleceu, vítima de um resfriado acompanhado de muita febre e de inflamação dos pulmões”.

Em seguida, o mesmo ocorreu com outros dois índios.

Ao contrário de Caripira, ambos morreram jovens em Paris.

Patuá, “bem feito de corpo, inteligente”, tinha pouco mais de 15 anos, e, Maném, de “gênio fácil, paciente”, apenas seis anos mais, aproximadamente.

Portanto, só seria batizada a metade dos índios retirados de suas tribos, na Amazônia.

Suas idades eram vinte, trinta e oito, e, vinte anos.

A cerimônia teve início – narra Claude – quando “o senhor Bispo de Paris, que bondosamente quis ser o celebrante, revestiu então suas vestes pontificais”.

 Claude prossegue:

– Apresentaram-se imediatamente os três índios restantes, já preparados. Traziam vestes de tafetá branco, abertas e enfeitadas com botões de seda, de cima.

E aguardavam seus novos nomes, cristãos.

Em suas tribos eles se chamavam, respectivamente, Uaruajó, Itapucu e Japuaí.

Informa Claude:

– Quanto aos nomes, escolheu a Rainha (na mesma sequência) para um deles o de Henrique, para outro o de Luis, para o terceiro de João.

Então, o celebrante quis fazer um afago em Luis XIII, o novo Rei, filho de Maria de Medicis e o padrinho dos novos cristãos.

E, diante dele, perguntou à Rainha se não julgava melhor acrescentar aos novos nomes dos três índios também o de Luis.

Como um deles, Japuaí, já tinha recebido este nome, a pequena dificuldade foi facilmente contornada: ele também recebeu no nome da Rainha, passando a chamar-se Luís Maria.

A Rainha “consentiu”, com o que, completa Claude, “o Rei mostrou grande satisfação”.

Transcorreram dois anos, desde o dia daquela cerimônia de batismos.

Quando, em 1615, tropas portuguesas retomaram o controle do Maranhão.

E a França Equinocial deixou de existir.

A partir de então, os índios da Amazônia passaram a serem vítimas de uma violência não mais apenas cultural.

Milhares deles foram exterminados de modo cruel por militares portugueses.

Até jesuítas, carmelitas, franciscanos e mercedários, saídos de Portugal, reduzirem aquela matança para poder enriquecer suas ordens, com a mão-de-obra deles.

Até todos estes religiosos serem expulsos da região por Pombal, na segunda metade do século seguinte.

  • Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista

THE FIRST INDIGENOUS PEOPLE OF THE AMAZON VICTIMS OF FOREIGNERS

Maria de’ Medici arrived at 4 PM at the church of the Capuchin Convent in the Saint Honoré neighborhood of Paris on June 24, 1613.
Shortly after, her son, King Louis XIII, also arrived. By then, everything was prepared for the ceremony of three baptisms, which “attracted attention and sparked conversation” among the curious crowd that had gathered at the church.

They noticed that “the main altar was richly adorned, and the sanctuary decorated with silk.” On a platform stood baptismal fonts, “covered by a large and beautiful silver basin.” Over the basin lay a white taffeta cloth, resembling camel wool, “so large it reached the ground.”

The presence of the Queen Mother of France at the event showed how she had overcome her initial resistance to the initiative, which was a religious ceremony resulting from an endeavor taken by her husband, Henry IV. He had authorized the establishment of a colony in the Amazon, called Equinoctial France, in what is now Maranhão, led by an expedition of Protestants, including Daniel de La Touche.

This was during a time when civil war had already erupted in France, pitting Protestants against Catholics. However, on May 14, 1610, Henry IV was assassinated by a Catholic, effectively ending his tumultuous marriage with Maria de’ Medici.

Henry IV had had several mistresses and repeatedly postponed Maria de’ Medici’s coronation for political reasons. Nonetheless, she maintained the late king’s authorization but imposed two conditions: the 70,000 livres required to organize the expedition had to come from wealthy merchants, not the French government, and Catholics, including Capuchin friars, had to form the majority of the expedition members. Among them was Claude d’Abbeville.

Claude witnessed the founding of Equinoctial France in 1612, stayed there for four months, and, upon returning to Paris, brought three pagan Tupinambá indigenous people for the religious ceremony.

This event was part of the same motivation that led Claude to write his book, History of the Mission of the Capuchin Fathers on the Island of Maranhão and Surrounding Lands. The description of the ceremony reproduced here is from this book. Claude aimed to encourage wealthy Frenchmen to reinvest in France’s dominion over Maranhão.

In his book, Claude enthusiastically described the beauty and fertility of the Equinoctial France lands, as well as the immense variety of animals and plants. The religious ceremony was part of this propagandistic effort.

During the ceremony, Claude intended to highlight the supposedly noble intentions of the European colonizers in the Amazon, claiming they were concerned with the salvation of indigenous souls.

In the book, Claude argued that once catechized, the indigenous people would abandon uncivilized practices, such as cannibalism, and, longing for the Kingdom of Heaven, would seek the protection of the King of France.

However, what Claude had planned was almost derailed. One of the indigenous men who had accompanied him from Maranhão, named Caripira, aged between 60 and 70, survived the four-month journey from the Americas to Europe by ship but, as Claude recounted, “fell ill on Monday, April 22, shortly after our arrival in Paris. He died of a cold accompanied by severe fever and lung inflammation.”

Subsequently, the same fate befell two other indigenous men. Unlike Caripira, both died young in Paris: Patuá, “well-built and intelligent,” was just over 15 years old, and Maném, “of an easy and patient nature,” was about six years older.

Thus, only half of the indigenous people taken from their tribes in the Amazon could be baptized. Their ages were 20, 38, and 20.

The ceremony began, Claude narrates, when “the Bishop of Paris, who graciously agreed to officiate, donned his pontifical vestments.” Claude continues:
“The three remaining indigenous men, already prepared, were presented immediately. They wore white taffeta garments, open and adorned with silk buttons, and awaited their new Christian names.” In their tribes, they were known as Uaruajó, Itapucu, and Japuaí.

According to Claude:

“As for the names, the Queen chose for one of them the name Henry, for another, Louis, and for the third, John.”

The celebrant then wished to honor Louis XIII, the new King, son of Maria de’ Medici and the godfather of the newly baptized Christians. In the King’s presence, the Queen was asked whether she would agree to add Louis to all three names. Since one of them, Japuaí, had already received this name, the small difficulty was resolved by adding the Queen’s name as well, resulting in “Louis Maria.” The Queen “agreed,” and Claude noted, “the King showed great satisfaction.”

Two years after the baptism ceremony, in 1615, Portuguese troops regained control of Maranhão, and Equinoctial France ceased to exist. From then on, the indigenous people of the Amazon faced not only cultural violence but also physical violence. Thousands were brutally massacred by Portuguese soldiers until Jesuits, Carmelites, Franciscans, and Mercedarians from Portugal reduced the slaughter to exploit indigenous labor for their religious orders.

Eventually, all these religious groups were expelled from the region by Pombal in the second half of the following century.

(Illustration: The Indigenous Itapucu and Japuaí transformed into João Luis and Luis Maria in the illustrations of Claude d’Abbeville’s book.)

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