Marte: descoberta muda compreensão do processo de formação de planetas

Poderosos martemotos que sacodem violentamente Marte não se originam sempre em seu interior, revela nova pesquisa.

Utilizando inteligência artificial (IA) para analisar dados sísmicos, o estudo demonstra com que intensidade e profundidade os tremores se propagam pelo interior de Marte – descoberta que impacta nossa compreensão tanto do núcleo viscoso do planeta quanto dos processos de formação de mundos, como Terra, Marte e Vênus.

Além disso, a investigação indica que Marte sofre impactos de rochas e meteoroides com muito mais frequência do que se imaginava, alterando a visão sobre as atividades que ocorrem sob sua superfície empoeirada.

“Nossas observações mostram que alguns dos martemotos registrados são, na verdade, causados por impactos de meteoroides e não por atividade tectônica”, explica Valentin Bickel, cientista planetário da Universidade de Berna (Suíça). “Isso tem implicações profundas nas estimativas de frequência dos martemotos e na nossa compreensão geral da dinâmica da superfície marciana.”

sonda Mars InSight na superfície de Marte
Sonda Mars InSight na superfície de Marte (Imagem: NASA/JPL-Caltech)

Marte e seus martemotos

  • Embora Marte seja o segundo planeta mais estudado do Sistema Solar, atrás apenas da Terra, muitos aspectos de sua dinâmica, história e evolução permanecem envoltos em mistério;
  • Nossa coleta de dados se restringe ao que é possível detectar à distância, por meio de máquinas enviadas a milhões de quilômetros para transmitir informações de volta à Terra;
  • Um desses equipamentos foi o módulo InSight, que operou entre 2018 e 2022 com o objetivo de monitorar a atividade sísmica sob a superfície marciana;
  • Os cientistas, que acreditavam que Marte estava praticamente geologicamente inerte, ficaram surpresos ao constatar a ocorrência de mais de 1,3 mil tremores durante a missão.

Os tremores podem se originar tanto do interior do planeta, decorrentes de atividades geológicas ou magmáticas, quanto como resultado do impacto de corpos espaciais. Em alguns casos, os pesquisadores conseguiram até associar os tremores registrados pelo InSight a crateras formadas recentemente.

Para identificar essas crateras, Bickel e sua equipe utilizaram algoritmo de aprendizado de máquina que buscava por formações recém-registradas durante o período de atuação do InSight.

Analisando imagens da superfície marciana, coletadas pelo instrumento HiRISE a bordo do Mars Reconnaissance Orbiter (MRO), os pesquisadores cruzaram os dados das 123 novas crateras encontradas com os registros sísmicos, conseguindo correlacionar 49 eventos a pelo menos um impacto.

“Nossos dados indicam que os impactos em Marte ocorrem com uma frequência de 1,6 a 2,5 vezes maior do que as estimativas anteriores”, afirma Bickel, ressaltando que o planeta, com sua atmosfera rarefeita, é alvo de verdadeiro bombardeio.

Em um segundo artigo complementar, os pesquisadores focaram em um impacto específico que originou cratera de 21,5 metros, localizada próximo a Cerberus Fossae – região de uma planície vulcânica jovem e marcada por intensa atividade sísmica. A equipe conseguiu vincular essa cratera a um tremor de alta frequência, o que leva a reavaliação das interpretações anteriores sobre a região.

“Pensávamos que Cerberus Fossae gerava inúmeros sinais sísmicos de alta frequência decorrentes de tremores internos, mas essa evidência sugere que parte dessa atividade pode, na verdade, ser proveniente de impactos”, comenta Constantinos Charalambous, cientista planetário do Imperial College London (Inglaterra).

Algumas das 123 crateras recém-descobertas na superfície de Marte
Algumas das 123 crateras recém-descobertas na superfície de Marte (Imagem: ESA/TGO/CaSSIS CC-BY-SA 3.0 IGO e NASA/JPL/Universidade do Arizona/MSSS)

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A análise dos dados do InSight também permitiu compreender melhor como os impactos afetam Marte. Surpreendentemente, as ondas sísmicas geradas pelos impactos não se restringem à crosta do planeta; elas penetram no manto e até em camadas mais profundas por meio de “corredor sísmico”, alcançando regiões distantes.

Essa descoberta impõe a necessidade de repensar como interpretamos a propagação das ondas sísmicas, já que essa trajetória pode ser utilizada para mapear as diferentes densidades dos materiais que compõem o planeta. Um entendimento equivocado dessa propagação pode ter levado a uma caracterização imprecisa do interior de Marte.

Essas descobertas desafiam suposições anteriores sobre a propagação das ondas sísmicas e indicam que muitos dos martemotos registrados ocorreram a uma distância maior da estação InSight do que se acreditava”, ressalta Charalambous. “Além de realocar os epicentros de diversos tremores, isso implica que o modelo estrutural interno de Marte precisa ser revisado.”

Os dois estudos foram publicados na revista Geophysical Research Letters aqui e aqui.

Imagem de Cerberus Fossae tirada em 2018 pelo orbitador Mars Express
Imagem de Cerberus Fossae tirada em 2018 pelo orbitador Mars Express (Imagem: ESA/DLR/FU Berlim)

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