Recife discute lei de uso e ocupação do solo: mudança pode simplificar construções e incentivar sustentabilidade; entenda


Documento foi analisado em audiência pública realizada na terça (8) por membros do Conselho de Arquitetura e Urbanismo, prefeitura, empresariado e sociedade civil. Imagem do alto mostra prédios e casas no Recife
Reprodução/TV Globo
Está em discussão, na cidade do Recife, um projeto de lei que deverá servir como guia para todas as futuras construções da capital, sejam elas grandes prédios sob responsabilidade das construtoras, casas ou pequenos empreendimentos familiares.
O documento, chamado oficialmente de “Minuta de Projeto de Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo do Recife”, foi objeto central de uma audiência pública na tarde desta terça-feira (8), no Teatro do Parque, no Centro.
Uma das principais mudanças é a redução para 125 metros quadrados o tamanho mínimo de lote que pode ser construído na cidade (saiba mais abaixo). Entretanto, o projeto também foi criticado por não prever, por exemplo, problemas de mobilidade e saneamento que podem ser agravados (entenda aqui).
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Para entender melhor o que está sendo discutido e quais as perspectivas para o futuro da construção civil na cidade, o g1 conversou com o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco (CAU-PE), Roberto Salomão, e o secretário de Desenvolvimento Urbano e Licenciamento do Recife, Felipe Matos.
Segundo o presidente do CAU, atualmente, quem deseja construir uma edificação no Recife precisa consultar diversas leis e equipamentos jurídicos.
A proposta é reunir, num só documento, tudo o que diz respeito à ocupação do solo na cidade, simplificando o processo e facilitando o cumprimento da lei.
“Para construir um prédio no Recife, é preciso consultar ‘ene’ legislações, porque ela está toda em pedaços. Isso dificulta muito, tanto para o empreendedor, quanto para o cidadão, como para a própria prefeitura. O analista da prefeitura tem uma dificuldade enorme, às vezes, para analisar aquela proposta, porque ele tem que consultar várias leis”, comentou Roberto Salomão.
Ainda segundo Salomão, o documento é complementar ao Plano Diretor do Recife, sancionado em 2020 e com validade até 2030.
Além de funcionar como uma espécie de consolidação da legislação já existente, a minuta em debate também traz novidades, especialmente em relação à sustentabilidade, à ocupação do Centro do Recife e ao tamanho dos lotes.
O secretário de Desenvolvimento Urbano e Licenciamento do Recife, Felipe Matos, apontou que um dos principais avanços da proposta é aproximar a legislação municipal da Lei Federal, reduzindo para 125 metros quadrados o tamanho mínimo do lote que pode ser construído.
“A Lei Federal estabelece uma parcela de construção de 125 metros quadrados, enquanto no Recife a exigência é de 250 metros. […] O que acaba acontecendo no Recife é que, com uma lei mais restritiva, acaba-se colocando algumas famílias, negócios e comércios na ilegalidade”, explicou o secretário.
De acordo com Felipe Matos, mais da metade dos imóveis construídos não atendem à exigência dos 250 metros de parcela de construção. O secretário acredita que a mudança vai tornar a cidade mais atrativa para projetos que se enquadrem no Minha Casa, Minha Vida.
“Hoje, quem compra imóveis do Minha Casa, Minha Vida tem renda entre R$ 1.500 e R$ 8 mil. A gente tem 60% da população do Recife nessa faixa de renda. O que tem acontecido é que essas pessoas não têm condições de comprar um imóvel na cidade e acabam se mudando para outros municípios da Região Metropolitana, que têm esse tipo de oferta e seguem a lei de uso do terreno federal”, disse.
Taxa de Contribuição Ambiental
Algumas das previsões elogiadas pelo presidente do CAU são espécies de “bonificações” na área construtiva permitida a partir do cumprimento de uma Taxa de Contribuição Ambiental (TCA), composta pelas seguintes soluções ambientais:
Piso permeável;
Telhado verde;
Jardineira;
Fachada verde;
Preservação de árvores;
Plantio de árvores;
Arborização de via.
“Existe, na lei, bonificação de área privativa não computável para as edificações que têm certificações sustentáveis. Há exigência de reservatório de retardo e reuso de águas pluviais, por exemplo. Existe um estímulo para que as construções usem essas águas pluviais para regar jardins, lavar de automóveis, e assim sucessivamente”, pontou Rodrigo Salomão.
Outro incentivo da legislação é voltado ao uso misto dos edifícios, com empreendimentos no térreo e unidades residenciais nos demais pavimentos.
“Queremos estimular os imóveis de uso misto, em que o pavimento térreo é usado para comércio e serviços. Acreditamos que isso vai estimular a movimentação nas ruas, contribuir para a segurança pública e melhorar a mobilidade, no sentido de que a pessoa vai poder morar perto do trabalho”, comentou Felipe Matos.
Ocupação do centro histórico
Outro modo de obter crédito, previsto no documento, é direcionado aos empreendedores que executarem obras de reforma e retrofit — adequação de prédios para o formato residencial — em edifícios ociosos no Centro do Recife.
A cada metro quadrado reformado no sítio histórico dos bairros do Recife, Santo Antônio ou São José, é possível solicitar a aprovação de projetos em zonas mais densamente habitadas da cidade, como Boa Viagem.
“Um exemplo são os bairros do Pina e de Boa Viagem — que têm infraestrutura de transporte público, água, esgoto, área de lazer. […] A nova regra prevê que quem reformar um imóvel para habitação no centro da cidade, vai ganhar esse benefício nesses dois bairros, por exemplo”, comentou.
Fragilidades
Embora a proposta, para o presidente do CAU-PE, tenha aspectos positivos relevantes, existem também pontos de atenção. Segundo Roberto Salomão, há “um descompasso entre a intenção normativa e a infraestrutura existente”.
Usando o exemplo de Boa Viagem, que pode receber novas construções incentivadas pelo retrofit no Centro, Roberto explicou que o bairro pode agravar problemas de mobilidade e saneamento que já causam transtornos.
“Na área de Boa Viagem, em determinados momentos, o acesso é muito complicado. A mobilidade, mesmo com a Via Mangue, ainda tem problemas de retenção. A questão da infraestrutura, do saneamento, a gente ainda tem alguns problemas ao longo de todo o bairro, sobretudo mais para trás, em Setúbal”, explicou.
Outro ponto de fragilidade apontado pelo especialista é a previsão de decretos para detalhar instruções que já estão previstas na minuta em debate.
“Tem muita coisa na lei que está sendo remetida para ser detalhada em decreto. Ou seja, não necessariamente esses decretos, quando vierem a ser feitos — se não tiver claramente na lei os parâmetros, indicadores, forma como deverão ser feitos — vão estar no mesmo sentido da proposta da lei. Existe um risco”, comentou Roberto Salomão.
Futuro do projeto de lei
A minuta que está sendo debatida ainda irá percorrer um longo caminho até que se torne, efetivamente, um projeto de lei e seja eventualmente sancionada.
Segundo o presidente do CAU-PE, o documento ainda será analisado pelo Conselho da Cidade, órgão colegiado composto por 45 membros do Executivo, Legislativo, entidades sindicais, empresariado, profissionais e acadêmicos.
O texto final aprovado pelo Conselho da Cidade será encaminhado para a Câmara Municipal do Recife, onde passará por uma nova rodada de debates e audiências públicas.
De acordo com Roberto Salomão, a expectativa é que o texto seja apreciado pela Câmara até o fim do ano. Até lá, seguem os debates.
“A gente tem que compreender que a cidade existe a partir das tensões que são geradas por vários interesses. Você tem o interesse do movimento popular, do empresariado, dos técnicos, dos profissionais, dos cidadãos. Esse processo é muito importante que a gente consiga alcançar um consenso possível”, apontou Roberto Salomão.
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