Natalidade na região de Ribeirão Preto cai 20% em dez anos; entenda os impactos econômicos


Queda no número de nascimentos pode afetar previdência e saúde no futuro. Fatores como questões financeiras e mudanças no papel da mulher na sociedade explicam novo cenário. Número de bebês na região de Ribeirão Preto caiu 20% em 10 anos
Reprodução/EPTV
A redução no número de nascimentos é uma realidade global que traz desafios econômicos e sociais aos países. Em Ribeirão Preto, Franca, Sertãozinho e Barretos, as quatro maiores cidades da região, essa tendência não é diferente.
Nos últimos dez anos, houve uma queda de cerca de 20% no número de nascimentos – o dobro da média nacional, que é de 10%, segundo dados do Portal da Transparência do Registro Civil, administrado pela Associação Nacional de Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil) (veja no gráfico abaixo).
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De acordo com o professor Luciano Nakabashi, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, diversos fatores ajudam a explicar essa mudança demográfica: financeiros, transformações na noção de família, planejamento familiar, ansiedade ambiental e mudanças socioeconômicas (veja mais abaixo).
A mudança demográfica também traz consequências econômicas, como a redução do PIB per capta, diminuição da população ativa e produtiva e problemas na previdência, o que pode aumentar a idade de aposentadoria.
A nova realidade também pode trazer desafios nas áreas da saúde pública e privada, com aumento do preço dos convênios.
Taxa de registros de natalidade em queda nas principais cidades da região

Mulheres optam por não serem mães
A maquiadora e cabeleireira Allana Rocha, de 29 anos, é uma das mulheres de Ribeirão Preto que optou por não ter filhos. Ela conta que desde a infância, quando havia dúvidas sobre reprodução por uma condição genética da família, não se via no papel de mãe. Mesmo ao descobrir que é fértil, a maternidade nunca foi um desejo.
“Quando descobri que, de fato, poderia ter filhos, percebi que nunca tinha idealizado ser mãe, como muitas mulheres que crescem com esse desejo. Expliquei ao meu noivo que não queria ter filhos e que nunca havia tido essa necessidade ou desejo de maternar. Para mim, nunca foi algo natural”, diz.
Allana conta que esta decisão dificilmente será revista, motivo pelo qual também optou por não congelar os óvulos. O marido optou por realizar uma vasectomia. No caso dela, apesar de a questão financeira ter impacto, não é o fator determinante em sua decisão.
“É uma escolha baseada no que sentimos. Mesmo com recursos financeiros e suporte, eu não teria vontade de ser mãe. Amo a liberdade que temos hoje. Claro, o aspecto financeiro é importante, mas a decisão de não ter filhos vai muito além disso”.
Guilherme Castro se submeteu a uma vasectomia após decisão conjunta com a esposa, Allana Rocha de não terem filhos
Reprodução/Arquivo pessoal
Para a recepcionista Yasmin Asmar, de 36 anos, a decisão de não ter filhos veio após sofrer um aborto espontâneo no início da vida adulta. Ela diz que após o episódio, não pensou mais em tentar novamente e hoje convive bem com esta decisão.
“Minha questão de não ter, hoje em dia, é pela idade. Acho que já não tenho mais a paciência que eu poderia ter mais jovem. Hoje em dia, é mais uma questão também financeira, porque eu sei que demanda muito o cuidado de uma criança. Não é só colocar no mundo e dar o mínimo”, diz.
Hoje, ela também considera a situação ambiental do planeta em sua decisão. O aquecimento global e mudanças climáticas geram ansiedades em Yasmin, que se preocupa com o futuro das próximas gerações.
“Se eu engravidasse amanhã e fosse ter um filho, daqui dez anos eu não sei como vai estar o mundo. Eu não sei se vai ter água, eu não sei se a camada de ozônio, que a gente nem tem mais, vai estar trazendo radiação solar direto no meu filho, se ele vai sofrer essas consequências. Então, se eu posso evitar. Se eu já tenho a mim pra cuidar, né, imagina você ter essa responsabilidade”, afirma.
Impactos econômicos
O professor Luciano Nakabashi alerta que a queda na natalidade afeta a economia a médio e a longo prazo. Segundo ele, o envelhecimento da população reduz o número de pessoas em idade ativa, impactando a produtividade, a inovação e o crescimento econômico.
“Assim, proporcionalmente, teremos cada vez mais pessoas idosas, porque estão nascendo menos pessoas e, consequentemente, a população está tendo menos filhos. Essa redução do número de filhos é o principal motivo dessa mudança. Proporcionalmente, isso já está começando a acontecer, e o cenário é de cada vez mais pessoas idosas em relação à quantidade de pessoas trabalhando”, diz.
Ele explica que, atualmente, a qualidade de vida e instrumentos de saúde para idosos é muito maior do que no passado e, com a queda da natalidade, uma das consequências é que os idosos trabalhem por mais tempo para a conta fechar.
Queda na taxa de natalidade pode trazer consquências econômicas negativas, segundo especialistas
Reprodução/EPTV
Por outro lado, o envelhecimento e os problemas de saúde são inevitáveis, o que pode sobrecarregar os sistemas de saúde público e privado, além de aumentar o preço dos convênios para serem sustentáveis.
“Estamos passando pelo bônus demográfico, que está acabando. Até agora, a quantidade de pessoas em idade de trabalhar vinha aumentando, mas agora estamos chegando ao limite e começando a reverter. A quantidade de pessoas em idade ativa começará a diminuir em relação ao restante da população, e isso terá um efeito negativo sobre o crescimento do PIB per capita”.
Novas configurações sociais
A relação da sociedade com a reprodução passou por transformações significativas ao longo do tempo, segundo o professor Nakabashi. Ele aponta que a redução da mortalidade infantil, que era elevada no passado, é um dos fatores que explicam a diminuição no número de filhos por família.
“Antigamente, as pessoas tinham muitos filhos porque eles sustentavam os pais quando estes perdiam a capacidade produtiva. Além disso, como a mortalidade infantil era alta, as famílias tinham mais filhos para garantir que pelo menos alguns chegassem à idade adulta. Com a redução da mortalidade infantil, tornou-se menos necessário ter tantos filhos”, afirma o economista.
Nakabashi destaca ainda que, no passado, era comum que os filhos começassem a trabalhar mais cedo, contribuindo para a renda familiar. Hoje, no entanto, a entrada no mercado de trabalho ocorre mais tarde, enquanto os gastos com educação aumentaram, devido ao tempo prolongado de estudos até que se tornem economicamente produtivos. Além disso, com a previdência social, os mais velhos já não dependem exclusivamente dos filhos para garantir a renda na velhice.
Taxa de natalidade está em queda na região
Reprodução/EPTV
Outro fator relevante é o aumento da participação feminina no mercado de trabalho associado a níveis mais altos de escolaridade e a uma carga intensa de atividades profissionais. Como resultado, a maternidade muitas vezes é postergada ou até deixada de lado.
Esse é o caso da cabeleireira Allana Rocha, que tem priorizado sua vida profissional e não planeja ser mãe. “Minha realização é pessoal: vem do meu trabalho, das conquistas, das viagens que faço e do que proporciono para minha família. Já discuti muito isso em terapia”, conta Allana.
Julgamento
O julgamento da sociedade e da família é uma realidade enfrentada por mulheres que optam por não ter filhos. Tanto Allana Rocha quanto Yasmin Asmar relatam sentir na pele o peso dessa escolha, especialmente em interações com familiares e outras mulheres.
“Esses dias, encontrei uma moça no mercado que eu não via há dez anos. A primeira coisa que ela me perguntou foi sobre isso, como se fosse uma obrigação. Aí eu falei: ‘Não, não tive e nem quero’. Parece que você está sendo julgada”, conta Yasmin. “Ela disse: ‘Não, mas precisa ter porque filho é o matrimônio, é igual casar na igreja. Precisa casar na igreja, precisa ter filho’. Então, eu pensei: ‘Não, meu relacionamento está dando certo dessa maneira'”, conta.
Allana também relata a pressão social que sente, principalmente a ideia de que sua escolha de não ser mãe a torna “menos mulher”. “As pessoas insistem que vou mudar de ideia, que ainda sou nova e que tomamos uma decisão que pode afundar nosso relacionamento. Ouvi muitas vezes que influenciei o Guilherme nessa decisão e que isso pode prejudicar nosso futuro juntos”, afirma.
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