TikTok lucra com lives de crianças em situação de miséria, diz jornal

Crianças pedindo esmolas em transmissões ao vivo pelo TikTok têm se tornado cada vez mais comuns em países marcados por pobreza extrema. A prática, que contraria as próprias diretrizes da plataforma, é promovida pelo algoritmo e gera lucro para a empresa, que retém até 70% dos valores arrecadados com os chamados “presentes virtuais”.

Uma investigação do The Observer, associado ao britânico The Guardian, revelou que o conteúdo exploratório envolvendo menores de idade é disseminado em transmissões feitas principalmente no Afeganistão, Indonésia, Paquistão, Síria, Egito e Quênia. Mesmo com regras contra esse tipo de publicação, o TikTok continua se beneficiando financeiramente da exposição da miséria, segundo organizações de direitos humanos e especialistas em segurança digital.

Exemplos de contas que parecem mostrar famílias pedindo esmolas (Imagem: TikTok via The Guardian)

Transmissões exploratórias ocorrem em diversos países

Entre janeiro e abril de 2025, foram encontrados casos de transmissões semelhantes em países como Indonésia, Paquistão, Afeganistão, Síria, Egito e Quênia. As cenas variam de famílias em situações domésticas pedindo ajuda a transmissões com características de mendicância organizada. Em um dos casos, sete meninos foram exibidos pedindo presentes virtuais; no dia seguinte, outros meninos apareceram no mesmo local, acompanhados dos mesmos adultos.

Em algumas contas, diferentes pessoas são mostradas quase diariamente, indicando possível atuação de intermediários. Em um perfil com 5.300 seguidores, por exemplo, um idoso em cadeira de rodas aparece em transmissões feitas por terceiros, sem que se saiba sua identidade.

TikTok recebe comissão mesmo em situações de risco

  • A plataforma, lançada em 2020, permite que qualquer usuário com mais de 1.000 seguidores e mais de 18 anos transmita ao vivo.
  • Embora crianças possam aparecer, elas devem estar acompanhadas por adultos.
  • Os espectadores podem enviar presentes digitais, como rosas virtuais, que custam cerca de R$ 0,06.
  • Porém, os criadores de conteúdo recebem apenas uma fração do valor, após taxas da plataforma e comissões. Em alguns casos, restam apenas 30% do valor original.
  • A ONU classificou a situação como “predação digital”.
  • Olivier de Schutter, relator especial sobre pobreza extrema e direitos humanos, disse ao The Observer que “ficar com uma parte do sofrimento das pessoas é inaceitável” e o TikTok deve aplicar suas próprias políticas.
  • A ONG Save the Children também considera os casos documentados como formas graves de abuso.
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ONG Save The Children considera casos documentados como abuso (Imagem: Casimiro PT / Shutterstock.com)

Casos vão além da mendicância

Além de pedidos por ajuda, diversas transmissões mostram atos degradantes ou arriscados em troca de presentes. Entre os exemplos registrados estão pessoas se cobrindo de lama, batendo em si mesmas, passando horas sem dormir ou apenas deitadas em locais insalubres. Em um vídeo na Indonésia, duas meninas aparecem deitadas em um estúdio sem janelas; em outro, três homens no Paquistão colocam baldes na cabeça e só se movimentam quando recebem presentes.

Especialistas apontam que a combinação de pobreza, analfabetismo digital e o modelo de incentivo da plataforma contribui para a proliferação desse tipo de conteúdo. Marwa Fatafta, da organização Access Now, destacou ao The Observer que o design do TikTok Live estimula comportamentos de risco e a plataforma ainda não está lidando com as consequências desse sistema.

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Lucro com sofrimento e ausência de transparência

O TikTok afirma ter equipes dedicadas para identificar transmissões inadequadas, alegando interromper mais de 4 milhões de lives por mês por razões de segurança. Ainda assim, os casos identificados mostram que denúncias feitas pelo próprio aplicativo nem sempre resultam em ação imediata.

Há também dúvidas sobre quem realmente se beneficia dos presentes. Organizações como a Anti-Slavery International alertam para o controle que terceiros podem exercer sobre os ganhos, inclusive com coerção física ou psicológica. Os criadores devem apresentar documento de identidade para receber os valores, mas muitos perfis são anônimos e não há como saber se os beneficiários são, de fato, os que aparecem nas transmissões.

A pesquisadora Maya Lahav, da Universidade de Oxford, destaca que a moderação de transmissões ao vivo é um desafio complexo, tanto técnico quanto ético. “A questão central é: quando isso se torna exploração? Esse é o equilíbrio que a plataforma precisa encontrar”, afirmou ao The Observer.

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