O Brasil ainda enfrenta um cenário de desigualdade digital quando o assunto é rede móvel: mais de 15 milhões de pessoas vivem sem qualquer cobertura, segundo dados apresentados por José Felipe Ruppenthal, diretor da Telco Advisors, durante painel no Abrint Global Congress. Cerca de 6 milhões de domicílios também estão totalmente fora do mapa da conectividade celular. Mas, se o problema é grande, a oportunidade também é — e quem pode liderar essa transformação são os pequenos provedores de internet (PPPs), especialmente por meio das redes privativas.
Para Ruppenthal, o atual modelo de conectividade está esgotado. Apesar da melhora na infraestrutura, a cobertura ainda é limitada por um conjunto de fatores técnicos, regulatórios e econômicos. E, com 95% dos acessos concentrados nas três grandes operadoras, há pouca competitividade e muita dependência. Para ele, o papel dos provedores de internet será o mesmo da virada da banda larga fixa nos anos 2000: levar inovação e inclusão para onde o mercado tradicional não chega.
“A grande transformação da banda larga fixa veio quando os PPPs entraram no jogo. Com a rede móvel, podemos repetir essa história — mas para isso, os pequenos provedores precisam de acesso ao espectro e autonomia para montar suas próprias redes”, declarou.
Redes privativas: solução prática e estratégica
Uma das principais apostas para os provedores são as redes móveis privativas. Elas permitem montar infraestruturas dedicadas para oferecer serviços a setores específicos, como mineração, indústria e agronegócio, e ao mesmo tempo ajudam a cobrir áreas sem qualquer conectividade. Para o consultor, essas redes também são um caminho para ampliar o acesso a aplicações com IoT – internet das coisas e outras tecnologias emergentes, com potencial de gerar valor direto aos clientes empresariais.
Everson Mai, CEO da Mais Internet e diretor da Abrint, reforça essa visão. “Tem regiões que a gente chega com fibra, mas não tem nem 4G. Para atender o B2B, colocamos uma torre com espectro secundário e o negócio se sustenta. As redes privativas fazem sentido e já estamos em fase de implementação”, contou. Segundo ele, a conexão será feita por meio de FWA (acesso fixo via rede móvel), por ter baixo custo operacional e alta escalabilidade.
Inovação tecnológica e novos modelos de negócio
A transformação não será apenas técnica, mas também no modelo de negócio. Mai destaca que os ISPs precisam sair da lógica de vender só banda e migrar para um modelo de empresa multisserviços. E para isso, o FWA e as redes privativas são portas de entrada. “Não é a solução definitiva, mas é complementar, sustentável e viável”.
Maximiliano Martinhão, executivo da Qualcomm, reforçou que tecnologias como Open RAN ajudam os pequenos provedores a não ficarem presos a um único fabricante. Além disso, com o avanço da automação e da inteligência artificial (IA) na borda da rede, já é possível implementar soluções que reduzem custos e aumentam a eficiência.
SLP precisa mudar
Apesar do potencial, o ambiente regulatório ainda impõe obstáculos, como apontou Cristiane Sanches, da Abrint. O Plano Geral de Metas de Competição (PGMC) já trouxe avanços ao criar mercados relevantes como roaming nacional, MVNOs e exploração secundária de espectro com prazos ampliados, mas o acesso efetivo ainda é limitado.
Ela defende que o país precisa caminhar para redes híbridas — que conectam redes privadas às redes públicas — e rever conceitos antigos, como o do Serviço Limitado Privado (SLP), que hoje proíbe interconexão com a rede pública, travando a expansão.
“O modelo atual foi criado numa outra era do mercado. Hoje, com a maturidade dos ISPs e a nova lógica do espectro secundário, a interconexão deve ser viabilizada. Senão, a competição continuará engessada”, alertou.
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