STJ reverso: caso de racismo

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu na terça-feira, 4, mais um passo rumo à confusão jurídica e ao ressentimento racial.

Em um caso aparentemente banal, de desentendimento por falta de pagamento por um serviço, a Sexta Turma do tribunal anulou todos os atos de um processo por injúria racial movido por um homem branco contra um homem negro que o ofendeu com referências à cor da pele.

A lei brasileira prevê que “serão punidos os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Mas o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou em 2024 um Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial, que adere aos mais variados conceitos da militância identitária, incluindo o ainda em formação “racismo ambiental”.

“A interpretação das normas deve considerar a realidade concreta e a proteção de grupos minoritários”, argumentou o ministro Og Fernandes, relator do pedido de habeas corpus que anulou todo o processo, mencionando o protocolo.

“A injúria racial, caracterizada pelo elemento de discriminação em exame, não se configura no caso em apreço, sem prejuízo da análise de eventual ofensa à honra, desde que sob adequada tipificação”, completou Fernandes.

O ministro seguiu a cartilha do CNJ à risca. E esse é o perigo, inclusive para a cantora Claudia Leitte.

O caso

O alvo da alegada injúria racial foi um italiano chamado, durante troca de mensagens por aplicativo, de “escravista cabeça branca europeia” por um brasileiro que lhe cobrava pagamento por serviços prestados. A denúncia foi apresentada pelo Ministério Público de Alagoas.

Não há problema em privilegiar a proteção de grupos minoritários ao tratar de racismo, usando o contexto como agravante para o cometimento da injúria racial, mas ignorar ofensas raciais a quem não faz parte de grupos identificados como historicamente desfavorecidos só contribui para alimentar os ressentimentos raciais.

Numa situação hipotética, se o chefe for negro e o empregado for branco, há injúria racial numa ofensa proferida com base na raça? Ou simplesmente por não fazer parte de uma minoria o branco hierarquicamente submetido ao negro estará sempre de alguma forma hierarquicamente acima dele e, portanto, imune a qualquer tipo de discriminação?

Racismo

Essa lógica de julgar casos individuais a partir de uma perspectiva coletiva dificilmente vai colaborar para a apaziguamento de tensões raciais, e ameaça ampliá-las. Não bastasse, isso ocorre em um país onde as tonalidades de pele são muito mais variadas do que nos Estados Unidos, de onde toda essa lógica foi importada.

O Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial do CNJ compra toda a cartilha da militância identitária. Estão lá descritos os conceitos de racismo estrutural, racismo institucional, racismo recreativo, racismo cultural, racismo religioso — a cantora Claudia Leitte está na mira dos movimentos identitários por ter mudado uma palavra ao cantar uma música —, racismo ambiental e até o pejorativo “branquitude”.

“A ‘branquitude’ é uma forma de identidade introduzida historicamente pelo colonialismo perpetrado pelos países da Europa Ocidental, cuja hegemonia permitiu que seu sistema econômico, os seus valores religiosos, a sua estrutura política e a sua tradição cultural se tornassem parâmetros universais”, descreve o protocolo do CNJ — em um país miscigenado.

Estratégia

O combate ao alegado “racismo reverso” tem um pano de fundo prático. Esse conceito foi criado pela militância identitária para impedir a alegação de discriminação por brancos que participam de seleções públicas nas quais há cotas raciais. Como se vê no caso em questão, contudo, os impactos potenciais dessa lógica são mais profundos — e podem jogar contra os próprios negros.

Enquanto os Estados Unidos, onde foram gestados todos esses conceitos, se afastam da perspectiva identitária, que causou muitos mais problemas e tensões do que colaborou para melhorar a vida das pessoas em nome das quais foi criada, o Brasil põe tudo isso em lei — e não por meio de projetos ou emendas constitucionais, mas por um “protocolo”.

Isso não tem como acabar bem.

Fonte: Rodolfo Borges, de O Antagonista.

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