Elon Musk no “comando” do governo dos EUA? A revolução digital que está abalando Washington

Elon Musk lançou, na tarde desta terça-feira (4), uma enquete para seus seguidores no X com a pergunta: “Você gostaria que o DOGE auditasse o IRS [Receta Federal]?” Em menos de 24 horas, quase dois milhões de usuários haviam votado, com 51% optando por “sim” e 41% escolhendo “F yes” (algo como “com certeza sim” acompanhado de um emoji de mãos levantadas; apenas 8% votaram “não”.

Em Washington (EUA), a incursão do bilionário no governo federal tem causado alarme, protestos e até processos judiciais. Pesquisas indicam que a maioria dos estadunidenses desaprova o papel de Musk na administração do presidente Donald Trump, segundo o The Washington Post.

Entretanto, no X, rede social que ele comanda, influenciadores conservadores do meio político e tecnológico aplaudem sua “entrada” nas instituições federais, considerando-a ousada ruptura com a burocracia – e Musk tem colhido elogios enquanto recebe sugestões para seus próximos alvos.

Com o Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, na sigla em inglês) reformulando agências federais de maneira quase instantânea, o X vem se consolidando como um “Mar-a-Lago digital” do próprio Musk.

Ou seja, uma espécie de clube online frequentado por admiradores que pagam pelo selo azul de verificação e a chance de conquistar seu endosso, seja por meio de repostagens virais ou pela inclusão de suas causas na ampla agenda política do bilionário. Como num clube privado, aqueles que desagradam o dono correm o risco de serem banidos.

elon musk
Muitos criticam a presença do bilionário no governo Trump (Reprodução: Frederic Legrand – COMEO/Shutterstock)

Durante a última semana, enquanto funcionários do DOGE se infiltraram e assumiram o comando de uma agência federal após a outra, Musk apresentou os acontecimentos para seus 216 milhões de seguidores no X praticamente ininterruptamente.

Ao longo desse processo, ele republicou informações falsas sobre as agências que estava “cortando”, acusou órgãos e indivíduos federais de atos criminosos e anunciou, de forma enigmática, o encerramento de pagamentos e unidades governamentais, aponta o Post.

O bilionário também promoveu transmissões ao vivo celebratórias com aliados políticos e zombou de seus críticos, utilizando memes que o retratavam como um mafioso à la “O Poderoso Chefão”.

Na quarta-feira (5), ao encerrar a enquete sobre o IRS, Musk compartilhou os resultados acompanhados da expressão latina “Vox populi, vox dei” (“A voz do povo é a voz de Deus”), sinalizando que sua decisão já estava tomada.

Musk e X: péssima combinação?

  • Musk adquiriu o Twitter em 2022 com a promessa de transformá-lo em zona de “liberdade de expressão”, onde diferentes ideologias pudessem se misturar sem medo de censura;
  • Desde então, a plataforma passou a refletir a personalidade e as posições de seu dono;
  • Embora o X ainda abrigue críticas a Musk e à administração Trump – inclusive de importantes democratas, como o senador Charles E. Schumer – confrontá-lo na rede pode resultar em “chuva de gozações” se ele compartilhar uma postagem depreciativa para sua imensa audiência;
  • Além disso, a tolerância da plataforma à liberdade de expressão tende a acabar abruptamente quando um usuário ultrapassa um limite pessoal traçado por Musk.

Na segunda-feira (3), após uma conta anônima ter divulgado no X os nomes de jovens engenheiros do DOGE – identificados inicialmente pela Wired – que exigiam acesso aos sistemas de informática do Tesouro dos EUA, Musk respondeu: “Você cometeu um crime.” Algumas horas depois, a conta havia sido suspensa, com mensagem informando que a suspensão ocorreu por violação das regras do X.

Ainda na segunda-feira (3), Musk compartilhou uma sequência de publicações de figuras da mídia conservadora que criticavam o setor de tecnologia da General Services Administration, unidade conhecida como 18F, responsável pelo desenvolvimento do software de autoatendimento Direct File do IRS. Em uma das postagens, era afirmado, de forma inverídica, que o Direct File “coloca o governo no comando da elaboração das declarações de imposto de renda dos cidadãos”.

A publicação, que, hoje, acompanha uma checagem de fatos feita pelo programa “Notas da Comunidade” da própria plataforma, não impediu que Musk a citasse, acrescentando a enigmática mensagem: “Esse grupo foi deletado.” Embora integrantes da unidade afirmem que ela continua funcionando, sua conta no X não existe mais. Nem Musk nem a plataforma se pronunciaram sobre o caso.

Silhuetas de Musk e Trump; atrás, bandeira dos Estados Unidos
X teria virado plataforma política do governo “Trump/Musk” (Imagem: Rokas Tenys/Shutterstock)

Rede social usada como ponto de encontro

No X – e não em um escritório ou restaurante – políticos republicanos, executivos da indústria tecnológica e influenciadores conservadores se reúnem para enaltecer o trabalho de Musk, apoiar suas posições e fornecer argumentos para suas pautas.

A expectativa é que o bilionário responda ou republique essas mensagens para sua vasta audiência – e, agora que está definindo prioridades para a administração Trump, talvez até as coloque em prática.

No último domingo, Ryan Petersen, CEO da empresa de logística Flexport, sediada em São Francisco (EUA), chamou diretamente a atenção de Musk com publicação no X que dizia: “Caro @DOGE, por favor, olhe para o U.S. Mint em São Francisco”, sugerindo que a instituição fosse fechada e reestruturada.

Uma hora depois, às 6h18 (horário de Brasília), Musk respondeu apenas com “Anotado”. Petersen, então, republicou a interação com a legenda: “Não acredito que este aplicativo custa apenas oito dólares.”

Uma análise do Post revela que, desde outubro, Musk intensificou dramaticamente suas postagens no X, enviando mais de três mil publicações e respostas por mêsou mais de 100 por dia –, cerca de quatro vezes o volume registrado no primeiro trimestre do ano passado.

Eddie Perez, ex-diretor de integridade cívica no Twitter e atualmente membro do conselho do Open Source Election Technology Institute, afirmou que, durante a campanha, Musk trabalhou para transformar o X em “uma máquina de propaganda de direita para Trump”.

Agora, com o bilionário assumindo papel de destaque na administração Trump, Perez comentou que “ele está usando o X como um serviço de notícias para anunciar decisões impactantes e possivelmente ilegais sobre o governo federal, como se fosse o CEO de todos os estadunidenses.”

Com Musk, X virou plataforma de apoio ao governo Trump

A forma como Musk tem utilizado o X para mobilizar apoio à rápida desmantelação da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês) exemplifica o poder da plataforma como uma espécie de “chicote” partidário.

Enquanto Trump e seu então indicado a secretário de Estado, Marco Rubio, já haviam sinalizado, em janeiro, que pretendiam cortar recursos à USAID – conforme proposto pela conservadora Heritage Foundation em seu blueprint Project 2025 – os acontecimentos se intensificaram no fim de semana.

No último domingo (2), uma conta denominada Autism Capital publicou que dois altos funcionários da USAID foram afastados por tentarem impedir o acesso dos funcionários do DOGE aos sistemas da agência.

Musk compartilhou a publicação e acrescentou a mensagem sinistra: “A USAID é uma organização criminosa. Hora de ela acabar.” Enquanto democratas reagiram com espanto – questionando se Musk realmente poderia “matar” a USAID e o que ele entendia por “organização criminosa” – contas conservadoras e de extrema-direita no X celebraram a ação.

Milo Yiannopoulos, por exemplo, postou que “ao fechar a USAID, Trump e Musk derrubaram a maior organização terrorista global da história”, e sua publicação foi compartilhada por Musk com um emoji de alvo.

Na madrugada de segunda-feira (3), o próprio Musk reiterou suas intenções durante live em áudio no X, acompanhada pela senadora Joni Ernst e outros apoiadores. Ernst, que se posiciona como grande aliada de Musk no Congresso – onde lidera o novo DOGE Caucus do Senado – também tem ganhado destaque.

Outro parceiro no Capitólio é a deputada Marjorie Taylor Greene, cuja conta no X, anteriormente banida permanentemente, foi reinstaurada por Musk.

Greene preside subcomissão no DOGE do Comitê de Supervisão da Câmara dos Representantes e foi mencionada e elogiada por Musk em publicação na segunda-feira (3), em resposta à reportagem que indicava que sua subcomissão convocaria os chefes executivos da NPR e da PBS para testemunhar sobre suposto viés liberal nas redes financiadas com recursos públicos. No dia seguinte, Greene anunciou no X que estava apresentando projeto de lei para “abolir” a USAID.

logo do X e silhueta de elon musk
Alguns defendem que rede social virou um “clube privado” (Imagem: kovop/Shutterstock)

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Mais aliados do bilionário

Não são apenas os parlamentares republicanos que se alinham a Musk no X. Na segunda-feira (3), o procurador interino dos EUA, Edward R. Martin Jr., tentou dar respaldo jurídico à indignação de Musk contra aqueles que divulgaram a identidade dos funcionários do DOGE.

Em sua publicação, Martin escreveu: “Caro @elon, Por favor, veja esta carta importante. Não toleraremos ameaças contra os trabalhadores do DOGE ou a quebra da lei pelos descontentes.” A carta, marcada como “ENVIADO VIA X: @elonmusk”, comprometia-se a “tomar todas as medidas legais contra quem impedir seu trabalho ou ameaçar seu pessoal”.

Embora ameaçar funcionários públicos seja ilegal, a divulgação dos seus nomes geralmente é protegida pela Primeira Emenda. O próprio Musk já havia feito isso, em novembro, quando criticou trabalhadores do governo que, em seu entendimento, desempenhavam funções supérfluas ou fraudulentas – o que levou, pelo menos, uma funcionária a excluir suas contas nas redes sociais.

A exaltação de Musk e de sua “reforma” governamental conferiu à plataforma um tom de impulso oficial. “Tenho receio de que o X se transforme efetivamente em mídia estatal”, alertou Brendan Nyhan, professor de ciência política na Dartmouth College.

Entretanto, enquanto democratas e alguns juristas criticam a dependência de Musk de um grupo de jovens programadores sem experiência governamental para assumir a infraestrutura federal – incluindo sistemas de pagamento do Tesouro dos EUA – especialistas da área tecnológica no X enxergam a situação de forma diferente.

Alguns influentes do setor afirmam, em suas publicações, que se sentem mais seguros nas mãos de “engenheiros pirados”, como Luke Farritor, ex-estagiário da SpaceX que, no ano passado, ganhou prêmio por decifrar um pergaminho antigo. Duas postagens zombando de uma imagem com a pergunta “Quem são esses garotos? E por que estão no comando do nosso dinheiro?” acumularam, juntas, mais de três milhões de visualizações.

Parte desse efeito se deve à própria estrutura do X, que se transformou em câmara de ecos de Musk. No Twitter, as respostas a publicações populares costumavam ser campos de batalha ideológicos, com opiniões divergentes competindo por curtidas.

Uma das mudanças mais influentes promovidas por Musk foi a priorização de respostas de usuários que pagam assinatura mensal do X Premium – assinatura essa que também confere o icônico selo azul, antes reservado a celebridades e grandes nomes da mídia.

Com a saída de liberais e outros desiludidos com a nova face do X – ou sua recusa em pagar pelas assinaturas – as principais respostas às publicações mais populares passaram a ser dominadas por conservadores e apoiadores de Musk, o que pode conferir a impressão de consenso em posts que defendem posições conservadoras, inclusive as do próprio Musk.

Um dos comentários de destaque à enquete sobre a “auditoria do IRS” veio do usuário verificado Arthur MacWaters, cujo perfil se apresenta como CEO de 27 anos e cofundador da Legion Health – startup que oferece “psiquiatria com tecnologia de IA” e que conta com a experiência adquirida no incubador de startups do Vale do Silício, Y Combinator. Em sua resposta, MacWaters disse: “Poxa, votei ‘sim’ rapidinho e nem percebi que tinha a opção ‘F yes’.

A senadora Joni Ernst republicou a enquete de Musk na terça-feira (4) com sua própria resposta: “Sim, e eu tenho um projeto de lei para isso! Meu Audit the IRS Act auditará os auditores e demitirá os mais de 800 agentes do IRS que devem milhões de dólares em impostos atrasados.”

Em menos de 45 minutos, Musk republicou a mensagem de Ernst, adicionando “Incrível” acompanhado de um emoji de óculos escuros – o que fez com que sua publicação alcançasse cerca de 13 milhões de visualizações, quase duas mil vezes mais que as aproximadamente sete mil vistas que ela havia obtido em janeiro, quando divulgou o projeto sem a amplificação de Musk.

Trump fala de seu governo no Truth Social, enquanto Musk bombardeia seus seguidores do X (Imagem: rafapress/Shutterstock)

Tempos de Twitter

Apesar do Twitter nunca ter tido tantos usuários quanto o Facebook ou o YouTube, ele sempre foi influente na política como “ferramenta de definição de pautas, capaz de direcionar a atenção para questões preferenciais e reforçar determinados pontos de vista”, conforme explica Annelise Russell, professora de políticas públicas na Universidade de Kentucky (EUA).

“O maior trunfo do Twitter – e, agora, do X – sempre foi sua capacidade de reorientar agendas e mudar o foco das conversas”, destacou Russell.

Enquanto Trump hoje publica, principalmente em sua própria rede social, a Truth Social, a conta de Musk no X exerce influência singular. Como dono da plataforma, ele controla seus rumos – e todos sabem exatamente onde encontrá-lo.

Na terça-feira (4), parlamentares democratas se reuniram do lado de fora do Tesouro dos EUA, tentando obter acesso para observar as atividades do DOGE, mas foram barrados. A deputada Melanie Stansbury postou vídeo no X, relatando que exigiram falar com Musk e sua equipe.

Em resposta, Musk apareceu – não pessoalmente, mas na própria rede – com imagem aparentemente gerada por inteligência artificial (IA) que o mostrava sentado, de braços cruzados atrás de uma mesa, acompanhada da legenda: “Posso ajudá-lo?” Até esta quinta-feira (6), a publicação de Stansbury havia alcançado cerca de 885 mil visualizações, enquanto a resposta de Musk somava 28 milhões.

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