E se meu cachorro, o Bolota, falasse?

Era uma manhã comum na minha vida pacata até que o Bolota – meu cachorro vira-lata com cara de quem já viveu três encarnações – resolveu abrir a boca. Não pra latir ou mastigar o tênis que ele rouba toda semana, mas pra falar. Sim, falar, com voz de locutor de rádio FM, grave e cheia de autoridade.

“Ô, humano, tá na hora de trocar essa ração de marca genérica por algo decente. Meu estômago merece respeito!”, disse ele, sentado no sofá como se fosse dono da casa – o que, pensando bem, ele meio que é.

Eu congelei, o café escorrendo da xícara enquanto eu tentava processar aquilo. “Bolota, você… fala?”, gaguejei, sentindo que minha sanidade estava em xeque.

“Claro que falo! Sempre falei, mas você nunca escutou porque tava muito ocupado vendo vídeo de gato no celular. Aliás, gatos… que povinho arrogante, né? Se acham os reis do pedaço só porque sabem ronronar”, respondeu ele, revirando os olhos peludos.

A partir daí, minha vida virou um sitcom canino. Bolota começou a opinar sobre tudo. Sobre o jantar: “Frango de novo? Cadê a criatividade, cara? Eu vi um programa na TV falando de filé mignon, me dá um desse aí!”. Sobre minhas roupas: “Essa camiseta tá mais furada que minha dignidade depois daquele banho forçado. Vamos dar um up no visual, hein?”. E até sobre minha vida amorosa: “Sabe aquela moça do parque? Ela te deu mole, mas você ficou aí coçando a orelha como eu quando tenho pulga. Acorda, campeão!”.

O pior – ou melhor, dependendo do ponto de vista – foi quando ele decidiu virar meu conselheiro financeiro. “Você gasta 50 reais pra cortar esse cabelo ralo e me leva num pet shop que cobra 20 por um banho meia-boca? Prioridades, amigo, prioridades!”. Eu tentei argumentar que cabelo humano é mais caro, mas ele me cortou: “Humano, cachorro, no fim todo mundo fica careca. Investe em mim que eu te faço famoso no TikTok latindo em três idiomas!”.

Teve um dia que ele resolveu negociar com o carteiro. O pobre coitado chegou com uma encomenda, e Bolota, do alto da janela, gritou: “Deixa aí no portão e vaza, seu cheiro de salame me dá fome!”. O carteiro largou o pacote e saiu correndo, provavelmente achando que tinha entrado num episódio de Além da Imaginação.

Mas o ápice foi na visita da minha mãe. Ela, que sempre mimou o Bolota com biscoitos, ouviu ele soltar um: “Dona Márcia, sem querer ofender, mas esses biscoitos tão mais duros que minha vida nas ruas. Que tal um petisco gourmet da próxima vez?”. Minha mãe riu tanto que quase derrubou o chá, e eu juro que vi o Bolota piscar pra mim, tipo “te ajudei a quebrar o gelo, de nada”.

No fim, viver com um cachorro falante é um caos hilário. Ele me critica, me zoa, mas também me faz rir como ninguém. Ontem, enquanto eu escrevia isso, ele veio com mais uma: “Tá escrevendo sobre mim? Boa, mas capricha aí, que eu sou o verdadeiro protagonista dessa casa!”.

E sabe de uma coisa? Ele tá certo. Bolota pode ser um resmungão de quatro patas, mas é o melhor parceiro que eu poderia ter – com ou sem voz de locutor.

  • Elias da Anunciação é observador do cotidiano

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