A destruição do jornal A Província do Pará

Um assunto que devia ser relegado ao silêncio.

Assim foi encarada, por cerca de meio século, a perversa eliminação de Antônio Lemos da política do Pará, em 1912.

Não se podia abordá-la publicamente sem provocar a fúria de parte da oligarquia do Pará, constatou o jornalista Carlos Rocque.

Pesquisador persistente, habilidoso no trato com os manda-chuvas locais, ele, porém, não se intimidou.

Em 1967, Rocque começou a romper o silêncio sobre aquele chocante episódio político, através dos verbetes da sua obra “Grande Enciclopédia da Amazônia”dedicados a Lemos e ao jornal dele, A Província do Pará.

Aos poucos, o jornalista completou a reconstituição minuciosa do drama vivido por Lemos, espalhando-a pelos livros “Antônio Lemos e sua época”, de 1973; “História de A Província do Pará”, de 1977; e, “Depoimentos para a História Política do Pará”, de 1981.

Este conjunto de obras, hoje, nos permite discernir cada fase,com seus respectivos personagens, do plano executado com o objetivo único de retirar definitivamente da vida pública paraense de modo violento o melhor administrador que Belém já teve.

Nos permite também compreender por que a lembrança daquele episódio se tornou incômoda para os poderosos do Pará.

Rocque descobriu que a primeira fase da eliminação de Lemos foi planejada na casa de Virgílio Mendonça, substituto de Lemos na intendência de Belém.

Aquela fase correspondeu ao falso atentado à vida do ex-governador Lauro Sodré, executado próximo à sede de A Província, no dia 28 de agosto de 1912.

Rocque chegou até ao nome de João Colé, o estivador que, depois de atirar para o alto na passagem do ex-governador, foi morto.

Dentro do plano, o tiro de Colé deveria gerar, nos acompanhantes de Sodré, a impressão de haver sido disparado de dentro da sede do jornal de Lemos.

Para que, depois, através da indução dos jornais anti-lemistas, a população da cidade fosse levada a destruir A Província.

Colé morreu sem saber que o plano previa também o seu assassinato pelo cearense Arlindo Moura contratado para este fim.

Para que o falso atentado ganhasse veracidade, e, provocasse mais indignação na população.

“Assassinos”, estampou a Folha do Norte, no dia 29 de agosto, responsabilizando Lemos pelo atentado contra Sodré.

O porta-voz dos inimigos de Lemos foi seguido por outros três jornais anti-lemistas – O Estado do Pará, A Capital, e, O Critério – na exigência de“uma desforra” contra A Província.

Em seu livro sobre o jornal de Lemos, Rocque assinalou:

– A verdade é uma só: para acabar com o lemismo, A Província teria de ser destruída.

Ele acrescentou, em seguida:

– Tudo estava devidamente planejado.

Na tarde daquele mesmo dia 29, no auge da indignação criada com o falso atentado, a população foi convocada para um comício na Praça da República, nas proximidades da sede de A Província.

Quando os ânimos já tinham sido exaltados pelos oradores, adeptos da Liga de Resistência ao Lemismo, comandados por César Coutinho de Oliveira, armados, atacaram o prédio do jornal.

A luz da Praça da República foi cortada a fim de que ficasse sem energia o gradil eletrificado que isolava o prédio do jornal.

Enquanto isto, outro tipo de isolamento fora estendido em torno daquele patrimônio de Lemos, como dolorosamente iria perceber quem estava na sede do jornal, naquele momento.

Eram três colaboradores,típicos do período no qual A Província se tornara um dos melhores jornais da América do Sul.

Humberto de Campos, mais tarde, um dos grandes escritores da História da Literatura Brasileira.

Romeu Mariz, poeta, cronista e pintor.

E, Ricardo Borges, economista e articulista.

Pouco afeitos às armas, os três se defenderam como puderam.

O que deu ensejo ao surgimento de um grande tiroteio.

O prédio começou a ser incendiado pelos anti-lemistas.

Humberto, Romeu e Ricardo apelaram para a Polícia Militar.

Um pelotão, comandado pelo capitão Pedro Nolasco, foi deslocado até a frente do jornal.

Mas, estranhamente, se manteve inerte diante dos incendiários.

Os três, então, pediram ajuda ao Corpo de Bombeiros.

A frustração foi maior.

Os bombeiros se aproximaram do prédio.

Porém, de suas mangueiras, em vez de água, saiu gasolina. 

Restou a eles buscar auxílio junto às forças do Exército.

Uma tropa saiu do quartel, ao lado da Basílica de Nazaré, aparentemente para atendê-los.

Comandava-a Magalhães Barata, futuro interventor do Pará.

Que, no entanto, fez os soldados percorrerem desnecessariamente um longo trajeto antes de chegarem à Praça da República.

Sua intenção: dar tempo ao fogo para consumir o prédio do jornal.

Depois disto, os três, já conscientes daquele outro isolamento, abandonaram o prédio.

Duas pessoas estavam mortas, além de Colé: o marítimo Augusto Rosa, de 40 anos, e, o jovem Francisco de Sousa Cardoso, de 16 anos.

Outras três estavam feridas.

Manoel Gomes Pacheco Júnior, de 14 anos, Antônio Queiroz Everdosa, cearense, e, Eulecário Jucá Juden.

*Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista

Translation (tradução)

The destruction of the newspaper A Província do Pará.

A matter that should have been consigned to silence.
For about half a century, this was how the sinister elimination of Antônio Lemos from Pará’s politics in 1912 was treated.
It could not be publicly addressed without provoking the fury of part of Pará’s oligarchy, as journalist Carlos Rocque observed.
A persistent researcher, skilled in dealing with local power brokers, Rocque, however, was undeterred.
In 1967, he began to break the silence surrounding that shocking political episode through entries in his work Grande Enciclopédia da Amazônia, dedicated to Lemos and his newspaper, A Província do Pará.
Gradually, the journalist meticulously reconstructed the drama Lemos endured, spreading it across his books: Antônio Lemos e sua época (1973), História de A Província do Pará (1977), and Depoimentos para a História Política do Pará (1981).
Today, this body of work allows us to discern each phase, with its respective actors, of the plan executed with the sole purpose of violently removing from Pará’s public life the best administrator Belém ever had.
It also helps us understand why the memory of that episode became uncomfortable for Pará’s powerful.

Rocque discovered that the first phase of Lemos’ elimination was planned at the home of Virgílio Mendonça, Lemos’ successor as mayor of Belém.
That phase involved a staged attack on the life of former governor Lauro Sodré, carried out near the headquarters of A Província on August 28, 1912.
Rocque even uncovered the name of João Colé, a dockworker who, after firing shots into the air as the former governor passed by, was killed.
As part of the plan, Colé’s shot was meant to create the impression among Sodré’s entourage that it had come from inside Lemos’ newspaper office.
This would then, through the manipulation of anti-Lemos newspapers, incite the city’s population to destroy A Província.
Colé died unaware that the plan also included his murder by Arlindo Moura, a man from Ceará hired for the task, to make the staged attack seem more credible and provoke greater public outrage.

“Assassins,” blared Folha do Norte on August 29, blaming Lemos for the attack on Sodré.
The mouthpiece of Lemos’ enemies was joined by three other anti-Lemos newspapers—O Estado do Pará, A Capital, and O Critério—in demanding “retribution” against A Província.
In his book about Lemos’ newspaper, Rocque noted:

  • The truth is singular: to end Lemos’ influence, A Província had to be destroyed.
    He added:
  • Everything was meticulously planned.

On the afternoon of that same August 29, at the height of the indignation sparked by the staged attack, the population was summoned to a rally at Praça da República, near the newspaper’s headquarters.
When tempers had been inflamed by speakers from the League of Resistance to Lemos’ Influence, led by César Coutinho de Oliveira, armed attackers stormed the newspaper’s building.
The lights in Praça da República were cut to disable the electrified fence surrounding the newspaper’s premises.
Meanwhile, another form of isolation was imposed around Lemos’ asset, as those inside the newspaper’s office would painfully realize.

Three collaborators, emblematic of the period when A Província was one of South America’s finest newspapers, were present:
Humberto de Campos, later one of Brazil’s greatest literary figures;
Romeu Mariz, a poet, chronicler, and painter;
and Ricardo Borges, an economist and columnist.
Unaccustomed to weapons, the three defended themselves as best they could, leading to a massive shootout.
The building was set ablaze by the anti-Lemos mob.
Humberto, Romeu, and Ricardo appealed to the Military Police.
A platoon, led by Captain Pedro Nolasco, was dispatched to the newspaper’s front but, strangely, remained idle as the arsonists acted.
The three then sought help from the Fire Brigade.
The disappointment was even greater: the firefighters arrived, but instead of water, their hoses sprayed gasoline.

Left with no choice, they turned to the Army for help.
A troop left the barracks beside the Basilica of Nazaré, seemingly to assist them, led by Magalhães Barata, a future governor of Pará.
However, Barata had the soldiers take an unnecessarily long route to Praça da República, deliberately allowing time for the fire to consume the newspaper’s building.
Realizing the extent of their isolation, the three abandoned the premises.

Two people, besides Colé, were dead: Augusto Rosa, a 40-year-old sailor, and Francisco de Sousa Cardoso, a 16-year-old youth.
Three others were wounded: Manoel Gomes Pacheco Júnior, 14; Antônio Queiroz Everdosa, from Ceará; and Eulecário Jucá Juden.

Oswaldo Coimbra is a writer and journalist.
(Illustration: the headquarters of A Província do Pará)

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