Provedores de internet mantém posição contrária ao fair share

Um dos temas mais sensíveis da atual agenda de telecomunicações brasileira, o fair share (proposta de cobrança de taxas sobre grandes geradores de tráfego na internet) foi duramente criticado por provedores e participantes de painel realizado nesta quarta-feira, 8, durante o Abrint Global Congress 2025.

O ponto de partida veio com o deputado David Soares, autor do Projeto de Lei 469/24, que proíbe expressamente a cobrança de qualquer taxa adicional aos provedores de conteúdo por gerarem tráfego. “Não é justo responsabilizar empresas que investem, inovam e entregam valor ao consumidor. A Coreia do Sul já mostrou que essa política é desastrosa: a qualidade da internet caiu e o tráfego despencou. Não vamos repetir esse erro no Brasil”, afirmou o parlamentar. O projeto já está em tramitação na Câmara dos Deputados.

A proposta do fair share parte da premissa de que empresas como Google, Meta, Netflix e outras gigantes da internet deveriam pagar aos operadores de rede uma compensação pelo uso intensivo da infraestrutura. Para os defensores do trânsito pelas redes sem ônus do tipo, como os presentes no painel, essa cobrança distorce o modelo de negócios da internet e ameaça princípios como a neutralidade de rede, pilar central do Marco Civil da Internet. “A Câmara vai trabalhar para ainda este ano sepultar a ideia do fair share no Brasil”, acrescentou o político.

Alessandro Molon, relator do Marco Civil e hoje diretor-executivo da Aliança pela Internet Aberta, foi enfático: “Essa ideia já fracassou onde foi testada. Quando você taxa conteúdo, empurra CDNs e data centers para fora do país. A internet piora, os preços sobem e os empregos somem. É uma equação ruim para todos. Defendemos uma internet livre e sem barreiras para que todos possam competir de forma justa”. Ele preside a Aliança pela Internet Aberta.

Anatel: regulação em construção, mas sem taxa definida

Representando a Anatel, o superintendente executivo Gustavo Borges explicou que a agência está apenas abrindo o debate, e que não há proposta formal de cobrança até o momento. “Estamos em uma fase técnica, ouvindo todos os lados, mapeando os problemas e buscando um ambiente de colaboração. Poderão ocorrer ajustes do conselho diretor, mas qualquer decisão passará por consulta pública e será debatida com transparência”, garantiu.

Segundo ele, a Anatel pretende liderar uma mesa formal de diálogo entre os setores de conectividade e de conteúdo, onde os representantes poderão expor e avaliar os seus problemas, buscando um consenso. “A proposta terá um processo normativo muito bem estruturado.”

Pequenos provedores: os mais afetados e os mais contrários

Na visão dos provedores, o fair share seria um golpe duplo: não apenas afetaria as operações, mas também restringiria a inovação e o acesso dos usuários, especialmente nas áreas mais carentes do país. Basílio Perez, conselheiro da Abrint, resumiu o sentimento do setor: “Essa taxa é um problema inexistente. A internet no Brasil se adaptou, e hoje os conteúdos estão próximos dos usuários, nos CDNs, nos pontos de troca de tráfego. A rede é praticamente toda de fibra, o tráfego não impacta mais como antes. Essa cobrança é artificial, injusta e só favorece quem perdeu a corrida pela inovação”.

Segundo ele, a proposta fere diretamente a neutralidade da rede e a competição no setor, já que os grandes grupos econômicos seriam os únicos com capacidade de negociar com os gigantes do conteúdo, deixando os mais de 20 mil pequenos provedores de fora das mesas de negociação.

Concorrência, e não transferência

Para Sérgio Garcia Alves, gerente de políticas públicas da Associação Latino-Americana de Internet (Alai), o foco deveria estar em estimular a competição, e não em buscar compensações financeiras entre setores. “A experiência internacional mostra que esse tema não prospera na América Latina. O que precisamos resolver são os entraves reais: carga tributária alta, barreiras regulatórias e ambiente de negócios. Transferência de receita de grande para grande não resolve nada.”

A crítica à postura das grandes operadoras também foi compartilhada por Marcelo Bechara, representante da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert): “As grandes operadoras negligenciaram os serviços de valor agregado quando podiam inovar, perderam a janela de oportunidade. Agora querem compensar essa omissão com um pedágio sobre a inovação dos outros. Não podemos deixar isso acontecer.”

O post Provedores de internet mantém posição contrária ao fair share apareceu primeiro em TeleSíntese.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.