Um cientista do Marajó trouxe a Eletrotécnica para o Brasil

Quem conhece o Rio de Janeiro sabe que a Barra da Tijuca é uma área da cidade onde se concentram condomínios de luxo.

Quem conhece bem a ex-capital do Brasil sabe que perto daquela área, há outra, a do bairro do Joá, onde se instalaram os habitantes da cidade com maior nível de renda.

Lá, estão as mais suntuosas mansões do Rio de Janeiro.

Quase ninguém sabe, porém, que uma parte dos moradores destas mansões usam o nome de um paraense para localizar a rua na qual residem.

No Joá, ao lado da Rua Jackson de Figueiredo, que homenageia um dos leigos mais importantes da História da Igreja Católica, no Brasil, e, da Rua Pascoal Segreto – um tributo a quem levou as primeiras projeções cinematográficas para o Rio de Janeiro, em 1897 -, há a Rua Professor Pantoja Leite.

Para os cariocas, Pantoja Leite não foi apenas um docente da Escola Politécnica – o mais importante centro de ensino da História da Engenharia Brasileira.

Mas aquele que introduziu, no Brasil, em 1911, os estudos de Eletrotécnica – o campo da Engenharia que tornou possível projetar, instalar e operar equipamentos de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica.

É ao engenheiro eletricista que cabe garantir o funcionamento regular da iluminação pública, o que inclui o controle de geradores, de transformadores e de redes elétricas.

Os sistemas de automatização das usinas hidrelétricas e termoelétricas foram inventados pelos pesquisadores do campo da Eletrotécnica. 

No livro “História da Engenharia no Brasil (Séculos XVI a XIX)”, escrito pelo professor da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Pedro Carlos da Silva Telles, o nome de José Pantoja Leite aparece como o de um dos catedráticos da Politécnica, no ano em que a instituição completou 50 anos de funcionamento, 1924.

Mais tarde, a Politécnica foi incorporada à instituição de Pedro Telles, a UFRJ.

Outro pesquisador da História das Ciências, no Brasil, Antônio Paim, menciona Pantoja Leite, como um dos 69 membros da Academia Brasileira de Ciência, no ano de 1942, em seu ensaio “Por uma universidade no Rio de Janeiro”, publicado numa obra – “Universidades e Instituições Científicas no Rio de Janeiro” – organizada por Simon Schwartzman, para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, em 1982.

Mas não apenas estes pesquisadores reconheceram a importância do engenheiro paraense.

Também dois chefes da Nação, em momentos completamente diferentes da vida nacional.

Em 1906, quando a borracha extraída das florestas amazônicas correspondia a 97% da produção mundial, a administração do presidente da República, Rodrigues Alves dispunha de recursos que permitiram a ele realizar muitas obras, a ponto de poder desfrutar do título de “o grande presidente”.

Neste período, foi realizada a reforma urbana da, então, capital do país, o Rio de Janeiro, pelo prefeito Pereira Passos, a qual incluiu a melhoria de estradas de ferro e a construção do Teatro Municipal.

Naquele ano, no dia 18 de setembro, o Diário da União publicou um decreto – o de número 1.506 -, assinado três dias antes, por Rodrigues Alves, com o seguinte teor:

“Art. 1º – Fica o Presidente da República autorizado a conceder ao Dr. José Pantoja Leite o prêmio de viagem a que tem direito, sendo-lhe dada para a sua manutenção a quantia de 4:200$, ouro, devendo ser pagos nesta espécie todos os prêmios de viagem”.

Trinta e cinco anos depois, o Brasil vivia sob o regime político centralizador e autoritário, comandado por Getúlio Vargas, desde 1937, o Estado Novo.

Contudo, o país dispunha de um ministro da Educação, Gustavo Capanema que havia se cercado de artistas e intelectuais do porte de Carlos Drummond de Andrade, seu chefe de gabinete.

Os dois – Getúlio Vargas e Gustavo Capanema – autorizaram, no dia 21 de novembro de 1941, através de uma resolução, publicada no Diário da União, três dias depois, a destinação de verbas para cientistas e artistas das Escolas Nacionais de Belas Artes, de Minas e Metalurgia e de Engenharia.

A João Pantoja Leite coube a importância de 9.600$000 réis.

Pantoja Leite nasceu na Ilha de Marajó, no ano de 1876, como lembra a Enciclopédia Viva, de O Portal da Educação.

Se no Rio de Janeiro sua origem é, possivelmente, desconhecida, no Pará ele próprio é ignorado.

Desde a última vez em que alguém se lembrou dele em nosso Estado já transcorreram noventa e um anos.

Naquela ocasião seu nome foi evocado por ninguém menos que Francisco Bolonha.

O construtor do Palacete e da Vila Bolonha, consciente do que significava pertencer à Escola Politécnica do Rio de Janeiro, teve o cuidado de divulgar os nomes dos paraenses ligados àquela instituição, através de um texto publicado na edição de 22 de julho de 1933 da Folha do Norte.

Bolonha se envaidecia por ter sido apenas aluno da Politécnica.

Por isto, não escondeu seu orgulho por poder inserir naquele texto um trecho que dizia:

José Pantoja Leite, professor de Eletrotécnica”.

*Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista

Translation (tradução)

A Scientist from Marajó Brought Electrotechnics to Brazil

Anyone familiar with Rio de Janeiro knows that Barra da Tijuca is an area of the city where luxury condominiums are concentrated.

Those who know the former capital of Brazil well are also aware that near this area lies the neighborhood of Joá, home to some of the city’s wealthiest residents.

There, you will find the most lavish mansions in Rio de Janeiro.

However, few people know that some of the residents of these mansions live on a street named after a man from the state of Pará.

In Joá, next to Jackson de Figueiredo Street—named after one of the most important lay figures in the history of the Catholic Church in Brazil—and Pascoal Segreto Street—a tribute to the man who brought the first film screenings to Rio de Janeiro in 1897—there is Professor Pantoja Leite Street.

To the people of Rio, Pantoja Leite was not just a professor at the Polytechnic School—the most important engineering institution in Brazilian history.

He was also the person who introduced the study of Electrotechnics in Brazil in 1911—the branch of engineering that made it possible to design, install, and operate systems for the generation, transmission, and distribution of electric power.

It is the electrical engineer’s responsibility to ensure the regular functioning of public lighting, including the control of generators, transformers, and power grids.

The automation systems used in hydroelectric and thermoelectric plants were developed by researchers in the field of Electrotechnics.

In the book History of Engineering in Brazil (16th to 19th Centuries), written by Pedro Carlos da Silva Telles, a professor at the School of Engineering of the Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ), José Pantoja Leite is listed as one of the professors at the Polytechnic School in 1924—the year the institution celebrated its 50th anniversary.

Later, the Polytechnic School was incorporated into Pedro Telles’s university, UFRJ.

Another researcher in the history of science in Brazil, Antônio Paim, mentions Pantoja Leite as one of the 69 members of the Brazilian Academy of Sciences in 1942, in his essay For a University in Rio de Janeiro, published in the book Universities and Scientific Institutions in Rio de Janeiro, organized by Simon Schwartzman for the National Council for Scientific and Technological Development (CNPq) in 1982.

But these were not the only people to recognize the importance of this engineer from Pará.

Two presidents of Brazil did as well—at very different moments in the country’s history.

In 1906, when rubber extracted from the Amazon rainforest accounted for 97% of global production, the administration of President Rodrigues Alves had access to ample resources, allowing him to undertake major works and earn the title of “the great president.”

During that time, the urban reform of Rio de Janeiro—the then capital of Brazil—was carried out by Mayor Pereira Passos. The reform included the improvement of railways and the construction of the Municipal Theater.

That year, on September 18, the Diário da União published Decree No. 1,506, signed three days earlier by Rodrigues Alves, with the following content:

“Article 1 – The President of the Republic is hereby authorized to grant Dr. José Pantoja Leite the travel award to which he is entitled, providing him with 4:200$, in gold, for his upkeep. All such awards shall be paid in this currency.”

Thirty-five years later, Brazil was under the centralized and authoritarian regime of the Estado Novo, led by Getúlio Vargas since 1937.

Nonetheless, the country had a Minister of Education, Gustavo Capanema, who surrounded himself with prominent artists and intellectuals, such as the poet Carlos Drummond de Andrade, his chief of staff.

Both Vargas and Capanema authorized, on November 21, 1941, through a resolution published in the Diário da União three days later, the allocation of funds for scientists and artists from the National Schools of Fine Arts, Mining and Metallurgy, and Engineering.

José Pantoja Leite was granted the amount of 9,600$000 réis.

Pantoja Leite was born on Marajó Island in 1876, as noted by the Living Encyclopedia of the Education Portal.

While his origins are likely unknown in Rio de Janeiro, in Pará he is practically forgotten.

Ninety-one years have passed since someone last remembered him in his home state.

That occasion came thanks to none other than Francisco Bolonha.

The builder of the Bolonha Palace and Villa Bolonha, aware of the prestige of being associated with the Polytechnic School of Rio de Janeiro, took care to publish the names of people from Pará who were connected to the institution.

His text appeared in the July 22, 1933 edition of Folha do Norte.

Bolonha took pride in having merely been a student of the Polytechnic School.

For that reason, he did not hide his satisfaction in including the following line in the article:

“José Pantoja Leite, professor of Electrotechnics.”

*Oswaldo Coimbra is a writer and journalist

(Illustration: José Pantoja Leite)

The post Um cientista do Marajó trouxe a Eletrotécnica para o Brasil appeared first on Ver-o-Fato.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.