Caso Vitória: mulheres relatam risco e medo de andar à noite sozinhas

Adolescente foi morta quando voltava à noite do trabalho para casa, na Grande São Paulo. Caso reacende discussão sobre a insegurança que as mulheres enfrentam nas cidades brasileiras. A sensação de insegurança de mulheres que precisam andar sozinhas à noite.
Você já sentiu o coração acelerar enquanto andava a pé pela rua? Ou já teve que apertar o passo porque sentiu medo? Esse medo é real e faz parte da rotina de muitas mulheres no Brasil.
O caso da jovem Vitória – que morreu no caminho entre o trabalho e a casa dela, em Cajamar, na Grande São Paulo – reacendeu essa discussão sobre a insegurança que as mulheres enfrentam nas cidades brasileiras.
Para elas e para tantas brasileiras, a volta pra casa é uma corrida contra a sensação de insegurança. Quanto mais tempo no rua, maior é o perigo.
“Se eu puder, eu evito esse caminho,” diz uma mulher de Guarulhos. “A sensação do escuro, do vazio e de você ter medo de, a qualquer momento, alguém vir te abordar, te assaltar, te botar dentro de um carro,” afirma Flávia.
Muitas mulheres passaram a compartilhar esse temor depois da morte de Vitória Regina de Souza, de 17 anos, em fevereiro, na Grande São Paulo.
“Vocês viram a escuridão da estrada de terra por onde ela tinha que passar?” comenta uma mulher nas redes sociais. “Nunca teria coragem de passar pelo caminho que essa menina passou,” diz outra. “Um stalker tava lá de olho na menina 24 horas. E olha o que aconteceu pelo simples fato de ela estar sozinha, saindo do trabalho, indo embora pra casa pegar a condução dela” diz Flávia Souza, de Guarulhos.
Narriman Caetano tem 23 anos. Todas as noites, ela percorre sete quilômetros e meio, pega dois ônibus e caminha por cerca de 20 minutos. “O caminho é tipo, como posso te dizer, não tem pessoas circulando. É bem solitário, bem perigoso,” diz Narriman.
Camila tem 38 anos. Trabalha há três anos como vendedora. Pega duas conduções. Depois de viajar por uma hora e meia, caminha mais 20 minutos. “Se a gente perder ele, eu pego bem mais tarde. E vou chegar quase uma hora. Então, tenho que correr,” diz Camila.
“Os meus medos é de ser roubada, perseguição, moto” , continua Narriman.
A Universidade de Brasília e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública estudam a sensação de insegurança nas cidades brasileiras.
“As mulheres certamente têm muito mais medo do que os homens. A situação que mais acarreta medo nas pessoas é o deslocamento de casa para o trabalho e a volta do trabalho para casa. É no sistema de mobilidade urbana onde as pessoas se veem com medo,” explica Arthur Trindade, professor de sociologia da Universidade de Brasília e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Em vez de um livro, uma música, uma pergunta ao telefone para a mãe: “Já voltou a luz aí ou não?” pergunta Camila ao celular. “Durante a noite você não vê quase ninguém na rua”, diz Narriman.
“Pessoas que moram ou circulam por espaços mal iluminados, com lixo acumulado, com a manutenção do espaço público mal feita, precária, tendem a ter mais medo do que as outras pessoas,” explica Arthur Trindade.
Foi no escuro que tentaram roubar Letícia. “Quando eu cheguei aqui, bem distraída, veio um menino novo até de bicicleta e tentou tomar o meu celular com as duas mãos. A gente ficou brigando pra ver quem ia pegar o celular. Ele desceu da bike, caiu no chão. Nisso eu gritava também pra ver se alguém vinha ajudar” conta Letícia.
Mas ninguém veio.
“Se você gritar ‘tarado’, não sai uma pessoa pra te defender. A pessoa só sai para defender se alguém é algum parente. De contrário, ninguém sai, não. Acho que esse é o maior medo das mulheres ” diz Camila.
E também ninguém saiu quando tentaram assaltar Camila. “Dei um grito no meio da rua. Pergunta se alguém saiu” conta. Pelo menos o grito espantou o criminoso.
Uma pesquisa realizada no ano passado com 3.500 pessoas em 10 capitais brasileiras apontou que 3 em cada 4 mulheres já sofreram algum tipo de assédio.
Mais da metade indicou que esses casos aconteceram no transporte público e em espaços públicos. São os dois lugares mais ameaçadores para grande parte das mulheres. Especialmente, à noite e quando a iluminação é deficiente.
“Hoje não olhei pra trás porque estou com vocês,” diz Narriman.
“Sempre de tênis. Evito ficar de cabelo solto ou andar de salto. Porque se você precisar correr, ou algo do tipo é mais fácil puxar o seu cabelo e também você não consegue correr porque você está de salto,” explica Flávia Souza, cantora de 40 anos.
“Se você se sentir inseguro, que já aconteceu, né? Aí eu baixo, pego um pau e vou andando. Prefiro sair como doida do que você sair com medo,” diz Camila.
Camila é mãe solo. A família de Narriman só tem mulheres. Por isso, elas seguem sozinhas na caminhada para casa.
Repórter: Se a gente tá tenso aqui também. Três homens fazendo a reportagem, você enquanto mulher, sozinha, como se sente no caminho de casa?
Só angustiada mesmo e em oração, responde Narriman.
Repórter: “Você vai orando.
“Sempre”
Angústia que faz Camila apertar a mochila.
Repórter: “Guardando o celular?
Lógico, trabalhei pra comprar, rapaz. Vai que você acha um doido. Aqui você fica esperta por tudo. Você já olha em 360, diz Camila.
“Essa é a rua que eu apresento a vocês. Ela, você pode ver. É bem comprida, é deserta. Já dá medo isso aí,” diz Narriman.
Essa parte do caminho não tem luz nenhuma, não dá pra ver nada. Vamos ligar a luz pra mostrar como é que é aqui. Olha só, é mato, não tem calçada pra você andar, a calçada tá toda obstruída. Mal tem calçada.
Narriman evita a calçada. “Eu costumo andar no meio da rua pra ficar visível que eu estou descendo caso alguma coisa acontecer comigo” explica Narriman.
Repórter: “Não dá pra ver nada.
Você acaba decorando o caminho, né?
Repórter: E sempre andando rápido, né, Camila?
“Nunca devagar,” responde Camila.
“Sempre rápido” diz Narriman. “Normalmente eu passo aqui com um pouco de aflição porque justamente aqui no meio foi onde a minha tia estava vindo sozinha e uma pessoa veio daquela rua ali do nada, pegou ela aqui. Não tem pra onde pedir ajuda, socorro ou algo do tipo,” conta Narriman.
Todas as noites, Narriman tem que passar pelo local onde sua tia foi violentada.
“Eu só tenho isso como exemplo de vulnerabilidade, e tento me proteger a cada dia que passa em questão dessa essa rua. E é bem nesse local aqui que me dá um pouco mais arrepio, aflição” diz Narriman.
Um estudo publicado a partir da análise de 13 programas de iluminação pública em cidades do Brasil e do exterior concluiu que há uma redução média de 21% no total de crimes cometidos em locais onde tem luz.
“É importante conservar os pontos de ônibus, o calçamento, a iluminação desse calçamento, a poda de árvores, o paisagismo, a coleta de lixo. Isso torna a cidade mais segura,” explica Arthur Trindade.
Essa reportagem foi gravada em São Paulo, na capital e nas cidades de Osasco e Guarulhos. As três prefeituras informaram que investem em iluminação com lâmpadas de LED nas ruas, em melhorias em pontos de ônibus e em patrulhamento nas ruas.
“Aqui eu já não tenho tanto medo, então pra mim é tranquilo ligar a lanterna,” diz Camila.
Repórter: “Obrigado por deixar a gente te acompanhar, viu?”
Repórter: Olha só a escuridão da rua dela, que breu. E são muitas como essa nesse bairro, muitas ruas como essa em São Paulo e muitas e muitas no Brasil.
Repórter: Chegamos, hein? Em segurança.
Amém.
Repórter: Boa noite, Narriman, obrigado.
Pra nós.
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