Um esquema criminoso de proporções bilionárias envolvendo o próprio Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) foi desmascarado na semana passada, expondo a vulnerabilidade de aposentados e pensionistas brasileiros. E a cada dia surgem nomes de entidades envolvidas na safadeza. Segundo investigação do jornal O Estado de S. Paulo, a Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer), presidida por um pecuarista mineiro, multiplicou por 790 vezes os descontos realizados em benefícios do INSS entre 2019 e 2024, acumulando R$ 688 milhões.
A entidade, suspeita de lavagem de dinheiro, é alvo da Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal (PF) e pela Controladoria-Geral da União (CGU) no final de abril.
O caso, descrito como uma “barbaridade” por fontes próximas à investigação, revela a exploração de idosos em um esquema que se aproveita da estrutura do INSS para desviar recursos. A Conafer, sediada em Brasília desde 2011, é liderada por Carlos Roberto Ferreira Lopes, dono de uma empresa de melhoramento genético de gado e de uma holding nos Estados Unidos.
Em 2019, a entidade descontou R$ 350 mil de aposentados; em 2024, o valor saltou para R$ 277,1 milhões, representando 10,5% do total de cobranças de associações no INSS. O crescimento mais expressivo ocorreu entre 2019 e 2020, durante a pandemia, quando os descontos explodiram 16.185%, de R$ 350 mil para R$ 57 milhões.
A investigação da CGU entrevistou 1.242 beneficiários em todo o país, e os resultados são alarmantes: 97,6% afirmaram não ter autorizado os descontos, e 95,9% negaram participação em qualquer associação. No caso da Conafer, todos os 56 beneficiários avaliados em uma amostra declararam não ter autorizado as cobranças, que atingiram pessoas em 16 estados.
Documentos apresentados pela entidade para justificar os descontos levantaram mais suspeitas, pois 14 dos 15 beneficiários citados residiam a distâncias de até 957 km da sede da Conafer, sugerindo ausência de vínculo real.
Suspeitas de lavagem
O inquérito da PF aponta indícios de um sofisticado esquema de lavagem de dinheiro. Lopes, presidente da Conafer, teria recebido R$ 812 mil de um total de R$ 100 milhões transferidos do fundo do INSS para a entidade. Parte desses recursos foi repassada a Cícero Marcelino de Souza Santos, identificado como assessor de Lopes, e a Ingrid Pikinskeni, mãe do filho de Marcelino. Entre 2021 e 2022, Lopes transferiu R$ 474.693 para Ingrid e recebeu de volta R$ 746.050, em movimentações que sugerem tentativa de ocultar a origem do dinheiro.
Outra figura mencionada é Renata Martins Costa de Siqueira, cunhada de um servidor do INSS e ex-funcionária da Conafer durante o período conhecido como a “farra do INSS”. Ela realizou depósitos para Marcelino, reforçando as conexões suspeitas. O inquérito também cita repasses a um auxiliar administrativo ligado a José Carlos Oliveira, ex-ministro do Trabalho e Previdência no governo Bolsonaro, que já presidiu o INSS. Oliveira, agora chamado Ahmed Mohamad, não foi localizado para comentar.
Defesa da Conafer e repúdio indígena
Em resposta ao Estadão, a Conafer negou irregularidades, afirmando promover “uma extensa agenda de ações” em mais de 4,5 mil municípios, incluindo assessoria para acesso a benefícios, convênios com farmácias e clínicas, e até um acordo com o Quênia para exportar biotecnologia. A entidade diz estar à disposição dos órgãos de fiscalização, mas não apresentou evidências concretas de autorização dos descontos.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) emitiu nota em 28 de abril repudiando a atuação da Conafer em territórios indígenas, acusando-a de desviar ilegalmente benefícios de aposentados, especialmente de povos originários. “É inadmissível que uma entidade lucre às custas da vulnerabilidade de nossos idosos”, diz o comunicado.
Um golpe contra os mais frágeis
O escândalo, que já é considerado um dos maiores assaltos aos cofres da Previdência, expõe a fragilidade do sistema de proteção aos aposentados. Enquanto a Conafer e outras entidades se beneficiavam, milhões de idosos, muitos em situação de extrema pobreza, tiveram seus benefícios saqueados sem consentimento.
A investigação segue em andamento, mas a gravidade do caso exige respostas urgentes. Como disse um investigador ao Estadão, “é uma traição contra aqueles que mais precisam do Estado”. Com informações do jornal O Estado de S. Paulo.
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