A forma descuidada como tem sido tratada a memória dos construtores do Pará tem gerado esquecimentos injustos de alguns profissionais importantes para a História de uma metrópole, como Belém.
Uma metrópole milagrosamente erguida num dos sítios considerados como um dos mais inadequados para a implantação de uma cidade, no Brasil.
Pois atingida por baixa declividade, muitas chuvas, e, invasões das águas da Baía do Guajará.
Judah Levy está entre estes profissionais esquecidos.
Ele não havia ainda completado sequer uma década de carreira, quando, no final dos anos de 1940, num curto período de tempo, levantou os dois primeiros prédios com mais de 10 andares de Belém – o Piedade e o Renascença.
Ambos, nas imediações da Praça da República.
As barreiras que Judah teve de ultrapassar pareciam insuperáveis.
De início, havia a falta de materiais de construções.
As lojas de Belém não dispunham em quantidade suficiente de ferragens, de materiais de revestimentos, nem mesmo sanitários, para atender às necessidades de obras como aquelas que trouxeram para a cidade dezenas de um novo tipo habitação, os apartamentos.
E, havia ainda uma dificuldade maior.
O cimento, um material essencial para as construções, tinha se tornado mercadoria rara, naquele período de pós-guerra mundial.
Como se isso não fosse suficientemente desanimador, Judah ainda teve de se defrontar com algo pior.
Não havia energia elétrica disponível para movimentar equipamentos que carregassem materiais e operários até os andares mais elevados das obras.
O sistema de iluminação pública que o intendente Antônio Lemos implantara em Belém, meio século antes, estava quase paralisado.
Belém vivia numa semiescuridão.
Judah lançou-se, então, na importação complicadíssima de materiais de construção, revendidos no Rio de Janeiro.
Mas, as compras de cimento tinham de ser negociadas diretamente com fábricas da Bélgica, da Alemanha, e, da Holanda.
E encetar as negociações para a aquisição de cimento não foi a atitude mais ousada de Judah.
Porque ele teve de simplesmente implantar uma usina própria de energia elétrica na área das duas construções.
A qual, aliás, passou a servir também aos imóveis já existentes naquele trecho da cidade.
Quando estas barreiras pareciam vencidas, surgiu outra complicação.
Desta vez, com os operários.
Eles sentiam medo de subir nos níveis mais altos dos andaimes das obras
Pois estavam acostumados a construir prédios, sempre, com menos de cinco andares.
Para acalmá-los, Judah teve de convencê-los, aos poucos, de que os andaimes eram seguros.
Os dois prédios, por fim, ficaram prontos.
Seus apartamentos já podiam ser ocupados.
Porém, aquele tipo de habitação era algo inusitado em Belém.
E rapidamente se tornaram vítimas de preconceito.
Segundo o qual eram um tipo de moradia inapropriada para o clima quente do Estado.
Judah teve de assumir ele próprio a tarefa de vender os apartamentos.
Habilidoso e confiável, ele se saiu tão bem nesta atividade que se tornou também o primeiro profissional da área de incorporação de edifícios do Estado.
Com todas estas suas proezas, Judah criou uma nova área na economia paraense, a da produção e venda de espaços de habitação em edifícios.
Foi nesta nova área que, nas décadas seguintes, seria abrigada boa parte da mão de obra formada nos cursos superiores de Engenharia Civil do Pará.
Assim, Judah conseguiu realizar mais uma proeza.
Afastou os jovens engenheiros paraenses do destino para o qual estiveram predestinados, durante cerca de cem anos.
O de se tornarem funcionários públicos, pois, entre os anos de 1850 e 1950, trabalhos para eles só existiam nas secretarias de Obras, a estadual e as municipais.
Os dois prédios de Judah Levy iniciaram o processo de crescimento vertical de Belém.
Atualmente, para infelicidade dos seus habitantes, este processo de crescimento está descontrolado.
Por omissão do poder público, a verticalização de Belém se tornou uma ameaça à sua população.
Nem isto, porém, apaga o mérito dos construtores pioneiros como Judah Levy.
Antes de sua morte, ocorrida no início de 2002, já com 85 anos de idade, num andar elevado do Edifício Nazaré, também construído por ele, Judah olhava através da janela,
E, sentia-se preocupado com o maltrato das árvores.
Mas a visão de Belém que obtinha dali também lhe dava satisfação.
Quando foi ouvido pelo Grupo de Memória da Engenharia da UFPA, ele confessou:
– Quando eu vejo aqui de cima a área construída de Belém que se estende até o bairro do Marco, não sinto inveja dos meus colegas engenheiros. Sinto orgulho por ver que está florescendo uma raiz que eu plantei. Me combateram, mas eu provei que o calor não torna o edifício uma habitação imprópria para Belém.
- Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista
Translation (tradução)
A Grand Adventure in Belém: Building the First High-Rise Towers
The careless way in which the memory of Pará’s builders has been treated has led to the unjust erasure of professionals pivotal to the history of a metropolis like Belém—a city miraculously erected on one of Brazil’s most inhospitable sites for urban development. Plagued by low elevation, heavy rainfall, and frequent flooding from the Guajará Bay, Belém’s rise was no small feat. Among those forgotten pioneers is Judah Levy, a visionary whose contributions reshaped the city’s skyline.
In the late 1940s, with less than a decade of experience, Levy achieved the unimaginable: in a short span, he constructed Belém’s first two buildings exceeding 10 stories—the Piedade and the Renascença—both located near Praça da República. The obstacles he faced were daunting. Construction materials were scarce; local stores lacked sufficient steel, cladding, or even sanitary fixtures to meet the demands of such ambitious projects, which introduced a novel concept to the city: apartment living.
Worse still, cement—essential for construction—was nearly unobtainable in the post-World War II era. Adding to the challenges, Belém’s electrical grid, established half a century earlier by Mayor Antônio Lemos, was on the brink of collapse, leaving the city in near darkness. There was no power to operate equipment capable of transporting materials and workers to the upper floors of these towering structures.
Undeterred, Levy embarked on a complex mission to import construction materials from Rio de Janeiro and negotiated directly with cement factories in Belgium, Germany, and the Netherlands. His boldest move, however, was building his own power plant to supply electricity to the construction sites—a facility that also benefited nearby properties.
Just when these hurdles seemed surmounted, another arose: the workers. Accustomed to building structures no taller than five stories, they were terrified of climbing the high scaffolds. Levy patiently reassured them, convincing them of the scaffolds’ safety.
Finally, the Piedade and Renascença were completed, ready for occupancy. But apartments were a foreign concept in Belém, and prejudice quickly emerged, with critics claiming they were unsuitable for the region’s hot climate. Undaunted, Levy took on the role of salesman, leveraging his charisma and trustworthiness to sell the units. His success in this endeavor marked another milestone: he became Pará’s first real estate developer, pioneering the construction and sale of high-rise residential spaces.
Levy’s achievements sparked a new sector in Pará’s economy, creating jobs for the state’s civil engineering graduates. For a century, from 1850 to 1950, these professionals were largely confined to public sector roles in state or municipal works departments. Levy’s buildings changed that, giving rise to a private construction industry that absorbed much of the region’s engineering talent.
The Piedade and Renascença launched Belém’s vertical growth, a process that, sadly, has spiraled out of control today. Due to government neglect, unchecked urban expansion now threatens the city’s residents. Yet, this does not diminish the legacy of pioneers like Judah Levy.
Before his death in early 2002 at age 85, in a high-rise apartment in the Edifício Nazaré—another of his creations—Levy would gaze out his window. He worried about the mistreatment of Belém’s trees but took pride in the city’s transformation. In an interview with the UFPA Engineering Memory Group, he reflected:
“When I look down and see Belém’s built-up area stretching to the Marco neighborhood, I feel no envy for my fellow engineers. I feel pride knowing a seed I planted is flourishing. They fought me, but I proved that heat doesn’t make high-rise living unsuitable for Belém.”
• Oswaldo Coimbra is a writer and journalist
Illustration: The Piedade, Belém’s first high-rise building, newly inaugurated
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