
Órgãos têm 20 dias para explicar o que sabem sobre possível hackeamento de autoridades paraguaias. Na semana passada, chefes mais recentes da Abin prestaram depoimentos à PF. O presidente da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) do Congresso Nacional, Filipe Barros (PL-PR), afirmou esta semana ao g1 que aguarda respostas da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e da Polícia Federal sobre o caso de suposta espionagem ilegal da Abin ao Paraguai.
Camarotti: percepção dentro do governo é que suspeita de espionagem na Abin é lamentável
“A gente vai esperar a resposta [aos requerimentos solicitados] para ver quais os próximos encaminhamentos podemos tomar”, afirmou Barros.
Brasil x Paraguai: entenda impasse envolvendo Itaipu e acusação de ataque hacker
A fala foi dada após o deputado ser questionado pela equipe do g1 se a comissão poderia solicitar acesso aos depoimentos do diretor-geral da Abin, Luis Fernando Corrêa, e o ex-diretor-geral, Alessandro Moretti, à Polícia Federal no último dia 18.
Na última reunião da comissão, em 9 de abril, os membros aprovaram requerimentos para que tanto o diretor-geral da Abin, Luiz Fernando Corrêa, quanto o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, prestem informações sobre a atuação de seus órgãos junto a hidrelétrica de Itaipu.
Os órgãos têm até 20 dias para responder a demanda, que foi enviada pela Comissão em 11 de abril. Ou seja, eles podem responder até o dia 30 de abril.
O caso
Um funcionário da Abin afirmou em depoimento à PF que a atual gestão da agência manteve operações de invasão hacker a sistemas do governo do Paraguai, inclusive do Congresso, da Presidência da República e de autoridades envolvidas nas negociações da usina de Itaipu.
O servidor disse que o ataque começou ainda no governo Jair Bolsonaro, mas que continuou durante o governo Lula, com autorização expressa do atual diretor da Abin, Luiz Fernando Corrêa, e do diretor interino Saulo de Cunha Moura, que ocupou o cargo entre março e maio de 2023.
Segundo o depoimento, a ação tinha como objetivo obter dados sigilosos sobre valores em negociação no Anexo C do Tratado de Itaipu.
🔍O Anexo C do Tratado de Itaipu estabelece as bases financeiras e de prestação de serviços de eletricidade da usina hidrelétrica binacional, incluindo a fórmula para o cálculo do preço da energia produzida. Esse anexo prevê que, após 50 anos de vigência, suas cláusulas podem ser revistas, o que ocorreu em abril de 2023.
O funcionário relatou o uso de ferramentas de intrusão como Cobalt Strike e o envio de e-mails com engenharia social para capturar senhas, cookies de sessão e acessos de autoridades paraguaias.
Entenda: O que é Cobalt Strike, programa citado em depoimento sobre monitoramento da Abin ao Paraguai
O servidor disse que as ações foram executadas a partir de servidores hospedados no Panamá e no Chile, e que as ferramentas foram apresentadas em reuniões internas da Abin, com aprovação da alta cúpula.
“O objeto da operação era a obtenção dos valores que seriam negociados do Anexo C […]. Foram alvos o presidente do Paraguai, o presidente do Senado e autoridades relacionadas diretamente à negociação”, disse o servidor à PF.
O governo paraguaio chegou a convocar o embaixador brasileiro em Assunção para discutir o tema, e o Ministério Público paraguaio abriu uma investigação sobre o tema.
Embaixador do Brasil no Paraguai se reúne com autoridades do país para tratar de denúncia de monitoramento da Abin
Divulgação
Já o governo brasileiro divulgou nota após as informações sobre a ação da Abin se tornarem públicas, afirmando que não patrocinou espionagem e que interrompeu as ações assim que tomou conhecimento da existência delas.
“A citada operação foi autorizada pelo governo anterior, em junho de 2022, e tornada sem efeito pelo diretor interino da ABIN em 27 de março de 2023, tão logo a atual gestão tomou conhecimento do fato.”
A nota afirma que o atual diretor-geral da Abin, Luiz Fernando Corrêa, só assumiu oficialmente em 29 de maio de 2023, quando seu nome foi aprovado pelo Senado, e que a operação já havia sido interrompida antes disso.
“O governo do Presidente Lula reitera seu compromisso com o respeito e o diálogo transparente como elementos fundamentais nas relações diplomáticas com o Paraguai e com todos seus parceiros na região e no mundo.”
Crise entre PF e Abin é ‘lamentável’ e expõe o setor de inteligência do governo, avalia Planalto
Impactos diplomáticos
O senador Esperidião Amin (PP-SC), autor do pedido feito à Abin, solicita que sejam encaminhados “todos os relatórios de inteligência, ou informações produzidas ou recebidas pela ABIN, que tenham relação com as negociações de revisão do Anexo C, do tratado de Itaipu, envolvendo o Brasil e o Paraguai”.
Além disso, Amin pede que o órgão responda se “houve algum tipo de espionagem ou invasão a dispositivos de tráfego de dados de propriedade da República do Paraguai”.
“A gravidade dessas denúncias e seus potenciais impactos nas relações diplomáticas entre Brasil e Paraguai tornam imprescindível que esta Comissão obtenha informações detalhadas sobre a veracidade das notícias e sobre a atuação da nossa Agência Brasileira de Inteligência em relação aos fatos noticiados”, afirmou o senador.
Já o próprio presidente da Comissão, Filipe Barros, foi o responsável pela outra solicitação feita à PF questionando o que a instituição sabe a respeito do possível hackeamento de autoridades paraguaias.
“É imprescindível que o Congresso Nacional obtenha informações detalhadas sobre documentos produzidos no âmbito do Departamento de Polícia Federal sobre o assunto. O esclarecimento dos fatos é essencial para garantir a integridade das instituições brasileiras e preservar os princípios de soberania e respeito mútuo que regem as relações internacionais”, disse o presidente.
Leia também:
Espionagem da Abin ao Paraguai: entenda as regras internacionais sobre a prática e possíveis consequências