Lopes: A concentração do mercado de telecom pode ser inevitável na América Latina

Ari Lopes * – Nos últimos anos, houve diversos eventos que aumentaram o volume das discussões sobre concentração de mercado na América Latina. Os casos da Oi no Brasil, da WOM no Chile e Peru, da Digicel no Panamá e diversas vendas da Telefónica em sua unidade HISPAM, para citar alguns, têm levado os reguladores a se preocuparem com a diminuição do número de competidores em seus países, mas nem sempre essas discussões levam em conta a questão da sustentabilidade dessas empresas.

Tipicamente essas preocupações são focadas sobre os potenciais impactos de uma redução no número de concorrentes. No entanto, a realidade é que há poucas novas empresa dispostas a entrar na região e várias operadoras estabelecidas estão lutando para apresentar resultados operacionais satisfatórios, o que as impede de se tornarem realmente concorrentes eficazes no mercado. Consequentemente vários competidores estão avaliando acordos de fusões e aquisições para reavivar suas perspectivas.

No final das contas, a questão a ser respondida é o que é melhor, restringir a concentração de mercado e deixar no mercado alguns competidores incapazes de acompanhar as necessidades de investimento, ou permitir a concentração em favor de empresas financeiramente mais viáveis, ao mesmo tempo em que se implementam medidas para prevenir comportamentos abusivos?

Baixo crescimento, investimentos reduzidos

Análise da Omdia demonstra que há sinais de que as condições de mercado são desafiantes para muitas operadoras. O baixo crescimento da receita, as guerras de preços em mercados importantes, a queda de investimentos e a falta de interesse de novos players podem levar à inevitável concentração do mercado.

As receitas do setor estão crescendo lentamente, ou até mesmo diminuindo, em muitos mercados da América Latina. De acordo com a Omdia, a receita total de telecomunicações na região cresceu apenas 0,8% em 2024, serviços fixos apresentaram um desempenho um pouco melhor, crescendo 1,1%, mas as receitas móveis cresceram apenas 0,5%. Notadamente, o 5G não conseguiu impactar positivamente as receitas móveis até o momento, enquanto a demanda por FTTH transformou a banda larga fixa no principal motor de crescimento do setor. Além disso, em muitos países da região, os ARPUs não estão acompanhando as taxas de inflação. Uma das poucas exceções é o mercado móvel no Brasil, onde o ARPU móvel cresceu acima da inflação após vários anos sem conseguir fazê-lo.

A concorrência em alguns mercados atingiu um ponto em que várias operadoras estão presas em uma situação de baixas margens de EBITDA, baixa participação de mercado e crescimento lento; nesses casos, restam poucas alternativas a esses players além de fusões e aquisições. Exemplos são Chile e Peru, devido aos níveis altamente competitivos.

Outra consequência das difíceis condições de mercado é a redução de investimentos. Alguns dos principais grupos estão em meio a um ciclo de redução de investimentos que durará até 2026. Grupos como América Móvil e Telefónica têm uma projeção para reduzir a intensidade de CAPEX para o período de 2024 a 2026, por exemplo. A Omdia monitora o CAPEX de 16 países da região e observou uma redução de 14% em 2024, em relação ao ano anterior. Isso se deveu, em parte, às desvalorizações cambiais em relação ao dólar americano no final do ano, mas este não é o único motivo. Os principais mercados da região concluíram as fases mais intensas de implantação do 5G, e o FTTH, embora ainda gere investimentos importantes, também está chegando a um ponto em que muitas operadoras querem priorizar taxas de ocupação em vez de expandir a cobertura.

Escala importa

A Omdia estimou a participação de mercado e as margens de EBITDA de uma seleção de operadoras de telefonia móvel, e a análise resultante mostra que a escala importa. Geralmente, operadoras com a maior participação de mercado alcançam as maiores margens de EBITDA. Considerando os benefícios da escala, isso parece lógico, mas a principal preocupação surge ao analisar as demais operadoras. Alguns países têm um mercado saudável, mesmo operadoras em segundo e terceiro lugares também apresentam margens EBITDA razoáveis, no Brasil, por exemplo, todas as três principais operadoras, Vivo, Claro e TIM, apresentam margens de EBITDA acima de 40%. No entanto, outros países, como México, Chile e Peru, têm algumas das operadoras com as menores margens de EBITDA da amostra.

 

Participação de mercado móvel vs Margem EBITDA, operadoras selecionadas, 2024
Participação de mercado móvel vs Margem EBITDA, operadoras selecionadas, 2024

A análise sugere que operadoras com participação de mercado abaixo de 30% têm maior probabilidade de apresentar margens de EBITDA também abaixo de 30%, algumas delas com margens de até 9%. Portanto, não é coincidência que operadoras tenham enfrentado dificuldades nos últimos anos.

Um exemplo das consequências da falta de escala são as unidades da Telefónica na América Latina, com exceção do Brasil. A Telefónica HISPAM não conseguiu atingir escala em vários mercados latino-americanos, com margens de EBITDA bem abaixo de grupos comparáveis, como América Móvil, Liberty LATAM e Millicom, portanto, não é de se estranhar a decisão de vender suas unidades.

Conclusões

Além da discussão de número mínimo de competidores, é preciso levar em conta as condições objetivas de sustentabilidade dessas empresas. A concentração de mercado pode ser inevitável, mas não necessariamente indesejável, se levar a empresas mais sustentáveis. As autoridades de concorrência podem ver a concentração como uma ameaça aos seus mercados; no entanto, operadoras que não conseguem atingir escala podem ter dificuldades para manter os níveis de investimento, o que, por sua vez, prejudica sua capacidade de competir de forma eficiente.

Há casos que mostram que a combinação de altos níveis de concorrência, baixo crescimento e guerras de preços está colocando operadoras sob pressão, a ponto de grupos de relevo, como a Telefónica, decidirem pela saída de alguns mercados.

Portanto, é necessária que a discussão inclua o tema sobre o que é preferível: concentração de mercado em torno de poucas operadoras, mas financeiramente sólidas, ou fragmentação envolvendo grupos mais frágeis.

 

* Ari Lopes, Practice Leader, Service Providers Markets, Americas da OMDIA

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