Entenda o exercício militar da Venezuela na fronteira com o Brasil e suas implicações

Vídeo mostra a presença de soldados da Venezuela no território do Brasil.

Conteúdo analisado: Vídeo mostra a fronteira entre o Brasil e a Venezuela na cidade de Pacaraima. No lado brasileiro, é possível ver homens armados em caçambas de caminhonetes.

O homem que grava o vídeo diz: “Neste momento, aí as tropas… forças especiais da Venezuela estão do lado do Brasil”.

Há postagens que repercutem o vídeo com sugestões de que o episódio significa o início de uma guerra entre os dois países ou de uma invasão venezuelana. “Tropas do regime de Maduro cruzam a fronteira com o Brasil armados” e “Brasil sendo invadido pela tropa armada da Venezuela” são algumas das frases em postagens que compartilham o vídeo.

Onde foi publicado: X.

Contextualizando: Reportagens publicadas na imprensa brasileira (CNN Brasil, O Globo) informam que, no dia 22 de janeiro, o governo da Venezuela fechou a fronteira com o Brasil, em Pacaraima, em Roraima, para a realização de exercícios militares na chamada operação “Escudo Bolivariano 2025”.

Dois dias antes, o site governo venezuelano publicou pronunciamento do ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, sobre a ação.

Segundo ele, o exercício militar teve o objetivo de colocar em prática ações que “garantam a defesa militar e a ordem interna do país” e tornem as fronteiras do país “inexpugnáveis em todo o território nacional”.

A medida durou cerca de 12 horas, com a reabertura na manhã seguinte. Ainda no dia 22, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil divulgou nota afirmando que a decisão de fechar a fronteira se deu de forma unilateral pelo governo venezuelano.

Ainda segundo o texto, o governo de Nicolás Maduro informou “que o fechamento deve-se a exercícios militares rotineiros e foi feito por medida de segurança”.

Não se trata, portanto, de uma incursão militar para início de um conflito bélico com o Brasil, como sugerem algumas das postagens.

Reportagem da CNN Brasil sobre a reabertura da fronteira, no dia 23, observa que circulam na internet “imagens de viaturas venezuelanas aparentemente cruzando a divisa, entrando em solo brasileiro e retornando logo em seguida”.

A descrição coincide com o vídeo analisado neste Contextualizando.

O Comprova buscou contato com o Exército Brasileiro, o Ministério da Defesa, o MRE, a Polícia Militar de Roraima, o Governo do Estado de Roraima, a Prefeitura de Pacaraima e o Consulado da Venezuela no Brasil na tentativa de confirmar se militares venezuelanos ingressaram armados em território brasileiro.

O governo de Roraima disse que não se pronunciaria sobre o assunto: “Não compete ao Estado vigiar fronteiras, nem comentar políticas diplomáticas, estratégias, ações de defesa nacional ou afins”, diz trecho da nota enviada ao Comprova. Os demais órgãos não responderam.

Apesar de o Comprova não ter obtido confirmação de nenhum órgão oficial sobre a presença de militares da Venezuela armados no lado brasileiro da fronteira, o site Roraima em Rede afirma que as tropas do país adentraram “alguns metros” no território do Brasil durante o exercício militar.

A matéria reproduz o mesmo vídeo analisado neste Contextualizando.

A comparação entres as imagens do vídeo e da fronteira via Google Maps (abaixo), permite constatar que se trata do mesmo local.

Já os veículos que aparecem no vídeo no lado brasileiro da fronteira se assemelham às caminhonetes utilizadas pela Unidade de Reação Rápida (URRA) do exército venezuelano.

A unidade participou da manobra, como consta no pronunciamento do ministro da Defesa venezuelano.

| Imagem do vídeo investigado.

| Captura de tela do Google Maps mostra a fronteira entre Brasil e Venezuela em Pacaraima, em Roraima.

Crise diplomática

Na avaliação do advogado Belisário dos Santos Jr., membro da comissão Internacional de Juristas em Genebra, na Suíça, caso os militares venezuelanos tenham de fato ingressado armados em território brasileiro, há uma sinalização, por parte do governo venezuelano, de um interesse em causar um conflito diplomático com o Brasil.

“A fronteira física entre dois países é algo ‘sagrado’”, diz Belisário. “Se os militares venezuelanos entraram armados no lado brasileiro, isso é grave, e demonstra um ato de provocação de Nicolás Maduro (presidente da Venezuela) capaz de gerar um conflito diplomático entre os dois países”.

Já sobre a decisão unilateral da Venezuela de fechar a fronteira, para Belisário, embora menos grave, configura uma “ofensa” ao governo brasileiro.

O advogado acredita que o episódio não tem potencial para gerar um conflito armado entre os dois países. “Isso me parece mais uma provocação, bem típica do Maduro, mas sem potencial para gerar consequências que extrapolem um conflito diplomático”.

Para a coordenadora do Curso de Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista em Franca (Unesp-Franca), Marilia de Souza Pimenta, o treinamento militar venezuelano não fere a soberania nacional brasileira, mas demonstra, no campo político, o afastamento de relações entre os dois países e a imprevisibilidade do governo de Maduro.

“Na prática, o que estamos vendo é o desmantelamento das relações políticas de proximidade que havia entre os dois países no início dos anos 2000, para relações cada vez mais distantes e difíceis para o cálculo político brasileiro, considerando ao menos dois fatos recentes: a questão da Guiana e as eleições de Maduro, cujas atas e documentos não foram formalmente apresentados, culminando no não reconhecimento de seu resultado pelo Brasil e a não presença de Lula em sua posse”, destaca a professora.

Resposta do governo brasileiro

De acordo com matérias da CNN Brasil e do Globo, publicadas nos dias 23 e 24, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, telefonou para o chanceler da Venezuela, Yván Gil, pedindo explicações sobre o episódio. As informações são de bastidores e não foi possível confirmá-las com as fontes oficiais.

Marilia de Souza Pimenta explica que, quando as relações diplomáticas são boas e estão estáveis, não há treinamento militar em região de fronteira ou bloqueio de passagem sem que haja comunicação prévia entre os países. “Ao contrário, na maioria das vezes, os treinamentos inclusive são feitos em conjunto, e a comunicação é feita via Forças Armadas”, diz a professora de Relações Internacionais, acrescentando que o fechamento de fronteira por decisão unilateral de um país demonstra “que há rusgas no campo político”.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. As postagens acumularam mais de 3,5 milhões de visualizações e 17 mil compartilhamentos no X.

Fontes que consultamos: O Comprova consultou notícias na imprensa e os seguintes órgãos: Exército Brasileiro, o Ministério da Defesa, o Ministério das Relações Exteriores (MRE), a Polícia Militar de Roraima, o governo do estado e a Prefeitura de Pacaraima.

Foi feito contato também com o advogado Belisário dos Santos Jr., membro da comissão Internacional de Juristas em Genebra, na Suíça, e a professora Marília Souza Pimenta, coordenadora do Curso de Relações Internacionais da Unesp-Franca.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento.

Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A Lupa e o Aos Fatos publicaram verificações sobre o exercício militar na fronteira.

Em checagens anteriores, O Comprova já mostrou que o Brasil defende solução pacífica entre Venezuela e Guiana em disputa por região petrolífera e que post sobre “fuga de venezuelanos” ao Brasil mostra vídeo de pessoas migrando para o Panamá.

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