
Homem de confiança do papa Francisco, religioso de 77 anos ficará a cargo da administração do Vaticano, de organização do funeral do pontífice morto e do conclave para a escolha do novo chefe da Igreja Católica. O Cardeal Kevin Farrell, camerlengo da Câmara Apostólica, anunciou a morte do papa Francisco na Casa Santa Marta, em 21 de abril de 2025, na Cidade do Vaticano, Vaticano.
Getty Images via BBC
O período entre a morte de um papa e a eleição do seguinte, chamado de Sé Vacante, tem no comando do Vaticano um dos membros do colégio cardinalício, o chamado cardeal camerlengo. Desde 2019, quem ocupa o cargo é o irlandês Kevin Joseph Farrell.
Com a morte de Francisco, portanto, este religioso de 77 anos é o atual chefe interino da Igreja Católica. Homem de confiança do papa que acabou de morrer, ele também é o prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, uma instituição redesenhada pelo próprio argentino durante a reforma da Cúria Romana para melhorar o cuidado pastoral com os católicos não ordenados.
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“O cardeal Farrell tem um perfil discreto, um perfil muito de gerente, de administrador. Ele é conhecido como um bom administrador”, comenta à BBC News Brasil o vaticanista Filipe Domingues, professor na Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma, e diretor na instituição Lay Centre, também na capital italiana. “O papa [Francisco] confiou a ele [essa missão] justamente pela reputação que ele tem de ser um bom governante, vamos dizer assim.”
Professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, o teólogo e historiador Gerson Leite de Moraes afirma à BBC News Brasil que a carreira de Farrell demonstra um viés alinhado ao perfil de Francisco, o papa que morreu neste 21 de abril. “Francisco o escolheu, o colocou na condição de cardeal em 2016”, ressalta. “Isso mostra um alinhamento. E a própria trajetória dele, um irlandês que estudou na Espanha, depois passou pelo México, depois exerceu funções nos Estados Unidos. É um sujeito cosmopolita, bem alinhado às ideias de Francisco. Sua fidelidade a Francisco se deu em vida.”
Camerlengo
Como camerlengo, sua primeira função logo após a morte de um papa é justamente fazer o anúncio oficial dessa ocorrência. Isto é feito logo após uma verificação oficial, em que o religioso atesta que o sumo pontífice está morto. Farrell então, cumprindo o ritual, removeu o chamado “anel do pescador” do dedo de Francisco e o cortou com uma grande tesoura, tendo outros cardeais como testemunhas. Com a destruição do selo papal, que acontece em seguida, fica oficialmente encerrado o pontificado.
Só depois desse ritual tradicional é que o camerlengo fez as notificações de praxe, comunicando a Cúria Romana e as demais autoridades. O passo seguinte, trabalho de Farrell neste momento, é a preparação para o funeral de Francisco e, claro, a organização do novo conclave.
Enquanto um novo papa não for escolhido, Farrell é quem responde como chefe de Estado do Vaticano. Mas aqui reside uma particularidade: ele só pode responder por decisões terrenas. Afinal, é preciso lembrar que o Vaticano é uma cidade-Estado. Assim, o papa não é só o líder religioso dos católicos de todo o planeta mas também a autoridade máxima de uma micronação. Como camerlengo, Farrell só pode atuar nesta última seara. As decisões de aspectos religiosos ficam todas suspensas até que haja um novo sumo pontífice.
Em outras palavras, ele atua para manter a máquina pública funcionando. Mas não pode, por exemplo, publicar uma encíclica ou destituir um bispo.
“Ele é o responsável por conduzir a Igreja no período de Sé Vacante, mas com poderes limitados. Não pode tomar grandes decisões”, explica Domingues. Segundo o vaticanista, basicamente o que o camerlengo faz é cuidar “das coisas ligadas ao funeral à organização do conclave”. “Essa é a principal responsabilidade dele”, salienta.
Trajetória
Nascido em Dublin, Farrell estudou na Universidade de Salamanca, na Espanha, na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, na Pontifícia Universidade São Tomás de Aquino, também em Roma, e na Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos. É graduado em teologia e filosofia e tem mestrado em administração de empresas.
Religioso da Congregação dos Legionários de Cristo, ele foi ordenado padre em 1978. Logo que se tornou sacerdote, foi designado para atuar como capelão na Universidade de Monterrey, no México. Em seguida, como professor em seminários e escolas mantidas por sua congregação, trabalhou respectivamente na Itália, na Espanha e na Irlanda.
Em 1984 foi incardinado à arquidiocese de Washington, nos Estados Unidos. Isso significa que ele passou ter um regime de dedicação local, ou seja, enquanto esse regime não fosse modificado não seria de novo transferido para outra missão. Foi nomeado bispo em 2001.
Em 2016, Francisco nomeou-o prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida e, no mesmo ano, criou-o cardeal — recebeu Farrell o barrete em 19 de dezembro de 2016.
“Por sua história, ele sempre assumiu o perfil de quem resolve os problemas, de quem bota ordem na casa. Enfim, o papa o trouxe para o Vaticano para reformar esse dicastério, que foi um dicastério muito grande e precisava de muitas mudanças, precisava de uma gestão delicada”, diz Domingues. “Ele veio [ao Vaticano] para fazer isso.”
Francisco nomeou Farrell camerlengo em fevereiro de 2019 e, em 2022, o papa também o fez membro integrante da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos.
Há uma rara curiosidade em sua biografia. Seu irmão também ocupa alto cargo no Vaticano: o bispo Brian Farrell, de 81 anos, é secretário emérito do Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos.
Papável?
Apesar da exposição natural que Farrell tem nesse período, interna e externamente ao Vaticano, especialistas não acreditam que isso o transforme em um papável. Primeiramente porque os cardeais sabem claramente que este papel administrativo precisa ser desempenhado por alguém — isto faz parte da história da Igreja há séculos, desde que o cargo foi instituído, em 1440.
Em segundo lugar, o ponto mais importante: Farrell completará 78 anos em 2025. É uma idade vista como avançada demais para alguém ser eleito como papa.
“Eu não acho que ele automaticamente se torne papável”, pontua Domingues. “Teoricamente, todos [os cardeais] são [papáveis], mas acho que uns são mais do que outros. [Farrell] não está entre esses nomes. Por uma questão de idade, por ter uma trajetória americana, por uma série de coisas. Ele ser camerlengo não muda isso.”
“Lógico que os holofotes estão sobre ele. Mas a escolha de um papa passa por outras questões. E mesmo a figura do camerlengo, é uma função mais administrativa, uma função de organização mesmo. É bastante imprevisível que ele ganhe destaque [a ponto de se tornar papável]”, acredita Moraes.