Crime organizado já é o principal empregador em regiões do Brasil, diz especialista

Estudo do Fórum Brasileiro da Segurança Pública mostra que comércio ilegal de produtos lícitos já movimenta mais dinheiro do que o tráfico, ampliando domínio de facções em áreas onde poder público é pouco presente

Novo estudo divulgado nesta quinta-feira, 13, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelou que o crime organizado no Brasil já movimenta mais dinheiro com a venda irregular de combustível, ouro, cigarro e álcool do que com o tráfico de cocaína. A expansão de atividades criminosas para setores formais da economia é responsável por perdas fiscais na casa dos bilhões de reais pela ampliação do poder político dos criminosos, sobretudo nas áreas onde o poder público é pouco presente.

Conforme a pesquisa Rastreamento de Produtos e Enfrentamento ao Crime Organizado no Brasil, as facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) movimentaram R$ 146,8 bilhões em 2022 com a comercialização de combustível, ouro, cigarros e bebida. A movimentação financeira do tráfico de cocaína no mesmo período foi estimada em R$ 15 bilhões.

Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, o diretor-presidente do Fórum, Renato Sérgio de Lima, diz que o avanço é preocupante e pode levar a um processo de “mexicanização” do País. “No México, o principal empregador é o crime organizado”, afirma. “O Brasil ainda está longe disso, mas, em algumas regiões, como a Amazônia, isso já acontece.”

Qual era o principal objetivo desse novo estudo?

Queríamos estimar o tamanho da contaminação do mercados lícitos pelo crime organizado. Desta vez, selecionamos quatro mercados: combustível, tabaco, bebida e ouro. Mas sabemos que há muitos outros. Numa pesquisa que fizemos ano passado, listamos 22 mercados transnacionais com a presença do crime organizado.

Mudou o perfil do crime organizado?

Sim, a violência mais generalizada que tínhamos em 2017 cede lugar para uma criminalidade focada em estruturas críticas da economia formal, como portos e aeroportos. E cresceram muito também as fraudes virtuais.

O tráfico de drogas perdeu importância?

Não. Os mercados lícitos começaram a ser explorados inicialmente para lavar o dinheiro da droga, mas acabaram gerando receita tão grande que a droga deixou de ser o negócio mais rentável, ainda que não tenha deixado de ser o principal. O tráfico de drogas é fundamental porque permite manter o poder bélico e o controle territorial. Sobretudo, o tráfico mantem o controle das rotas de comércio ilegal na Amazônia e no Mato Grosso do Sul. E a cocaína ainda é muito rentável. Na fronteira do Brasil, um quilo de cocaína pura custa US$ 1 mil. Na Europa, o mesmo quilo chega valendo US$ 52 mil.

Como o crime organizado atua nesses mercados lícitos?

No caso de cigarros e bebidas alcoólicas, em geral esses produtos são comercializados nas comunidades e nas periferias. O combustível é diferente. O crime organizado já detém postos de gasolina e até usinas de etanol, dominando toda a cadeia produtiva e adentrando também os bairros nobres. As facções e as milícias fazem contrabando e também adulteram combustível (Neste mês, a Polícia Federal abriu inquérito para investigar a denúncia de que mais de mil postos pelo País estariam sob controle do crime organizado).

Como o senhor analisa esse avanço?

O crime organizado vai ocupando o mercado formal, lucrando como nunca e impondo sua vontade não mais apenas nos territórios controlados. Toma conta da economia formal, como acontece no México, onde o crime organizado já é o principal empregador do País. Isso já acontece na Amazônia. De acordo com nossos estudos, já dá pra dizer que o crime organizado é o principal empregador, sobretudo na pesca. Já passou a ser o motor da economia formal.

Quais são as implicações disso?

Perdemos competitividade. O País deixa de arrecadar impostos. O dinheiro não arrecadado é muito superior ao nosso déficit fiscal. Não precisaríamos estar debatendo o déficit público, por exemplo, se não houvesse o problema.

O Brasil está a caminho de se tornar o México?

Não, acho que o Brasil ainda tem tempo de reverter a situação. São duas grandes organizações criminosas, o PCC e CV, que já têm características de organizações mafiosas, dominando produção, distribuição e comércio. Dominam toda a cadeia produtiva e apresentam alto risco de contaminação da economia. Na Amazônia, como disse, já têm o controle territorial, sobre a população e as instituições. Já há muita dificuldade de articular um sistema integrado de segurança, com união, estados, municípios e policias. O Brasil está longe de ser o México, mas está longe também de ter um cenário tranquilo. Temos capacidade de reverter esse cenário, mas para fazer isso é preciso unir a dimensão econômica à da segurança pública. Melhorar a nossa capacidade investigativa, punir responsáveis, rastrear dinheiro.

Por que, então, há meses discutimos o déficit público, mas não levamos em conta a questão do crime organizado? Por que isso não está em nossa agenda?

Essa é uma característica comum no Brasil. A sonegação é um problema, a falta de arrecadação é um problema, o crime organizado, outro, o tráfico de drogas… Mas, na verdade, é tudo um problema só, para o qual precisaríamos olhar de forma coordenada ou não conseguiremos vencê-lo. Para enfrentá-lo precisamos também do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), do Banco Central, da Receita Federal, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), da Agencia Nacional de Aviação Civil (Anac), por exemplo, que não são instituições de segurança pública. Mas o BC tá ocupado com os juros, com a política monetária, e assim por diante. Considero esse debate um dos mais importantes par ao futuro do Brasil.

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