O paraense genial que é desconhecido na sua terra

Quando, em 1969, escreveu o capítulo sobre o paraense Aarão Leal de Carvalho Reis, em seu livro “Vultos notáveis do Pará”, Ricardo Borges estava indignado.

Ele encerrou sua obra dizendo o seguinte:

– Aarão Reis viveu trabalhando em benefício do país e honrando o Pará. Construiu uma das mais formosas e maiores capitais do seu País e foi emérito professor. No entanto, é olvidado, como se nunca existisse, no Estado e na cidade em que nasceu.

 De fato, em vários campos, gozou de reconhecimento nacional este belenense, nascido no dia 6 de maio de 1853.

Isto se pode perceber, em sua biografia, pelos altos cargos que ocupou.

Aarão dirigiu a Estrada de Ferro Central do Brasil, o Lloyd Brasileiro, o Banco do Brasil, o Automóvel Clube do Brasil, a Secretaria Estadual de Obras Públicas do Rio de Janeiro.

Na secretaria do Rio ocupou também o cargo de engenheiro-chefe da Estrada de Ferro de Tijuca.

A parte da história de Aarão ocorrida no Rio de Janeiro, contudo, havia começado muito antes.

Jovem ainda, naquela cidade, ele foi aluno da mais importante escola da História do Ensino de Engenharia no Brasil – a Politécnica.

Esta é a única escola que ocupa 25 páginas do valorizado livro de Pedro Carlos da Silva Telles, “História da Engenharia no Brasil – Séculos XVI a XIX”.

Na Politécnica, Aarão se formou engenheiro geógrafo, em 1872.

Se tornou também bacharel em Ciências Físicas e Matemáticas, em 1873.

E, ainda, engenheiro civil, em 1874.

Depois de formado, não saiu da escola.

E, ali, ganharia grande prestígio, entre alunos e colegas, como professor.

Fora da escola, uma relevante e variada produção intelectual projetaria seu nome em várias áreas.

Por exemplo, ele foi autor pioneiro no Brasil na área da Engenharia Elétrica.

Escreveu as obras: “A Luz Elétrica pelo Sistema Edison Aplicada à Iluminação Particular”, “A Transmissão e a Distribuição Elétrica de Força”, e, “A Eletricidade em 1886, em que foi pioneiro no Brasil.

Para o campo da Engenharia Civil, escreveu “A Engenharia e as Obras Públicas no Brasil”.

Sua produção intelectual alcançou também o campo da Educação.

Criou obras sobre Álgebra e Aritmética para o Ensino Médio.

E para a área da Educação Universitária, os livros: “A instrução superior no Império”, e, “Direito Administrativo Brasileiro”.

Mas, o grande livro dele, segundo o diretor da Faculdade de Ciências Econômicas de Juiz de Fora, Henderson Marques Lopes, foi o que Aarão destinou para o campo da Economia: “Economia Política, Finanças e Contabilidade”.

Num ensaio sobre este último livro, Lopes assinala que, no momento no qual se discutia, no Brasil, a questão da escravidão, Aarão considerou a liberdade humana como fundamental para o equilíbrio social.

E defendeu o ensino primário público e gratuito.

Outra demonstração da ebulição intelectual intensa do paraense: seu interesse pelo Esperanto, a língua internacional criada pelo médico polonês Lázaro Luiz Zamenhof.

Reis chegou a conhecê-la tão profundamente que preparou um parecer para o Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, sob o título “O Esperanto como língua auxiliar comum a todos os povos”.

Não foi à toa, portanto, que Pedro Telles, na sua obra clássica, colocou Aarão Reis ao lado de Paulo Frontin, diretor da Escola Politécnica por 15 anos e Patrono da Engenharia Brasileira.

E, do erudito André Rebouças que se distinguiu como engenheiro, matemático, astrônomo, botânico, geólogo, higienista, moralista, filantropo, poeta e filósofo.

Referindo-se aos três, Telles diz no seu livro:

– A Escola Politécnica teve professores notáveis, verdadeiros expoentes da Ciência e da Engenharia de seu tempo.

O trabalho mais notável de Aarão, contudo, como registrou Ricardo Borges, no livro citado, foi o que vinculou Belo Horizonte “indelevelmente à História do Pará”.

Ele o realizou quando a cidade mineira recebeu o status de capital de Minas Gerais, arrebatando este título de Ouro Preto.

Inicialmente, coube a Aarão Reis chefiar, em 1893, a comissão que escolheu o local apropriado para a nova capital mineira.

 Depois, ele elaborou o projeto urbanístico dela.

Por causa deste trabalho, Aarão é considerado como um precursor do Urbanismo no Brasil.

Assim, o considera, por exemplo, o engenheiro e administrador Moacir Malheiros da Silva, num artigo publicado pela Revista do Clube de Engenharia, do Rio de Janeiro, em 1953.

 Pelos trabalhos que recebeu de Aarão, Belo Horizonte soube ser grata. Na cidade existe uma Avenida Aarão Reis. E dois de seus bairros se chamam Aarão Reis, e, Nova Chácara Aarão Reis.

O mesmo não ocorreu no Pará.

Aarão fez o planejamento urbano da cidade de Soure. E representou o Pará com brilho em duas legislaturas do Congresso Nacional.

No entanto, nem em Belém, onde ele nasceu, há sequer um beco escuro com o nome dele.

Por isto, no seu livro, Ricardo Borges advertiu:

–  O povo que não conserva a reverência à memória de seus antepassados insignes, perde o direito de se melindrar por ofensas à sua dignidade e vida.

  Mas, quem se importa com isto?

 Aliás, alguém conhece Ricardo Borges?

*Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista

Translation (tradução)

The Brilliant Paraense

Forgotten in His Homeland

When, in 1969, Ricardo Borges wrote the chapter on Aarão Leal de Carvalho Reis from Pará in his book Notable Figures of Pará, he was indignant.

He ended his work with the following statement:

“Aarão Reis lived working for the benefit of the country and honoring Pará. He built one of the most beautiful and largest capitals of his country and was a distinguished professor. Yet, he is forgotten, as if he never existed, in the state and city where he was born.”

Indeed, this native of Belém, born on May 6, 1853, was nationally recognized in various fields.

This is evident in his biography, considering the prominent positions he held.

Aarão headed the Central Railroad of Brazil, the Lloyd Brasileiro shipping company, the Bank of Brazil, the Brazilian Automobile Club, and the State Department of Public Works of Rio de Janeiro.

Within that department, he also served as the chief engineer of the Tijuca Railway.

However, Aarão’s history in Rio de Janeiro had begun much earlier.

Still young, he enrolled at the most important school in the history of engineering education in Brazil: the Polytechnic School.

This is the only school that occupies 25 pages in the renowned book by Pedro Carlos da Silva Telles, History of Engineering in Brazil – 16th to 19th Centuries.

At the Polytechnic, Aarão graduated as a geographic engineer in 1872.

He also earned a bachelor’s degree in Physical and Mathematical Sciences in 1873.

And a degree in Civil Engineering in 1874.

After graduating, he never left the school.

There, he gained great prestige among students and colleagues as a professor.

Outside the school, a relevant and diverse intellectual production brought recognition to his name in several fields.

For example, he was a pioneering author in Brazil in the field of Electrical Engineering.

He wrote the works Electric Light through the Edison System Applied to Private Lighting, The Electrical Transmission and Distribution of Power, and Electricity in 1886, in which he was a national pioneer.

For Civil Engineering, he wrote Engineering and Public Works in Brazil.

His intellectual contributions also extended to the field of Education.

He authored books on Algebra and Arithmetic for high school.

And for higher education, the books Higher Education in the Empire and Brazilian Administrative Law.

However, according to Henderson Marques Lopes, director of the School of Economic Sciences in Juiz de Fora, his greatest book was the one he dedicated to the field of Economics: Political Economy, Finance, and Accounting.

In an essay on this last book, Lopes noted that, during the period when Brazil was debating slavery, Aarão considered human freedom essential to social balance.

And he defended free and public primary education.

Another sign of this Paraense’s intense intellectual activity was his interest in Esperanto, the international language created by Polish doctor L. L. Zamenhof.

Reis studied the language so thoroughly that he prepared a report for the Engineering Club of Rio de Janeiro titled Esperanto as a Common Auxiliary Language for All Peoples.

It is no wonder, then, that Pedro Telles, in his classic work, placed Aarão Reis alongside Paulo Frontin, who directed the Polytechnic School for 15 years and is considered a Patron of Brazilian Engineering.

And alongside the scholar André Rebouças, renowned as an engineer, mathematician, astronomer, botanist, geologist, hygienist, moralist, philanthropist, poet, and philosopher.

Referring to the three, Telles wrote in his book:

“The Polytechnic School had remarkable professors, true exponents of the Science and Engineering of their time.”

Aarão’s most notable work, however, as recorded by Ricardo Borges in the aforementioned book, was the one that linked Belo Horizonte “indelibly to the History of Pará.”

He accomplished this when the Minas Gerais city received the status of state capital, taking the title away from Ouro Preto.

Initially, in 1893, Aarão Reis led the commission that chose the appropriate location for the new capital of Minas Gerais.

Then, he developed its urban plan.

Because of this work, Aarão is considered a forerunner of Urbanism in Brazil.

This is the view of engineer and administrator Moacir Malheiros da Silva, in an article published by the Engineering Club of Rio de Janeiro in 1953.

For the works he delivered, Belo Horizonte knew how to be grateful. The city has an Avenida Aarão Reis, and two of its neighborhoods are called Aarão Reis and Nova Chácara Aarão Reis.

The same did not happen in Pará.

Aarão developed the urban plan for the town of Soure and represented Pará with distinction in two terms in the National Congress.

Yet not even in Belém, where he was born, is there so much as a dark alley bearing his name.

That is why Ricardo Borges warned in his book:

“A people that does not preserve reverence for the memory of its illustrious ancestors loses the right to be offended by insults to its dignity and existence.”

But who cares about that?

By the way, does anyone even know who Ricardo Borges is?

*Oswaldo Coimbra is a writer and journalist

The post O paraense genial que é desconhecido na sua terra appeared first on Ver-o-Fato.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.