O eclipse lunar na visão das antigas civilizações

Estamos nos aproximando do evento astronômico mais aguardado do ano: no próximo dia 14 de março, a Lua mergulhará na sombra da Terra, dando origem a um fascinante espetáculo celeste – um Eclipse Lunar Total. Para nós, uma exibição astronômica de encher os olhos e extasiar a alma. Mas, e se estivéssemos em outra época, sob o céu de uma civilização antiga? Para nossos ancestrais, esse mesmo evento poderia ser um presságio sombrio, um sinal de ira divina ou até mesmo uma batalha cósmica. Então, que tal embarcar em uma viagem no tempo para descobrir como diferentes culturas enxergavam esse enigmático “apagão” da Lua?

A humanidade iniciou sua jornada sobre este planeta sem nenhum tipo de conhecimento prévio, sem nenhum manual e nenhum “irmão mais velho” que pudesse orientar nossos primeiros passos e explicar os mistérios da Terra e do céu. Todo conhecimento que acumulamos ao longo de milhares de anos, partiu do nada e foi construído pouco a pouco, baseado em nossas observações e naquilo que conseguíamos transmitir de geração em geração. Sem o conhecimento astronômico que temos hoje, fenômenos celestes eram geralmente vistos como manifestações divinas, sinais diretos dos deuses.

Assim como o Sol e a Lua, em várias culturas, eram vistos como divindades, os eclipses lunares eram frequentemente entendidos como uma mudança de humor destes deuses. E todo mundo sabe que um deus irritado pode não ser muito agradável! Por isso, nossos antepassados temiam os eclipses, imaginando que poderiam ser o prenúncio de alguma catástrofe iminente. Para uns, o fim do mundo estava próximo. Para outros, era preciso agir rápido para salvar a Lua dos monstros que a devoravam.

Eclipse lunar total de 31 de janeiro de 2018, registrado em Chiricahua Mountains, Arizona. Crédito: Fred Espenak (MrEclipse.com)

Na antiga Mesopotâmia, os eclipses lunares eram considerados maus presságios, especialmente para o rei. Os astrônomos babilônicos, que já possuíam grande conhecimento sobre os ciclos celestes, registravam cuidadosamente os eclipses e os interpretavam como sinais de um perigo iminente. Para proteger o rei das possíveis tragédias anunciadas pelo eclipse, um ritual curioso era realizado: o ritual do rei substituto. 

Neste ritual, o rei abdicava de seu trono e se escondia por um período de até 100 dias. Durante esse tempo, um rei substituto era escolhido, geralmente um prisioneiro, um adversário político, ou algum súdito muito devoto. Embora não tivesse muito poder, o rei substituto desfrutava das mordomias da côrte, das riquezas e do prestígio real. Enquanto isso, o rei afastado era submetido a exorcismos para se livrar de toda a má sorte, ou melhor, transferir a má sorte para aquele que estava em seu lugar. Então, quando enfim acreditava que estava fora de perigo, o verdadeiro rei retomava o trono e o substituto, bem… era sacrificado. 

É… os antigos babilônios eram mesmo criativos e, talvez, um pouco drásticos, não acham?

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Na China, a explicação para os eclipses lunares era igualmente criativa. Acreditava-se que um dragão celestial devorava a Lua durante o eclipse, fazendo-a desaparecer pouco a pouco no céu noturno. Eles também acreditavam que aquilo seria sinal de má sorte para o império e, principalmente, para o imperador. Então, para espantar o monstro e trazer a Lua de volta, as pessoas batiam tambores, faziam barulho e lançavam flechas em direção ao céu – uma demonstração de coragem e união contra a ameaça cósmica. Um ritual bem mais saudável que o dos babilônios… desde que ninguém fosse atingido por uma flecha perdida!

Arqueiro chinês atirando flechas no dragão que estaria causando um eclipse – Autor desconhecido, fonte: “The New Year Painting of Zhang Xian”

Os maias, que habitaram a América Central, eram conhecidos por seus avançados conhecimentos astronômicos, mas também temiam os eclipses lunares. Para eles, um jaguar celestial atacava ferozmente a Lua, ferindo-a e tingindo-a de sangue. Mulheres grávidas eram protegidas durante o eclipse, pois acreditava-se que o evento poderia causar malformações nos bebês. Apesar do medo, os maias desenvolveram um calendário lunar tão preciso que lhes permitia prever a ocorrência de eclipses – e, para alguns, até mesmo o fim do mundo!

Já os incas não tinham a capacidade de prever eclipses, mas também acreditavam que a Lua estava sendo atacada por um jaguar cósmico. A Lua, chamada de Mama Quilla, era uma deusa protetora, venerada pelas mulheres, e esposa do Sol. E para salvar a Mama Quilla daquele ataque voraz, os incas recorriam a uma técnica, um tanto rudimentar: eles atiçavam os cachorros, batiam tambores e faziam uma imensa algazarra pelas ruas, na tentativa de espantar o felino cósmico, antes que ele resolvesse descer até a Terra para comer todo mundo.

Povo inca tentando espantar o “jaguar que devora a Lua” durante um eclipse lunar. Créditos: Leonard de Selva

Os vikings, povo nórdico famoso por suas lendas e mitos, acreditavam que os eclipses lunares eram causados pelos lobos Sköll e Hati, que perseguiam o Sol e a Lua pelo céu. Quando um deles finalmente alcançava sua presa, a Lua desaparecia no céu. Assim como os chineses e os incas, os bravos vikings se esforçavam para espantar o algoz lunar com gritaria, estrondos e o soar de suas armas, numa tentativa de salvar o astro do ataque.

Com o tempo, a observação cuidadosa do céu e o desenvolvimento do pensamento científico levaram a uma compreensão mais precisa dos eclipses. Os gregos começaram a entender a natureza do fenômeno, percebendo que a Terra se interpunha entre o Sol e a Lua, projetando sua sombra sobre a Lua e causando o eclipse. Com base nessa compreensão, Aristarco de Samos calculou o tamanho e a distância da Lua a partir da observação dos eclipses lunares, demonstrando como a astronomia podia revelar os segredos do cosmos.

Hoje, com os avanços da astronomia, sabemos que os eclipses lunares são eventos perfeitamente previsíveis, calculados com precisão de segundos. Graças à ciência, não precisamos mais temer a ira dos deuses e podemos simplesmente admirar o esplendor de um eclipse, sem imaginar que a Lua está sendo devorada por lobos, dragões ou jaguares. Mas, mesmo com todo o nosso conhecimento científico, os eclipses lunares ainda nos fascinam, nos conectando com a beleza e o mistério do universo.

Na madrugada de 14 de março de 2025, teremos a oportunidade de apreciar um eclipse Total da Lua. Um evento raro e espetacular, que nos convida a olhar para o céu com o mesmo fascínio dos nossos ancestrais, e festejar, não para espantar o jaguar, mas para celebrar o conhecimento astronômico acumulado por inúmeras gerações. Então, não percam essa oportunidade! Porque o próximo eclipse total da Lua visível do Brasil só acontecerá em 2029.

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