Entenda o que acontece com o corpo humano depois de 9 meses no espaço


Sem a força gravitacional da Terra, o corpo humano passa por mudanças significativas, como perda de densidade óssea e atrofia muscular. Depois de uma missão que deveria durar apenas oito dias, mas se estendeu por surpreendentes nove meses, os astronautas Suni Williams e Butch Wilmore finalmente iniciaram sua jornada de volta à Terra.
A dupla passou 287 dias na Estação Espacial Internacional (ISS) devido a problemas técnicos na cápsula Starliner, da Boeing, que seria responsável pelo retorno em junho de 2024.
A solução encontrada foi embarcar na cápsula Dragon Freedom, da SpaceX, que desacoplou da ISS na madrugada desta terça-feira (18). O retorno dos astronautas deve durar aproximadamente 17 horas, com a “amerissagem” prevista para às 18h57 desta terça na costa da Flórida.
Mas o que realmente acontece com o corpo humano após tantos meses no ambiente espacial? Quais desafios físicos e mentais esses astronautas enfrentarão ao retornar para a gravidade terrestre?
Entenda mais abaixo essas transformações que o corpo sofre e como será o processo de readaptação.
Os efeitos da microgravidade
Sem a força gravitacional da Terra, o corpo humano passa por mudanças significativas. Uma das alterações mais evidentes ocorre nos nossos ossos e músculos.
Em um ambiente de microgravidade (uma gravidade muito fraca, onde pessoas e objetos parecem flutuar, como no espaço), os ossos perdem cerca de 1,5% de sua densidade a cada mês, ou seja, ficam mais frágeis e suscetíveis a fraturas.
Isso acontece porque, sem o peso constante do corpo pressionando contra o solo, o organismo “entende” que não precisa manter estruturas ósseas tão resistentes.
“É como se o corpo dissesse: ‘Por que manter toda essa estrutura se não estou usando?'”, explica a Nasa.
Fora isso, os músculos também sofrem uma deterioração acelerada no espaço. Sem o esforço constante contra a gravidade, eles tendem a atrofiar rapidamente.
Justamente por causa disso, os astronautas seguem rotinas rigorosas de exercícios durante toda missão, com treinamentos aeróbicos e de resistência para minimizar essas perdas.
Segundo a NASA, os astronautas devem se exercitar por aproximadamente 2,5 horas por dia quando estão no espaço para reduzir os efeitos da gravidade zero em seus ossos e músculos.
Para isso, a agência desenvolveu máquinas especializadas para que os astronautas façam seus treinos diários. Um dos exercícios tradicionais é corrida em esteira — cerca de uma hora do regime de exercícios é gasta no equipamento.
Mas além da esteira, os astronautas também têm à disposição um sistema de levantamento de peso e uma máquina de ciclismo.
O que acontece com o corpo no espaço?
Arte/g1
Outro fenômeno curioso no espaço é a redistribuição dos fluidos corporais. Na Terra, a gravidade mantém os líquidos do corpo predominantemente na parte inferior. No espaço, contudo, essa distribuição muda drasticamente.
Os fluidos se deslocam para a parte superior do corpo, causando o que os astronautas chamam de “moon face” – rostos inchados e mais arredondados. E essa mudança também pressiona os olhos, podendo causar alterações na visão que, em alguns casos, persistem mesmo após o retorno.
“Não tenho nenhum sintoma de nada que possa apontar definitivamente como causado por essa quantidade de tempo no espaço, mas tenho algumas mudanças estruturais e fisiológicas em meus olhos — embora não afetem minha visão”, afirmou o astronauta Scott Kelly em entrevista à BBC.
Entre 2015 e 2016, Kelly ficou um ano no espaço, enquanto o seu irmão gêmeo Mark Kelly ficou na Terra.
O astronauta da Nasa Steve Swanson é visto correndo preso por elásticos na esteira da estação.
NASA
Desafios invisíveis
Mas não são apenas os ossos e músculos que sofrem transformações. O nosso sistema imunológico também é afetado durante longas estadias espaciais.
O estresse do ambiente confinado, a exposição à radiação e as alterações nos ritmos corporais podem enfraquecer as defesas naturais do organismo, tornando os astronautas mais vulneráveis a infecções e reativações de vírus latentes.
Por isso, nesses casos, a radiação espacial também representa um desafio importante. Sem a proteção do campo magnético terrestre, os astronautas ficam expostos a níveis elevados de radiação cósmica, o que aumenta os riscos a longo prazo de desenvolverem câncer e doenças degenerativas.
Aliado a isso, o sono também é frequentemente comprometido. A ausência do ciclo natural de dia e noite, combinada com o espaço limitado e os ruídos constantes dos equipamentos da estação, dificulta um descanso adequado.
Por causa disso, muitos astronautas dependem de medicamentos para conseguir dormir bem durante as missões.
“As viagens espaciais expõem as pessoas a um ambiente bastante diferente, apresentando uma série de desafios fisiológicos e psicológicos, especialmente com exposição prolongada” explica Afshin Beheshti, diretor do Centro de Biomedicina Espacial da Universidade de Pittsburgh, em entrevista à agência Reuters.
Como é a volta à Terra
Arte/g1
Reaprendendo a viver com a gravidade
Não bastasse todos esses desafios em órbita, para Williams e Wilmore, os primeiros dias aqui na Terra também serão particularmente desafiadores. Após nove meses em microgravidade, seus corpos precisarão reaprender a funcionar sob a influência da gravidade terrestre.
Nos momentos iniciais após o pouso, os astronautas geralmente precisam de apoio físico para se manterem em pé.
Isso acontece porque o nosso corpo, acostumado com a ausência de gravidade, perde temporariamente a capacidade de coordenar movimentos e manter o equilíbrio. A tontura e o enjoo são sintomas comuns nessa fase inicial.
De modo geral, a recuperação física completa segue um cronograma rigoroso de aproximadamente 45 dias, com exercícios diários específicos para recuperar força e resistência.
O astronauta da Nasa Frank Rubio é visto sendo carregado após voltar à Terra em 27 de setembro de 2023, depois de 371 dias no espaço – a missão mais longa de um norte-americano.
NASA/Bill Ingalls
Durante esse período, uma equipe médica especializada monitora constantemente o progresso e ajusta os protocolos conforme necessário.
“É como aprender a andar novamente”, comentou Kelly após sua missão no espaço. “Seu cérebro sabe o que fazer, mas seu corpo simplesmente não responde como você espera.”
Um dado preocupante, porém, é que cerca de 92% dos astronautas sofrem algum tipo de lesão após o retorno à Terra, sendo que metade delas ocorre no primeiro ano.
As mais comuns são: distensões e torções musculares (59%), lesões em tendões (20%), fraturas (16%) e problemas relacionados à baixa densidade óssea (5%).
Entenda como será o retorno dos astronautas ‘presos’
Ao todo, Suni Williams e Butch Wilmore, passaram 287 dias na ISS devido a problemas técnicos na cápsula Starliner.
Com o retorno adiado indefinidamente, a solução foi embarcar na cápsula Dragon Freedom, da SpaceX.
A bordo também estão os astronautas Nick Hague e o cosmonauta russo Aleksandr Gorbunov, que fazem parte missão Crew-9.
O trajeto inclui várias fases críticas: o desacoplamento da estação, uma série de manobras orbitais para posicionar a cápsula corretamente, a queima de reentrada que desacelera a cápsula, e finalmente a descida controlada até o oceano usando paraquedas:
Os astronautas da Crew-9 posam na Estação Espacial Internacional. À esquerda, Butch Wilmore e Suni Williams, que estão há nove meses no espaço. Com eles, Nick Hague e o cosmonauta Aleksandr Gorbunov.
Nasa
Após a amerissagem, equipes de recuperação estarão prontas para resgatar os astronautas e a cápsula, finalizando assim a missão que manteve Wilmore e Williams no espaço por muito além do tempo inicialmente previsto.
No domingo (16), após avaliar as condições meteorológicas na costa da Flórida, onde a cápsula deve pousar, equipes da agência espacial e da SpaceX decidiram antecipar o retorno da tripulação.
“As previsões indicam condições favoráveis para terça-feira à noite, oferecendo uma janela de oportunidade antes da chegada de condições climáticas menos favoráveis previstas para o final da semana”, informou a agência.
O local exato da amerissagem, contudo, será confirmado mais próximo do horário de retorno.
A Crew-9 voltaria à Terra na quarta-feira (19), mas a agência decidiu antecipar a operação em um dia para facilitar a troca de tripulação na Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês) e evitar o mau tempo esperado para a semana.
Em junho do ano passado, Williams e Wilmore chegaram na estação a bordo da cápsula Starliner, da Boeing, para uma estadia de apenas oito dias, mas falhas técnicas impediram a cápsula de trazê-los de volta.
À época, como medida de segurança, a Nasa optou por retornar o veículo espacial à Terra vazio, deixando-os sem transporte.
Agora, com a Endurance acoplada à ISS, Williams e Wilmore puderam finalmente embarcar na cápsula Dragon Freedom e iniciar a viagem de volta ao nosso planeta.
A cápsula Dragon Freedom, da SpaceX, se aproxima da Estação Espacial Internacional com o astronauta da Nasa Nick Hague e o cosmonauta da Roscosmos Aleksandr Gorbunov.
Nasa
A Freedom é o veículo que está trazendo de volta os quatro membros da Crew-9, incluindo os astronautas da Starliner.
O veículo espacial estava acoplado à ISS desde o final de setembro, quando chegou com a missão Crew-9, que decolou com dois assentos vazios reservados especificamente para o retorno dos dois astronautas.
No domingo, como parte da missão Crew-10, a cápsula Dragon Endurance, também da SpaceX, chegou à ISS após uma viagem de aproximadamente 29 horas.
A missão é comandada pela astronauta norte-americana Anne McClain, com Nichole Ayers como piloto, além do japonês Takuya Onishi e do cosmonauta russo Kirill Peskov como especialistas. Eles substituiram a atual tripulação da Crew-9.
Este período de sobreposição é padrão nas operações da estação espacial, garantindo uma transição suave das responsabilidades entre as equipes.
Inicialmente, a SpaceX planejava construir uma nova cápsula Dragon para a missão Crew-10, com lançamento previsto para fevereiro.
Contudo, atrasos na fabricação, possivelmente combinados com pressão política – evidenciada em publicações do presidente Donald Trump e do CEO da SpaceX, Elon Musk, sobre os astronautas “presos” no espaço – levaram a Nasa a reatribuir a missão para uma Dragon que pudesse estar pronta para voar mais cedo.
A saga da dupla
A cápsula Starliner da Boeing é vista acoplando à Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês).
Nasa
Os astronautas deveriam ter retornado em junho de 2024 na cápsula Starliner da Boeing, após uma missão de demonstração prevista para mais ou menos uma semana.
Contudo, devido a dificuldades para acoplar à lSS, a Nasa decidiu retornar a cápsula vazia e reposicionar os astronautas para uma missão com a SpaceX neste ano.
Mas a SpaceX também enfrentou atrasos. O lançamento da nova cápsula que viabilizaria o retorno de Butch e Suni, preparada para substituir a anterior, teve que ser adiado devido a ajustes técnicos, o que prolongou ainda mais a missão dos dois.
Com isso, devido a esses atrasos na produção da cápsula da SpaceX, a equipe de gerenciamento da missão decidiu usar uma cápsula Dragon Endurance, utilizada previamente em diversas missões à ISS.
Histórico do problema
Cápsula Dragon Endurance, da SpaceX, chega à Estação Espacial Internacional
Butch Wilmore e Suni Williams decolaram no início de junho de 2024 a bordo da Starliner e, desde então, estavam na ISS.
A cápsula deveria trazê-los de volta à Terra oito dias depois, mas problemas detectados em seu sistema de propulsão levaram a Nasa a questionar sua confiabilidade.
A principal preocupação era que a Starliner não conseguisse alcançar o impulso necessário para sair da órbita e iniciar sua descida à Terra.
Com isso, uma missão regular da SpaceX, chamada Crew-9, decolou no final de setembro, mas com apenas dois astronautas a bordo, em vez de quatro.
A decisão da volta pela SpaceX foi tomada pela Nasa e discutida com a Boeing. A escolha da agência pela SpaceX para trazer os astronautas de volta é uma das mais importantes nos últimos anos.
Há dez anos, a Nasa encomendou uma nova cápsula à Boeing e outra à SpaceX para transportar seus astronautas até à ISS. Com dois veículos disponíveis, haveria uma solução viável em caso de problemas em um deles, mas a empresa do magnata Elon Musk prevaleceu sobre a Boeing.
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