As razões por trás da onda de calor recorde no Rio de Janeiro — e em outras partes do Brasil


Os períodos de temperaturas extremamente altas têm se tornado cada vez mais frequentes, e, segundo especialistas, a tendência é que essa situação se agrave A cidade do Rio alcançou nível inédito de calor na última segunda-feira (17)
Cristina Boeckel/g1
Os termômetros marcavam 29°C às 7h desta terça-feira (18/2) no Rio de Janeiro — um indicativo de calor intenso, mas ainda abaixo das temperaturas registradas nos últimos dias.
A capital fluminense já superou os 40°C diversas vezes recentemente, levando a prefeitura a acionar, pela primeira vez, o nível 4 do protocolo municipal de calor extremo, em vigor desde junho de 2024.
Esse nível indica que a cidade enfrenta índices de calor muito elevados, com previsão de persistência ou aumento por pelo menos três dias consecutivos.
Para hoje, a expectativa é que os termômetros cheguem a 42°C, fazendo do Rio a capital mais quente do país.
Inicialmente, a onda de calor atingirá áreas de Mato Grosso do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Paraná, avançando posteriormente para Goiás e Bahia.
“Nos próximos dias, as temperaturas seguem elevadas, mas com menos intensidade em comparação aos últimos dias, pois a massa de ar quente começa a perder força”, explica Guilherme Borges, meteorologista do Climatempo.
“A onda de calor é caracterizada pela permanência da temperatura do ar acima de um determinado limiar — que chamamos de histórico ou climatológico — por mais de três dias”, descreve Renata Libonat, professora do Departamento de Meteorologia e pesquisadora do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
A Organização Meteorológica Mundial indica que esse limiar para considerar uma onda de calor é de cinco graus acima da média histórica para aquele local e determinada época do ano.
O Instituto Nacional de Meteorologia, no Brasil, adota a mesma caracterização, embora existam outras definições que consideram diferentes limiares e não apenas a média.
“Todas essas definições indicam que se trata de um evento extremo, ou seja, um evento de baixa frequência. Não é algo normal para aquele local ou época do ano”, aponta Libonat.
O que causa a onda de calor
Renata Libonat, professora da UFRJ, explica que, para que as ondas de calor surjam, normalmente há um bloqueio atmosférico — um sistema de alta pressão que inibe a formação de nuvens e impede a chegada de ar mais fresco, como o de uma frente fria. Sem nuvens, a radiação solar incide diretamente, intensificando ainda mais o calor.
Isso, durante alguns dias, começa a elevar a temperatura, que é sentida de forma diferente a depender da região ou área.
“Uma onda de calor em uma área rural, vegetada ou em uma região de floresta será menos intensa do que em uma zona urbana. Isso acontece porque o solo tem um papel muito importante no agravamento das ondas de calor.”
Ela também destaca que, além dos sistemas atmosféricos de bloqueio, que atuam como gatilhos para a onda de calor, o tipo de solo e o ambiente ao redor também desempenham um papel significativo, podendo intensificar ainda mais as altas temperaturas.
“Em áreas com mais vegetação, o solo retém mais umidade, o que ajuda a equilibrar a temperatura. Já nas cidades, onde há menos vegetação e mais concreto e asfalto, o solo seca mais rápido e absorve mais calor, fazendo com que a temperatura do ar ao redor fique ainda mais alta, agravando a sensação de calor extremo.”
Ondas de calor são cada vez mais comuns — e devem piorar
Com o planeta em constante aquecimento — com a temperatura média aumentando no contexto das mudanças climáticas induzidas pelo homem —, esses eventos extremos, que antes ocorriam com pouca frequência, passam a ser muito mais comuns.
“Para você ter uma ideia, imagine que, antes do período pré-industrial, quando ainda não havia aquecimento global, um evento extremo de calor ocorresse uma vez a cada 10 anos. Com o aquecimento global chegando a 1,5°C, como estamos vivenciando hoje, essa frequência aumenta: esses eventos agora ocorrem quatro vezes no mesmo período. Se a temperatura média global subir para quatro graus acima do normal, esses eventos ocorrerão 9,4 vezes a cada 10 anos”, alerta Libonat.
Além do aumento da frequência, a especialista aponta que a intensidade dessas ondas de calor também é crescente.
“Com 1,5°C de aquecimento global, há um aumento de quase dois graus na intensidade das ondas de calor extremas. Se o aquecimento global atingir quatro graus Celsius, essas ondas de calor podem ser mais de cinco graus mais intensas do que o normal. Esse é um exemplo de como a mudança climática induz o aumento da frequência, intensidade e persistência das ondas de calor.”
A intensidade, no entanto, não pode ser atribuída apenas à mudança climática.
“Há outros fatores envolvidos, como a alteração do uso e cobertura do solo. A urbanização crescente nas últimas décadas tem um impacto significativo, levando à formação de ilhas de calor urbano. Esse fenômeno ocorre quando a temperatura na zona urbana fica mais elevada em comparação com áreas vizinhas mais arborizadas.”
“A região metropolitana do Rio de Janeiro cresceu muito nas últimas décadas e hoje apresenta uma ilha de calor urbano bastante intensa. Durante eventos de ondas de calor, esse fenômeno exacerba ainda mais as temperaturas, que já estão elevadas.”
Como se proteger do calor
Libonat adverte que os municípios e os serviços de saúde ainda não estçao totalmente adaptado com protocolos para o enfrentamento e mitigação desses eventos.
“No Rio de Janeiro, a Prefeitura finalmente criou, em 2024, protocolos de enfrentamento com orientações, postos de arrefecimento durante eventos de ondas de calor e até a proibição de certos eventos, dependendo do nível de calor. Isso é um passo importante e digno de reconhecimento, mas ainda há muito a ser feito.”
Na avaliação da professora, é fundamental aprimorar os protocolos, capacitando os serviços de saúde para atender a população adequadamente e, principalmente, reconhecendo o calor como um fator determinante de saúde — algo que ainda não acontece de forma ampla.
“Um exemplo disso é que o calor não é considerado nas consultas pré-natais, apesar de já sabermos que, durante eventos de ondas de calor no Rio de Janeiro, ocorre um aumento de 20% nos partos prematuros. Portanto, é urgente avançarmos na implementação e aprimoramento dos protocolos para enfrentar as ondas de calor de maneira mais eficaz.”
A Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro destacou dicas que podem ser seguidas durante os dias de altas temperaturas:
Não esqueça do protetor solar e reaplique de acordo com orientações do fabricante;
Utilize roupas frescas, mas que possam fornecer proteção, como boné, chapéu e óculos de sol;
Evite praticar atividades físicas em horários de pico do calor;
Se possível, permaneça em locais ventilados;
Cuidado com choques térmicos, que podem ser causados pelo frio do ar condicionado e o calor da rua;
Evite o consumo de bebidas alcoólicas, elas podem provocar a desidratação;
Evite passeios com seu pet em períodos mais quentes do dia e disponibilize água fresca para ele;
Hidrate-se com muita água e coma frutas, legumes e verduras em abundância;
O gelo também ajuda na hora de abaixar as temperaturas, principalmente se enrolado em panos e colocado em regiões de dobra, como atrás do pescoço, axilas e virilha;
Não deixe de tomar medicamentos de rotina, o calor pode prejudicar mais quem tem hipertensão, diabetes, insuficiência cardíaca e outras condições médicas preexistentes;
Grupos mais vulneráveis a sofrer com o calor e que devem ter cuidado redobrado incluem crianças, idosos, gestantes, trabalhadores ao ar livre e atletas.
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