O nazista que matou paraenses

Uma presença protetora e estimulante.

Assim pode ser descrita a participação de Paul Albuquerque no trabalho de pesquisa sobre os antigos construtores do Pará, realizado pelo Grupo de Memória da Engenharia, integrado à Faculdade de Engenharia Civil, da UFPa, e, dirigido por mim, durante mais de uma década.

 Paul faleceu já há alguns anos.

Mas, até o fim de sua vida, esteve ligado à Faculdade de Arquitetura da UFPa, onde fora docente antes de se aposentar.

Deste modo, ele se manteve nas vizinhanças da Faculdade de Engenharia Civil, tanto dentro da organograma acadêmico da UFPA, como dentro do espaço físico do campus central da instituição, em Belém, onde as duas faculdades funcionam.

Não foi, porém, estas proximidades que o tornaram uma fonte de informações preciosa para quem se dispusesse a estudar a saga dos construtores do Pará.

Paul tinha razões pessoais, existenciais: era filho de um dos fundadores da Escola de Engenharia do Pará, a EEP.

A faculdade que, surgida em 1931, vinte e seis anos antes da implantação da UFPA, se tornou o embrião do atual Instituto de Tecnologia daquela instituição, um colossal centro de pesquisa e ensino, onde se abrigam, hoje, uma dezena de faculdades, cada uma num ramo diferente da Engenharia.

 O pai de Paul, Manoel Leônidas de Albuquerque – engenheiro civil formado nos Estados Unidos e empresário -, lecionou na primeira fase, a mais difícil da História da EEP.

Lá, ele se dedicou também a gerir os parcos recursos da escola, tendo, às vezes, de investir dinheiro de suas próprias empresas, ciente de que não o recuperaria mais.

Um dia, Paul, inesperadamente, levou para o Grupo de Memória o desafio de ampliar informações sobre um episódio da Segunda Guerra Mundial que estavam registradas numa página extraída por ele de uma velha obra publicada pelo Serviço de Documentação da Marinha, sob o título de “História Naval Brasileira”.

As informações para as quais buscava atenção estavam concentradas num texto assinado por dois autores desconhecidos, Arthur da Gama e Hélio Martins.

Eram relacionadas a um navio paraense afundado pelos nazistas, o “Antonico”.  

E continham uma revelação sensacional: o navio pertencera a Manoel de Albuquerque, pai de Paul.

 Assim, através deste colaborador generoso, a pesquisa sobre os construtores do Estado teve de incorporar mais um evento da chamada Grande Guerra.

Pois, anteriormente, outro episódio fora pesquisado pelo Grupo de Memória por também envolver um construtor de Belém.

Ocorrido antes daquele trazido por Paul, quando inocentes imigrantes alemães foram perseguidos, no clima de histeria e indignação instalado em nosso país em consequência exatamente dos ataques a navios brasileiros, como o sofrido pelo “Antonico”.

Naquele clima, Oswald Masller, um construtor que vivia em Belém, foi preso e encaminhado para o campo de concentração de Tomé-Açu.

Ali ficou confinado durante quatro anos, embora nenhuma responsabilidade tivesse pelas ações dos nazistas.

A este pobre imigrante, Belém deve a construção do belo prédio da Associação Comercial do Pará, numa esquina da Avenida Presidente Vargas.

 O “Antonico”, na verdade, fez parte de uma lista de dezenas de embarcações brasileiras destruídas pelos nazistas.

Navio de 1.243 toneladas brutas, ele era comandado por Américo Moura Neves, um capitão de Longo Curso.

Inicialmente, navegara a serviço do governo da França, com o nome de Tourneur, após sua fabricação num estaleiro daquele país, localizado em Saint-Nazaire.

Depois, foi comprado por armadores ingleses e passou a se chamar Ashbay.

Quando já viajava havia quinze anos, foi adquirido por Manoel de Albuquerque.

O pai de Paul, por sua vez, utilizou o “Antonico” em seus negócios por sete anos.

 O afundamento dele aconteceu às 9 horas de uma noite.

Era 22 de setembro de 1942.

O navio se encontrava no litoral da Guiana Francesa.

Ali, foi atingido por tiros de canhões do submarino alemão U-516, que, sorrateiramente se aproximou.

No comando do submarino estava o tenente Gerhard Wiebe.

 Os quarenta tripulantes do “Antonico” não puderam revidar, pois, o navio servia apenas para transporte de mercadorias, e não dispunha de qualquer armamento.

Logo afundou.

Num primeiro momento, os tripulantes acharam que iam escapar vivos, nos botes salva-vidas, do navio.

No entanto, o tenente Wiebe foi avisado.

E ele tomou a decisão cujos desdobramentos teria de enfrentar, mais tarde, quando o conflito militar já havia acabado com a derrota dos nazistas.

 Wiebe ordenou que seus soldados metralhassem os indefesos tripulantes do “Antonico”.

 Dezesseis morreram, espalhados pelos botes.

Inclusive o comandante do navio.

 Aquela ordem, para o Brasil, foi um crime de guerra.

E assim devia ser considerada pelos tribunais internacionais responsáveis pelo julgamento dos nazistas.

Wiebe era, então, um prisioneiro das tropas aliadas.

*Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista

Translation

The Nazi Who Killed People from Pará

A protective and inspiring presence.

That’s how Paul Albuquerque’s participation in the research on the ancient builders of Pará can be described, a project conducted by the Engineering Memory Group, part of the Faculty of Civil Engineering at UFPA, under my direction for over a decade.

Paul passed away several years ago.

But until the end of his life, he remained connected to UFPA’s Faculty of Architecture, where he had taught before retiring.

Thus, he stayed close to the Faculty of Civil Engineering, both within UFPA’s academic structure and physically on the main campus in Belém, where the two faculties are located.

However, it wasn’t this proximity that made him a valuable source of information for those willing to study the saga of Pará’s builders.

Paul had personal, existential reasons: he was the son of one of the founders of the Pará Engineering School, EEP.

The school, established in 1931—twenty-six years before UFPA was created—became the embryo of the institution’s current Institute of Technology, a massive research and teaching center that today houses a dozen engineering faculties, each specializing in a different field.

Paul’s father, Manoel Leônidas de Albuquerque—a civil engineer trained in the United States and a businessman—taught during the earliest, most challenging phase of EEP’s history.

There, he also dedicated himself to managing the school’s scarce resources, sometimes investing money from his own companies, fully aware he would never recover it.

One day, Paul unexpectedly brought to the Memory Group the challenge of expanding information about an episode from World War II, documented in a page he had extracted from an old publication by the Navy Documentation Service titled “Brazilian Naval History.”

The information he sought to highlight was concentrated in a text signed by two unknown authors, Arthur da Gama and Hélio Martins.

It concerned a Pará ship sunk by the Nazis, the “Antonico.”

And it contained a sensational revelation: the ship had belonged to Manoel de Albuquerque, Paul’s father.

Thus, through this generous collaborator, the research on the state’s builders had to incorporate yet another event from the so-called Great War.

Previously, the Memory Group had researched another episode involving a Belém builder.

That incident, which occurred before the one Paul brought up, unfolded amid the hysteria and outrage that swept Brazil due to attacks on Brazilian ships—like the one suffered by the “Antonico.”

In that climate, Oswald Masller, a builder living in Belém, was arrested and sent to the Tomé-Açu concentration camp.

He remained confined there for four years, despite having no responsibility for the Nazis’ actions.

To this unfortunate immigrant, Belém owes the construction of the beautiful Commercial Association of Pará building, located at a corner of Presidente Vargas Avenue.

The “Antonico,” in fact, was part of a list of dozens of Brazilian vessels destroyed by the Nazis.

A ship of 1,243 gross tons, it was commanded by Américo Moura Neves, a long-haul captain.

Initially, it had sailed under the French government as Tourneur, built in a shipyard in Saint-Nazaire, France.

Later, it was purchased by English shipowners and renamed Ashbay.

After fifteen years of service, it was acquired by Manoel de Albuquerque.

Paul’s father, in turn, used the “Antonico” in his business for seven years.

Its sinking occurred at 9 p.m.

It was September 22, 1942.

The ship was off the coast of French Guiana.

There, it was hit by cannon fire from the German submarine U-516, which had stealthily approached.

In command of the submarine was Lieutenant Gerhard Wiebe.

The forty crew members of the “Antonico” could not fight back, as the ship was solely used for transporting goods and had no weaponry.

It soon sank.

At first, the crew thought they would escape alive in the ship’s lifeboats.

However, Lieutenant Wiebe was informed.

And he made a decision whose consequences he would later face, after the military conflict had ended with the defeat of the Nazis.

Wiebe ordered his soldiers to machine-gun the defenseless crew of the “Antonico.”

Sixteen died, scattered across the lifeboats.

Including the ship’s commander.

That order, for Brazil, was a war crime.

And it should have been regarded as such by the international tribunals responsible for judging the Nazis.

Wiebe was, by then, a prisoner of the Allied forces.

*Oswaldo Coimbra is a writer and journalist

(Illustration: Lieutenant Gerhard Wiebe)

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