Avião que caiu em Piracicaba e deixou 7 mortos carregava excesso de peso e teve redução na rotação de motor, diz relatório do Cenipa


Documenta aponta descuido de pilotos para o risco de acidente. Avião caiu em Piracicaba (SP) na manhã de terça-feira (14)
PAULO RICARDO/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
O avião que caiu em Piracicaba (SP), em 14 de setembro de 2021, deixando sete mortos, carregava excesso de peso e apresentou variação na rotação dos motores, seguido por um descuido dos pilotos para o risco de acidente. É o que aponta o relatório final do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), interpretado por especialistas ouvidos pelo g1.
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Na aeronave estavam o empresário Celso Silveira Mello Filho e sua família, além de piloto e copiloto. Ela decolou do Aeródromo de Piracicaba com destino ao Aeródromo Fazenda Tarumã, em Santa Maria das Barreiras (PA), às 11h35. Após a decolagem, o avião caiu em uma área de vegetação, após apresentar um movimento conhecido na aviação como estol.
“O avião exige velocidade para manter a sustentação e voando. E ele tem uma velocidade mínima onde ele vai perder a sustentação, ele não vai conseguir manter o voo. O estol é a perda de velocidade abaixo do mínimo que ele precisa para manter a sustentação e manter o voo”, explica o perito e especialista em acidentes aéreos Roberto Peterka.
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Excesso de peso
Segundo o relatório, o avião operava com 623 quilos acima do peso máximo. “Foram utilizadas as velocidades e parâmetros de uma decolagem típica, reduzindo-se a potência pouco após o recolhimento do trem. Nesse contexto, não ocorreu a avaliação adequada dos parâmetros de voo, culminando com a condição de estol da aeronave”, aponta trecho da conclusão do documento.
Segundo Peterka, os 623 quilos a mais são relevantes para esse tipo de aeronave.
“Ele [piloto] precisaria de um pouco mais de velocidade para decolar [acima do peso] porque ele estaria exigindo maior esforço das hélices, que é a tração. Primeiro que ele não deveria decolar com excesso de peso. Mas, como ele decolou, o que eles dizem no relatório é que ele precisaria aumentar a velocidade na pista para poder sair. Ou seja, no linguajar da aviação, ele tirou o avião mole. O avião não tinha a sustentação adequada. Vejam que eram 600 e tantos quilos a mais. Para esse avião é relevante, sim”, analisa Peterka.
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Rotação das hélices
A investigação identificou que a hélice esquerda estava operando a uma rotação por minuto (RPM) mais alta em comaração à hélice direita. Em relação a isso, também cita suposta desatenção dos pilotos.
“No voo da ocorrência [do acidente], a tripulação fixou-se no excesso de rotações por minuto (RPM), não tendo notado, em tempo hábil, que a velocidade se reduzia, fato que limitou a possibilidade de se reagir tempestivamente à condição de estol”, diz trecho da conclusão do relatório.
Professor de engenharia aeronáutica da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos, James Waterhouse chama a atenção para um descuido do piloto neste momento, citado pelo relatório.
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Condição de estol ‘não percebida em tempo hábil’
“Eles [pilotos] ouviram uma variação de ruído na hélice e o piloto interpretou como um disparo de hélice. Foi um aumento considerado pelo relatório dentro da faixa normal, ainda não passivo de classificação como realmente disparo. Em função disso, o piloto acabou descuidando da velocidade do avião. Ele descuidou da velocidade, não prestou atenção, ele ficou muito focado na hélice e o avião começou a entrar no fenômeno chamado estol”, explica Waterhouse.
O relatório também comenta a condição de percepção dos pilotos diante da situação. “A condição de estol, provavelmente relacionada à gradual redução de velocidade que se seguiu à redução dos manetes de potência, não foi percebida em tempo hábil para que pudesse ser projetada uma reação. Naquele contexto, houve a percepção exclusivamente da condição de RPM da hélice ligeiramente excessivo”.
Peterka faz uma comparação para explicar esse desequilíbrio. “Um dos motores deu excesso de rotação. E o outro motor estava indo para o passo bandeira, que é quando ele não tem tração, que é o impulso. […] Quando você tem dois motores, imagina dois remadores. Um remador da esquerda rema, rema, rema e o da direita não rema. O que vai acontecer? O remador da esquerda vai fazer com que o barquinho vire para a direita. E foi o que aconteceu: o passo da hélice bandeira deixou de ter tração e o outro motor teve excesso de velocidade. Ele [avião] girou. […] Se inclina muito, perde toda a sustentação e vem para o chão”.

Arte G1
Recomendação de reciclagem de pilotos
Segundo o Cenipa, o relatório é voltado a prevenir outros acidentes futuros. Na conclusão, foi recomendado à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) a viabilidade de criar um mecanismo para que pilotos do modelo de aeronave passem por reciclagem, uma vez que houve mudanças em normatizações sobre esse avião.
Quem são as vítimas
No avião estavam o empresário Celso Silveira Mello Filho e sua família, além de piloto e copiloto. O caso será investigado pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), da Força Aérea Brasileira (FAB).
Veja quem são as vítimas:
Celso Silveira Mello Filho, 73 anos
Maria Luiza Meneghel, 71 anos
Celso Meneghel Silveira Mello, 46 anos
Camila Meneghel Silveira Mello Zanforlin, 48 anos
Fernando Meneghel Silveira Mello, 46 anos
Piloto: Celso Elias Carloni, 39 anos
Copiloto: Giovanni Dedini Gullo, 24 anos
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Reprodução/ TV Globo
Entenda o que ocorreu ponto a ponto
O empresário Celso Silveira Mello Filho, sua esposa, três filhos, piloto e copiloto partiram pouco antes das 9h do Aeroporto de Piracicaba. A viagem teria como destino o Pará, para uma fazenda da família, onde passariam uma semana.
O avião caiu 15 segundos após a decolagem, em uma área de mata próxima à Faculdade de Tecnologia (Fatec) da cidade.
O Corpo de Bombeiros foi acionado e no local encontrou as sete vítimas já mortas, carbonizadas.
O Cenipa e a Polícia Civil foram acionados para realizar as investigações sobre a causa do acidente.
No local, equipes localizaram a caixa preta do avião, onde o histórico de voo é armazenado, que será analisada.
Destroços do avião também foram recolhidos para a apuração do Cenipa.
De acordo com a FAB, a documentação e manutenção da aeronave estavam em dia. O avião foi fabricado em 2019 e é considerado de alta versatilidade por especialista.
A última manutenção foi realizada em 23 de agosto. O retorno da oficina ocorreu na segunda-feira (13).
Quase seis horas após o acidente, os destroços começaram a ser retirados do local.
Os corpos passaram por exame no Instituto Médico Legal (IML) e a família será velada nesta quarta-feira (15), a partir das 9h.
Veja reportagem completa sobre o acidente e as investigações no Jornal da EPTV 2ª Edição
O que falta saber
A causa do acidente ainda não foi esclarecida. A Polícia Civil e o Cenipa não divulgaram detalhes sobre o início das investigações, apenas que foram realizadas perícias, coletas de imagens e informações e que serão ouvidas testemunhas.
Ainda não foi esclarecido porque a aeronave caiu apesar de ser considerada nova por especialista (foi fabricada em 2019), ter passado por manutenção recente e estar com a documentação em ordem.
Falta esclarecer, também, o movimento de curva que a aeronave fez logo após decolar e foi destacado pela maioria das testemunhas e flagrado por câmeras de segurança. Autoridades não souberam informar se o piloto tentava retornar ao aeroporto.
Também não há explicações oficiais para o fato da queda ter ocorrido 15 segundos após a decolagem, abastecida e revisada dias antes.
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