A Amazônia, maior floresta tropical do planeta, enfrenta uma corrida contra o tempo. O desmatamento avança de forma alarmante, pressionando ecossistemas e a estabilidade climática global. Mas um novo aliado tem ganhado protagonismo nessa batalha: a inteligência artificial. A combinação de algoritmos, imagens de satélite e análise preditiva está mudando a forma como monitoramos, prevenimos e combatemos a destruição da floresta.
O tema do uso da inteligência artificial no combate ao desmatamento da Amazônia ganhou destaque nacional recentemente ao ser cobrado na redação do concurso público do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), realizado no último dia 6 de abril de 2025. A prova foi aplicada simultaneamente em todas as capitais brasileiras e atraiu milhares de candidatos interessados em atuar na proteção ambiental.
A proposta de redação solicitava que os candidatos discutissem os avanços no monitoramento ambiental a partir de alertas de desmatamento emitidos quase em tempo real, com base em imagens de satélites ópticos e de radar, aliados à inteligência artificial. A escolha do tema reforça a importância estratégica da tecnologia na preservação da maior floresta tropical do planeta.
Olhos digitais sobre a floresta: monitoramento em tempo real
Com o apoio de satélites como o Sentinel-2 (Agência Espacial Europeia) e o Landsat 8 (NASA), sistemas de monitoramento ambiental utilizam inteligência artificial para analisar, diariamente, milhares de imagens que revelam alterações na cobertura vegetal, como clareiras, queimadas, abertura de estradas e outros sinais de degradação. Plataformas como o Deter-B, do INPE, e o MapBiomas Alerta, da sociedade civil, já incorporam algoritmos avançados que aumentam a precisão e reduzem o tempo de resposta na detecção de desmatamento. Essas ferramentas processam imagens georreferenciadas e as sobrepõem a bases públicas, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR), permitindo identificar alterações em áreas declaradas como Reserva Legal, APPs ou florestas preservadas. Quando uma anomalia é detectada, o sistema cruza essas informações com outras fontes, como o SIGEF (Sistema de Gestão Fundiária) e o SNCI (Sistema Nacional de Cadastro Imobiliário), verificando se a área está inserida em unidades de conservação, terras indígenas ou assentamentos. Esse cruzamento automatizado viabiliza a geração de alertas em tempo quase real.
Em um caso recente no Pará, a abertura ilegal de uma estrada vicinal em área registrada como Reserva Legal foi identificada rapidamente, e o alerta foi encaminhado ao Ibama, que mobilizou uma equipe de fiscalização em menos de 48 horas, impedindo a continuidade do dano ambiental. Segundo Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas, “o que antes levava dias ou semanas para ser detectado, agora pode ser identificado em poucas horas”, permitindo que órgãos como o Ibama e o ICMBio atuem de forma proativa, muitas vezes antes que a destruição se consolide.
Prever para proteger: análises preditivas de desmatamento
A inteligência artificial também permite antecipar o desmatamento antes mesmo que ele aconteça. Situações como a abertura de uma nova estrada de terra em meio à floresta são fortes indícios de que a pressão sobre aquela área está prestes a aumentar. Foi com base nessa lógica concreta que nasceu o PrevisIA, uma ferramenta de análise preditiva desenvolvida pelo Imazon em parceria com a Microsoft e o Fundo Vale. A solução combina imagens de satélite, dados topográficos, redes de estradas formais e ilegais, além de indicadores socioeconômicos e históricos de desmatamento para gerar mapas que indicam, com alta precisão, as áreas com maior risco de desmatamento futuro. O sistema parte de dois algoritmos principais: um voltado à identificação automática de novas estradas ilegais por meio de reconhecimento de imagem, e outro que cruza dados socioeconômicos com padrões de desmatamento observados nos últimos anos.
Estudos mostram que 85% do desmatamento ocorre próximo a estradas ilegais, tornando essencial entender como essas vias se formam. A proposta do PrevisIA nasceu a partir de uma pesquisa de Carlos Souza Jr., do Imazon, que apontava a necessidade de centenas de cientistas para aplicar manualmente um modelo preditivo em toda a Amazônia. Para resolver esse desafio, a Microsoft treinou algoritmos de inteligência artificial para reconhecer automaticamente pequenas estradas em imagens de satélite — identificando quando e onde surgem, mesmo em áreas remotas. Ao comparar imagens de diferentes períodos, o sistema detecta alterações sutis na cobertura florestal, como ramais recém-abertos, indicando que há interesse e movimentação humana na região. Esse tipo de evidência, associado a dados socioeconômicos e históricos de desmatamento, permite à IA apontar com precisão onde a floresta está sob risco iminente, antes mesmo que a derrubada comece.
O primeiro relatório do PrevisIA foi disponibilizado em 2021, e hoje, com o apoio da nuvem e da inteligência artificial, poucos cientistas conseguem rodar o modelo e gerar os mapas de risco em questão de dias — uma tarefa que antes levaria até seis meses para ser feita manualmente, processando imagem por imagem. A inteligência artificial, portanto, vem assumindo um papel estratégico na antecipação de crimes ambientais, transformando dados brutos em ação preventiva eficaz.
Vigilância inteligente com drones e sensores
A integração de inteligência artificial (IA) em drones tem revolucionado a fiscalização ambiental na Amazônia, especialmente em áreas de difícil acesso. Equipados com câmeras térmicas e sensores avançados, esses drones detectam em tempo real atividades como queimadas, presença de maquinário pesado e invasões em unidades de conservação. Os dados coletados são processados por algoritmos que geram alertas automáticos para as autoridades competentes, ampliando a eficiência da fiscalização e reduzindo custos operacionais.
Casos reais de aplicação na Amazônia
- Monitoramento por Comunidades Indígenas: Na Terra Indígena Katukina/Kaxinawá, no Acre, agentes indígenas utilizam drones e IA para monitorar e proteger seu território contra invasões e desmatamento ilegal. Essa abordagem permite uma vigilância mais eficaz e rápida, capacitando as comunidades locais na defesa de suas terras.
- Combate a Incêndios Florestais: O Corpo de Bombeiros de Rondônia emprega drones para identificar focos de incêndio em tempo real, facilitando o planejamento de ações de combate e a mobilização de recursos de forma mais precisa. Essa tecnologia melhora a resposta a emergências ambientais, protegendo vastas áreas de floresta.
- Fiscalização Ambiental no Mato Grosso: Durante a Operação Amazônia, coordenada pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema-MT), drones foram utilizados para monitorar e identificar crimes ambientais, resultando em multas significativas e embargos de áreas desmatadas ilegalmente. A tecnologia permitiu uma fiscalização mais abrangente e eficiente.
Mais transparência e responsabilização
Outra frente importante é o cruzamento de alertas com dados fundiários e registros oficiais. A inteligência artificial facilita a identificação de propriedades onde o desmatamento ocorre, contribuindo para a responsabilização de infratores e o bloqueio de crédito rural para atividades ilegais.
A integração de bases de dados ambientais, fiscais e fundiárias é uma demanda crescente entre especialistas e pode se tornar uma das maiores revoluções na gestão ambiental brasileira.
Funcionamento do Processo:
- Coleta de Alertas de Desmatamento: Sistemas como o DETER, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), monitoram diariamente os biomas brasileiros por meio de imagens de satélite, detectando alterações na cobertura vegetal que indicam desmatamento.
- Cruzamento com Dados Fundiários: Os alertas gerados são cruzados com informações do Cadastro Ambiental Rural (CAR), um registro eletrônico obrigatório para imóveis rurais que contém dados sobre a situação ambiental das propriedades. Essa integração permite identificar se o desmatamento ocorreu dentro de uma propriedade registrada e quem é o responsável legal.
- Geração de Laudos e Ações Corretivas: Com a identificação da propriedade, são elaborados laudos detalhados que incluem imagens de alta resolução antes e depois do desmatamento, além de informações complementares. Esses documentos servem para embasar ações de fiscalização, aplicação de multas e embargos, bem como para orientar instituições financeiras na concessão de crédito rural.
Exemplos de Aplicação:
- MapBiomas Alerta: Este sistema valida e refina alertas de desmatamento, gerando laudos que cruzam dados de alertas com informações do CAR. Esses laudos são utilizados por órgãos de fiscalização e instituições financeiras para identificar e responsabilizar infratores.
- Instituições Financeiras: Bancos como a Caixa Econômica Federal utilizam informações de alertas de desmatamento em conjunto com dados do CAR para avaliar a concessão de crédito rural, negando financiamento a propriedades com desmatamento não autorizado.
Avanços Recentes:
Em abril de 2024, o Governo Federal lançou a plataforma “Terras do Brasil”, com o objetivo de ampliar a transparência sobre o uso e ocupação das terras no país, especialmente na Amazônia Legal. A plataforma integra informações de diferentes bases públicas — como o SIGEF (Sistema de Gestão Fundiária), SNCI (Sistema Nacional de Cadastro Imobiliário), CAR (Cadastro Ambiental Rural) e SNCR (Sistema Nacional de Cadastro Rural) — reunindo dados fundiários e ambientais em um só lugar.
Essa unificação permite que sistemas baseados em inteligência artificial cruzem automaticamente os dados com alertas de desmatamento, identificando sobreposições, fraudes, omissões cadastrais e ocupações irregulares. A IA também pode indicar com mais rapidez os responsáveis por áreas onde há ocorrência de desmatamento ilegal, o que fortalece a responsabilização e contribui para ações de fiscalização mais ágeis e precisas. Além disso, a plataforma oferece acesso público, facilitando o trabalho de pesquisadores, jornalistas, órgãos de controle e da sociedade civil.
Resultados promissores, desafios persistentes
Apesar dos avanços, desafios persistem na integração completa e eficaz dessas bases de dados, a falta de atualização e precisão em alguns registros fundiários pode comprometer a identificação de responsáveis por desmatamentos ilegais. Portanto, é crucial investir na melhoria contínua dos sistemas de monitoramento e na capacitação de profissionais para interpretar e atuar com base nas informações geradas.
A integração de alertas de desmatamento com dados fundiários representa um passo significativo rumo a uma gestão ambiental mais transparente e responsável, permitindo ações mais rápidas e eficazes na proteção dos recursos naturais do país.
Também é essencial garantir que a tecnologia seja usada de forma ética, com respeito aos direitos das populações tradicionais e em consonância com os princípios da justiça ambiental.
- Roberta Mendes é Engenheira Florestal formada pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), com MBA em Gestão Ambiental e Manejo Florestal. Consultora Ambiental e Florestal, possui experiência em certificação de créditos de carbono, regularização ambiental e fundiária, manejo florestal e recuperação de áreas degradadas. Atuou em projetos de reflorestamento, inventário florestal e georreferenciamento, além de gerenciamento de operações de colheita e logística florestal.
Referências:
Governo Federal lança plataforma de inteligência para avançar com a governança fundiária. Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), abril de 2024. Disponível em: https://www.gov.br/mda/pt-br/noticias/2024/04/governo-federal-lanca-plataforma-de-inteligencia-para-governanca-fundiaria
Incra e Serpro lançam novo app de cadastro e supervisão ocupacional de famílias para fins de reforma agrária. Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), maio de 2024. Disponível em: https://www.serpro.gov.br/menu/noticias/noticias-2024/pgt-campo-serpro
Governo federal lança a Plataforma Agro Brasil + Sustentável. Serpro, dezembro de 2024. Disponível em: https://www.serpro.gov.br/menu/noticias/noticias-2024/serpro-plataforma-sustentavel
Fundo Vale, Microsoft e Imazon lançam a PrevisIA, ferramenta de Inteligência Artificial que ajudará na prevenção do desmatamento da Amazônia. Vale, agosto de 2021. Disponível em: https://vale.com/pt/w/fundo-vale-microsoft-e-imazon-lan%C3%A7am-a-previsia-ferramenta-de-intelig%C3%AAncia-artificial-que-ajudar%C3%A1-na-preven%C3%A7%C3%A3o-do-desmatamento-da-amaz%C3%B4nia
MapBiomas Alerta – Plataforma de validação e integração de alertas de desmatamento. Disponível em: https://alerta.mapbiomas.org
DETER-B – Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Disponível em: http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/app/dashboard/alerts/legal/
SAD – Sistema de Alerta de Desmatamento do Imazon. Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Disponível em: https://imazon.org.br/novo-sad/
PrevisIA: Inteligência Artificial para Prevenção do Desmatamento. Projeto do Imazon em parceria com Microsoft e Fundo Vale. Disponível em: https://imazon.org.br/publicacoes/previsia-inteligencia-artificial-para-prevencao-do-desmatamento/
Cadastro Ambiental Rural (CAR). Serviço Florestal Brasileiro. Disponível em: https://www.car.gov.br/
SIGEF – Sistema de Gestão Fundiária. Disponível em: https://sigef.incra.gov.br
SNCI – Sistema Nacional de Cadastro Imobiliário. Receita Federal. Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/cadastros/sistema-nacional-de-cadastro-imobiliario-snci
SNCR – Sistema Nacional de Cadastro Rural. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Disponível em: https://sncr.serpro.gov.br/
Plataforma Terras do Brasil – Integração de bases fundiárias e ambientais com apoio de IA. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/temas/terrasdobrasil
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