O construtor deste prédio de Belém foi preso em campo de concentração

Durante a Segunda Guerra Mundial, imigrantes da Itália, do Japão e da Alemanha, foram confinados em campos de concentração, no Brasil, instalados por decisão do governo de Getúlio Vargas.

Mas este tema da História recente do Brasil permaneceu escondido durante décadas por um “misto de indiferença e de pruridos mal avaliados”.

Esta avaliação, feita por Ricardo Seitunfus, está no prefácio de um livro no qual o tema foi, por fim, corajosamente enfrentado: “Prisioneiros da Guerra –os “súditos do Eixo” nos campos de concentração brasileiros (1942-1945)”, escrito por Priscila Ferreira Perazzo, em2005.

Em oposição à indiferença do passado, ultimamente este assunto vem sendo estudado na academia, começa a ser abordado por revistas e aparece até na internet.

Mereceu uma tese de doutorado em História preparada por Marlene De Fáveri, e, um livro “O Canto do Vento”-, escrito pelo jornalista Camões Filho.

A revista “Conhecer”, da OnLine Editora, reservou 16 páginas à divulgação da pesquisa de Priscila, em sua edição número 47.

E na internet foram postadas informações retiradas de um estudo de Camila Taira, intitulado “Imigrantes no campo de concentração”, publicado pela revista Made in Japan, em novembro de 2009.

Os estudos de Priscila e de Camila abrangeram o campo de concentração instalado nas terras e nos prédios tomados pelo governo brasileiro da Companhia Nipônica de Plantação, em Tomé-Açu, no Pará, em meio a mais de uma dezena de locais de confinamento semelhantes, espalhados pelo país.

Para Tomé-Açu foram encaminhados imigrantes que moravam em Belém, Parintins e Manaus.

Ali os prisioneiros eram proibidos de manter qualquer tipo de comunicação com outros imigrantes e de falar e ensinar suas línguas de origem.

Segundo Camila, o confinamento dos imigrantes foi imposto como conseqüência da suspeita de existirem espiões entre eles.

A mesma suspeita, diz Camila, levou militares a agredirem imigrantes e a atear fogo nas casas de alguns deles, em Belém.

Numa edição monotemática da Revista Conhecer (Ano 6 – Nº 47) dedicada à pesquisa sobre os campos de concentração, na Segunda Guerra Mundial, Gabriela Gervason assinou uma matéria com o título “Os campos brasileiros”.

Em seu texto, ela revelou que o isolamento natural do campo de concentração de Tomé-Açu “dificultava a adaptação dos prisioneiros”.

E que eles sofriam com o clima equatorial, pois o suportavam em condições perniciosas “que desrespeitavam a Convenção de Genebra”.

Sequer de lugares apropriados para dormirem e para se alimentarem eles dispunham.

Um caso escandaloso de confinamento em Tomé-Açu foi o do engenheiro alemão Oswald Massler.

Ele era uma pessoa “de grande valor, que projetava prédios muito bem, e, desenhava de modo magnífico”, segundo testemunhou o também engenheiro e ex-prefeito do campus da UFPA, em Belém, Osmar Pinheiro de Souza, em depoimento dado ao Grupo de Memória da Engenharia.

Foi Massler quem construiu dois dos mais bonitos prédios da avenida nobre de Belém, como era considerada a Presidente Vargas. Infelizmente, ambos, mais tarde, foram vitimados pela violência cretina com que são tratados nossos bens arquitetônicos valiosos.

Em1934, o prédio da ACP – Associação Comercial do Pará, na esquina da Rua Santo Antônio. Infelizmente, o uso que fez dele a Secretaria de Finanças, da Prefeitura de Belém, deteriorou-o. Hoje, irreconhecível, ele é mostrado no Google Maps ridiculamente pintado de amarelo.

E, em1940, o prédio da Booth Line, empresa de navegação de origem inglesa, fundada em1888.

Este último prédio, demolido, cedeu lugar a outro inexpressivo “espigão” da cidade, o destinado ao Ministério da Fazenda.

Massler ficou confinado em Tomé-Açu durante os anos de 1942, 1943, 1944 e 1945.

Só foi libertado, com o final da guerra.

Priscila em seu livro o menciona indiretamente ao referir-se a “uma escola para 50 alunos, montada como auxílio de um engenheiro alemão interno”, em Tomé-Açu.

O mais espantoso aconteceu após a libertação do engenheiro.

Para que pudesse, finalmente, retomar suas atividades profissionais, o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura–CREA/PA, exigiu que Massler pagasse todas as taxas correspondentes aos 4anos de seu aprisionamento, acrescidas de todas as multas impostas por atrasos.

Esta decisão, hoje chocante, está registrada na ata da 17ª reunião dos conselheiros do CREA/PA, ocorrida no dia 20 de novembro de1945.

Cinqüenta anos mais tarde, nos anos de 1990, a situação enfrentada por Massler foi lembrada por outros dois depoentes, ouvidos pelo Grupo de Memória da Engenharia, da UFPA.

Ambos, coincidentemente, com motivos pessoais para odiar os alemães.

O primeiro depoente, JudahLevy, era judeu, e, havia construído sinagogas em Belém.

Ele conheceu bem Massler, pois, estudara no Ginásio Paes de Carvalho com a jovem que se tornou esposa do alemão.

Judah, contudo, lamentou que em Belém “se falasse mal de alguém e se combatesse uma pessoa apenas por ela ser alemã”.

Para Judah, Massler “era muito correto”.

O segundo depoente, o arquiteto Paul Albuquerque, era filho de um engenheiro e empresário: Manuel Albuquerque.

O pai de Paul sofreu grande prejuízo quando um de seus navios foi afundado por soldados alemães.

Paul, porém, garantiu:

– Massler nada tinha a ver com a guerra, tanto que trabalhou com meu pai.

Depois, Paul acrescentou, indignado:

– Massler era casado com uma paraense, teve filhos paraenses. E foi muito maltratado em Tomé-Açu.

  • Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista

Translation (tradução)

THE BUILDER OF THIS BUILDING IN BELÉM WAS IMPRISONED IN A CONCENTRATION CAMP

During World War II, immigrants from Italy, Japan, and Germany were confined in concentration camps in Brazil, established by decision of President Getúlio Vargas’s government.

However, this chapter of Brazil’s recent history remained hidden for decades due to a “mix of indifference and poorly assessed scruples.”

This assessment, made by Ricardo Seitunfus, appears in the preface to a book that finally and courageously confronted the issue: Prisoners of War – the ‘Axis subjects’ in Brazilian concentration camps (1942–1945), written by Priscila Ferreira Perazzo in 2005.

In contrast to the past indifference, this subject has recently gained attention in academic research, started appearing in magazines, and even surfaced online.

It inspired a doctoral thesis in History by Marlene De Fáveri, and a book titled O Canto do Vento (The Song of the Wind), written by journalist Camões Filho.

The magazine Conhecer, published by OnLine Editora, dedicated 16 pages to disseminating Priscila’s research in its 47th edition.

Online, information drawn from a study by Camila Taira titled Immigrants in the Concentration Camp, published in the Made in Japan magazine in November 2009, has been shared.

Priscila’s and Camila’s research covered the concentration camp installed on lands and buildings confiscated by the Brazilian government from the Nippon Plantation Company in Tomé-Açu, Pará—one of more than a dozen similar detention sites scattered across the country.

Immigrants from Belém, Parintins, and Manaus were sent to Tomé-Açu.

There, prisoners were prohibited from maintaining any communication with other immigrants and from speaking or teaching their native languages.

According to Camila, the immigrants’ confinement was due to suspicions that spies might be among them.

This same suspicion, she says, led the military to assault immigrants and even set fire to some of their homes in Belém.

In a special edition of Revista Conhecer (Year 6 – No. 47) dedicated to research on concentration camps during World War II, Gabriela Gervason wrote an article titled The Brazilian Camps. In her text, she revealed that the natural isolation of the Tomé-Açu camp “made prisoners’ adaptation more difficult.”

They also suffered under the equatorial climate in unhealthy conditions “that violated the Geneva Convention.”

They didn’t even have appropriate places to sleep or eat.

A scandalous case of imprisonment in Tomé-Açu was that of German engineer Oswald Massler.

He was described as a man “of great value, who designed buildings very well and drew magnificently,” according to the testimony of fellow engineer and former UFPA campus mayor in Belém, Osmar Pinheiro de Souza, given to the Engineering Memory Group.

Massler was responsible for building two of the most beautiful buildings on what was once Belém’s most prestigious avenue, Presidente Vargas. Sadly, both were later lost to the careless destruction of Brazil’s architectural heritage.

In 1934, he built the headquarters of ACP – the Commercial Association of Pará, on the corner of Santo Antônio Street.

Unfortunately, the building was deteriorated by the misuse of the Belém City Hall’s Finance Department.

Today, it’s unrecognizable—ridiculously painted yellow, as seen on Google Maps.

And in 1940, he built the Booth Line building, originally an English shipping company founded in 1888.

That second building was demolished to make way for another bland “skyscraper,” which now houses the Ministry of Finance.

Massler was confined in Tomé-Açu from 1942 through 1945.

He was only released at the end of the war.

Priscila indirectly mentions him in her book, referring to “a school for 50 students, set up with the help of an interned German engineer,” in Tomé-Açu.

What happened after his release was even more shocking.

To resume his professional activities, the Regional Engineering and Architecture Council—CREA/PA—demanded that Massler pay all the registration fees corresponding to the four years he was imprisoned, along with late penalties.

This outrageous decision is documented in the minutes of the 17th meeting of CREA/PA’s council, held on November 20, 1945.

Fifty years later, in the 1990s, Massler’s ordeal was recalled by two witnesses interviewed by UFPA’s Engineering Memory Group.

Coincidentally, both had personal reasons to resent Germans.
The first, Judah Levy, was Jewish and had built synagogues in Belém.

He knew Massler well, as he had attended Paes de Carvalho High School with the young woman who would become Massler’s wife.

Judah nonetheless lamented that in Belém “people spoke ill of someone and persecuted a person just for being German.”

To Judah, Massler “was a very decent man.”

The second witness, architect Paul Albuquerque, was the son of engineer and businessman Manuel Albuquerque.

Paul’s father suffered great loss when one of his ships was sunk by German soldiers.
Still, Paul firmly stated:

“Massler had nothing to do with the war. In fact, he worked with my father.”

Then he added, indignantly:

“Massler was married to a woman from Pará and had children from Pará. And he was terribly mistreated in Tomé-Açu.” (Illustration: The building of the Commercial Association of Pará in its original form)

*Oswaldo Coimbra is a writer and journalist

(Illustration: The building of the Commercial Association of Pará in its original form)

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