A verdadeira origem dos alagamentos de Belém

Há 22 anos chegou a Belém a notícia de que um destacado membro da Igreja Católica, frei Betto, vinha afirmando em entrevistas que, logo após o Golpe Militar de 1964, ele estava em Belém.

E em nossa cidade, assistiu ao arcebispo do Pará,  denunciar, num programa de televisão, como subversivos alguns padres de seu próprio clero.

Uma onda de indignação das autoridades do Estado se levantou contra o frade dominicano.

E, contra quem tinha tido a ousadia de trazer para o âmbito da opinião pública paraense a notícia do conteúdo daquelas entrevistas do religioso: o autor deste texto.

Ambos fomos premiados com a classificação de covardes dada por políticos, – e por intelectuais e jornalistas que costumam repetir o que dizem as autoridades do momento – porque estaríamos caluniando uma pessoa que não tinha condição de se defender, pois, àquela altura o arcebispo já havia morrido.

Para frei Betto, o ex-governador Hélio Gueiros chegou destinar ainda mais uma classificação, insólita.

A de “excomungado parcial”.

Como já escrevemos aqui, duas décadas depois, outro governador do Pará, o atual, afinado com aquela posição de Hélio Gueiros, há poucos meses, resolveu homenagear dom Alberto Ramos, dando o nome dele a uma escola que inaugurou em Ananindeua, como se nada devesse ser revisto sobre os episódios de 1964, no Pará.

Embora frei Betto continue, fora do Estado, tentando ser ouvido sobre aquilo que diz ter assistido, em Belém, em 1964.

Recentemente, o fez numa entrevista concedida ao canal Tatuméia, postada no Youtube.

Assim, saber o que, de fato, aconteceu no clero do Pará em 1964, se torna quase impossível pela força e insistência com a qual a classe dirigente do Estado defende seus membros.

Independentemente da época que algum destes membros tenham exercido algum tipo de poder.

Como prova, por exemplo, a manutenção ao longo dos anos da situação de desconhecimento dos belenenses sobre a verdadeira origem, de um tormento que persegue muitos deles, todos os anos: as enchentes.

Mas, como um morador de Belém pode vir a saber que é um herói oficial, nome da mais importante medalha oferecida pela Prefeitura da cidade às pessoas que supostamente prestaram grandes serviços aos habitantes de nossa capital, o responsável pela invasão de águas em ruas e moradias em muitos bairros?

Se até da história recente de Belém, naquilo, por exemplo, em que ela se refere ao Golpe Militar de 1964, há uma imposição da versão conveniente à classe dominante.

Sim, foi um erro trágico cometido por Francisco Caldeira Castelo Branco, o figurão homenageado pelas nossas autoridades, que destinou gerações seguidas de belenenses nascidas ao longo de mais de 4 séculos a sofrerem as agruras das enchentes.

A história deste erro começaremos a contar, agora. E vamos conclui-la nos textos que vamos publicar aqui, nos próximos dias. Porque, é óbvio, sem o conhecimento completo da origem dos males provocados pelas enchentes, como os cidadãos de Belém poderão lutar conscientemente contra elas?

Após a chegada ao Gram-Pará das naus que saíram em São Luis do Maranhão, coube a Castelo Branco enfrentar a questão cujo equacionamento seria decisivo para a futura História de Belém: a da escolha do seu sítio inicial.

Numa situação como aquela os colonizadores portugueses, quando dispunham de conhecimentos sobre a região, aonde haviam chegado, costumavam seguir a orientação detalhada dada por Dom Manoel a Tomé de Souza para a identificação do lugar apropriado à implantação de um novo povoado.

Instruiu, então, o monarca.

Depois de pacificada a área, “vejais com pessoas que bem entendam o lugar que será aparelhado para fazer a fortaleza forte e que se possa defender e que tenha disposição e qualidade para ali pelo tempo em diante se ir fazendo uma povoação grande e tal qual convém que seja dela se proverem as outras capitanias. E deve ser em sitio sadio e de bom ares e que tenha abastança de águas e porto em que possam amarrar os navios e vararem se quando cumprir”.

O sítio ideal, por conseguinte, seria aquele que atendesse a uma série de requisitos ligados à natureza do solo, ao relevo, a fontes de água para consumo, a cursos de águas navegáveis, etc.

De um ponto de vista imediato, o sítio devia convir à defesa da região, enquanto propriedade portuguesa. Para atender a esta conveniência, no Brasil, a tendência geral dos núcleos mais antigos foi a ocupação de sítios elevados

Mas, além da estratégia de defesa, teriam de pesar na decisão da escolha do sítio a comodidade dos habitantes do núcleo inicial do povoado, e, ainda, a previsão do seu crescimento.

Nenhum destes aspectos foi atendido na escolha do sítio feita por Castelo Branco, como se verá nos meus próximos textos.

Poucos anos depois, três tentativas foram feitas de retirar a cidade do lugar onde ele a assentou.  

*Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista

Translation (Tradução)

The True Origin of the Floods in Belém

Twenty-two years ago, news arrived in Belém that a prominent member of the Catholic Church, Frei Betto, had claimed in interviews that, shortly after the 1964 Military Coup, he was in Belém.

In our city, he watched as the Archbishop of Pará denounced some priests from his own clergy as subversives on a television program.

A wave of outrage from state authorities rose against the Dominican friar—and against the one who had dared to bring the content of those interviews into the realm of public opinion in Pará: the author of this text.

We were both labeled cowards by politicians — and by intellectuals and journalists who tend to repeat whatever the authority of the moment says — because, according to them, we were slandering someone who could no longer defend himself, since by then the archbishop had already passed away.

For Frei Betto, former Governor Hélio Gueiros went even further, assigning him an unusual classification: “partially excommunicated.”

As we have written here, two decades later, another governor of Pará—aligned with Hélio Gueiros’ stance—recently decided to honor Dom Alberto Ramos by naming a school after him in Ananindeua, as if nothing about the episodes of 1964 in Pará should be revisited.

Although Frei Betto continues, outside the state, trying to be heard about what he claims to have witnessed in Belém in 1964—recently discussing it in an interview for the Tatuméia channel, posted on YouTube.

The true events within Pará’s clergy in 1964 remain almost impossible to uncover, due to the strength and persistence with which the state’s ruling class protects its members.

Regardless of the era in which these members exercised power, this protection remains, exemplified by the ongoing lack of knowledge among Belém’s residents about the true origin of a yearly torment: the floods.

How could a resident of Belém know that the official hero—whose name is associated with the most prestigious medal granted by the city’s administration to individuals who supposedly rendered great services to our capital—is actually responsible for the invasion of water into streets and homes across many neighborhoods?

If even in Belém’s recent history, such as events tied to the 1964 Military Coup, the dominant class imposes its convenient version, then uncovering the truth about the floods seems equally daunting.

Yes, it was a tragic error committed by Francisco Caldeira Castelo Branco—the figure honored by our authorities—that condemned generations of Belém’s residents, born over more than four centuries, to suffer the harsh realities of floods.

The story of this mistake begins now, and I will conclude it in future texts published here in the coming days.

Because, obviously, without fully understanding the origins of the problems caused by floods, how can Belém’s citizens consciously fight against them?

Upon the arrival of the ships from São Luís do Maranhão to Grão-Pará, Castelo Branco faced a decisive question for Belém’s future history: choosing its initial settlement site.

In situations like this, Portuguese colonizers, when knowledgeable about the region they reached, generally followed the detailed guidance given by King Manuel to Tomé de Souza for identifying an appropriate location for a new settlement.

The monarch instructed:

After pacifying the area, “seek out knowledgeable people to determine a suitable place to establish a strong fortress that can be defended, that has the conditions necessary to support a large population over time, and that can supply the other captaincies. It should be located in a healthy area with good air quality, an abundance of water, and a port where ships can dock and be repaired when needed.”

Thus, the ideal site would meet various requirements related to soil nature, terrain, freshwater sources for consumption, navigable waterways, and more.

From an immediate standpoint, the settlement had to allow for effective defense, as it was a Portuguese possession. In Brazil, this generally meant occupying elevated sites.

But beyond defensive strategy, other factors needed consideration—such as convenience for the inhabitants of the initial settlement and future expansion.

None of these aspects were taken into account in Castelo Branco’s site selection, as will be revealed in my upcoming texts.

Just a few years later, three attempts were made to relocate the city from the site where he had established it.

*Oswaldo Coimbra is writer and journalist

(Illustration: Image of water invasion in Belém, captured by the Brazilian Navy.)

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