Até o silêncio já será uma resposta: missão ousada vai procurar vida extraterrestre

Um artigo publicado nesta segunda-feira (7) no periódico científico The Astronomical Journal descreve uma proposta de missão espacial que pode transformar nossa compreensão sobre a vida no Universo – mesmo que não encontre sinais dela. 

Chamada LIFE, a missão usaria uma frota de telescópios para analisar planetas parecidos com a Terra em zonas habitáveis de outras estrelas.

Embora simples, a ideia é poderosa: detectar gases que possam indicar a presença de vida, como oxigênio e metano. Se LIFE encontrar uma única evidência confiável, isso mudaria completamente nossa percepção sobre quão comuns são os mundos habitados. Mas, mesmo sem descobertas diretas, a missão ainda pode nos dizer o quão rara a vida pode ser.

Representação artística de Kepler-186f, o primeiro planeta validado do tamanho da Terra a orbitar uma estrela distante na zona habitável, a cerca de 500 anos-luz do Sistema Solar, na constelação de Cygnus. Crédito: NASA / Ames / Instituto SETI / JPL-Caltech

Como funcionaria a missão LIFE

LIFE é a sigla para Large Interferometer for Exoplanets (Grande Interferômetro para Exoplanetas). Trata-se de um projeto liderado por cientistas do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH Zurich), na Suíça. A proposta envolve quatro telescópios espaciais voando em formação, conectados a uma nave central que combina os dados recebidos.

Esses telescópios estariam separados por dezenas a centenas de metros e atuariam como um único instrumento, por meio da técnica de interferometria. Para enxergar os exoplanetas sem o ofuscamento de suas estrelas, a missão usaria “interferometria anulada”, cancelando a luz estelar e destacando apenas a luz emitida pelos planetas ao redor.

Apesar de não gerar imagens diretas, o conjunto LIFE observaria no infravermelho médio. Esse tipo de luz permite identificar as moléculas presentes nas atmosferas dos exoplanetas, revelando sua composição química. Entre os alvos estão planetas do tamanho da Terra que orbitam zonas onde a água líquida poderia existir.

A busca principal é por bioassinaturas: substâncias atmosféricas que indicam atividade biológica. Além de oxigênio e vapor d’água, LIFE procurará sinais de ozônio, metano, fosfina, óxido nitroso e outros gases. A presença combinada desses elementos pode apontar para algum tipo de vida.

Existe vida extraterrestre ou vivemos uma solidão cósmica?

Até o momento, a missão LIFE é apenas uma proposta. Nenhuma agência espacial aprovou sua construção. No entanto, os pesquisadores já estão avaliando qual seria o impacto de seus resultados, mesmo que não haja detecção de sinais de vida. A chave para isso está na estatística.

Para entender o potencial da missão, a equipe da ETH Zurich usou modelos matemáticos baseados em estatística bayesiana. Esse tipo de análise calcula a probabilidade de um evento com base em informações já conhecidas — os chamados “valores prévios”.

Imagine ouvir um estrondo e tentar descobrir se foi trovão ou fogos de artifício. Se for véspera de Ano Novo, a chance de serem fogos aumenta. Se há previsão de tempestade, o trovão se torna mais provável. A estatística bayesiana ajuda a pesar essas informações para estimar a resposta mais provável.

Os cinco satélites da missão LIFE conectados para formar um grande telescópio espacial. Crédito: ETH Zurique / iniciativa LIFE

Por outro lado, a estatística frequentista foca apenas na frequência dos eventos após muitas repetições. Por exemplo, ao lançar uma moeda várias vezes, a chance de cara ou coroa tende a 50%, independentemente dos lançamentos anteriores. É uma abordagem que não depende de suposições anteriores.

Não receber mensagem também é mensagem

Com base na estatística bayesiana, os cientistas calcularam quantos planetas o LIFE precisaria observar para obter resultados confiáveis. Eles concluíram que, se entre 40 e 80 mundos forem analisados sem encontrar bioassinaturas, já será possível afirmar com certa segurança que menos de 10% a 20% dos planetas semelhantes à Terra possuem vida.

Esse número está dentro da capacidade planejada para o LIFE. Ou seja, mesmo que a missão não encontre indícios diretos de vida, ela poderá limitar a quantidade de planetas potencialmente habitáveis em nossa galáxia – uma informação científica valiosa.

Conforme mais planetas forem observados e nenhuma bioassinatura for detectada, a estimativa de planetas habitados tenderá a cair. Assim, o projeto LIFE pode indicar se a vida é algo comum ou extremamente raro no cosmos.

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Há limitações, contudo. Pode ser que a missão deixe escapar bioassinaturas difíceis de detectar, ou que acabe incluindo planetas que, na prática, não são habitáveis. Esses erros podem afetar os resultados, já que detectar sinais fracos em ambientes distantes é um desafio técnico.

“Não basta observar muitos planetas. É preciso fazer as perguntas certas e avaliar com cuidado nossas certezas e incertezas”, explicou em um comunicado o astrônomo Daniel Angerhausen, da ETH Zurich. “Se confiarmos demais em nossa capacidade de identificar vida, mesmo grandes estudos podem nos levar a conclusões erradas”.

Para confirmar suas análises, os pesquisadores também aplicaram a abordagem frequentista. Surpreendentemente, os resultados foram semelhantes aos obtidos com o modelo bayesiano. Isso indica que diferentes métodos estatísticos podem chegar às mesmas conclusões, reforçando a robustez do estudo.

“Pequenas mudanças nos objetivos científicos exigem métodos diferentes para garantir respostas confiáveis”, destacou Emily Garvin, doutoranda da ETH Zurich. “Queríamos mostrar como abordagens distintas podem se complementar e traçar um caminho para futuros estudos”.

Caso a missão LIFE seja aprovada e lançada, há a expectativa de que ela encontre ao menos um planeta com sinais de vida. Mas, mesmo sem esse achado, os dados obtidos podem representar um avanço significativo na busca por entender nosso lugar no Universo.

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