O juiz Marcus Alan Gomes, relator do processo no Tribunal Regional Eleitoral do Pará (TRE-PA), proferiu um voto técnico e contundente, na última quinta-feira, 8, rejeitando as preliminares da defesa do senador petista Beto Faro e dos empresários da empresa Kapa Capital, que pretendiam arquivar o caso do parlamentar, acusado pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) de abuso de poder econômico, corrupção, assédio eleitoral e captação ilícita de votos nas eleições de 2022. O julgamento, porém, foi suspenso após pedido de vista da juíza convocada Anete Penna de Carvalho, que tem até dez dias — prorrogáveis por mais dez — para apresentar seu voto, conforme prevê a legislação.
A ação, movida pelo Partido Liberal (PL) e pelo ex-candidato ao Senado Mário Couto Filho, além de uma representação especial do MPE, aponta um suposto esquema coordenado por Octávio Pacheco e Luiz Fernando, dirigentes da Kapa Capital Facilities Ltda. Segundo a acusação, o esquema prometia ticket alimentação dobrado a funcionários da empresa para cada 20 votos angariados em favor de Beto Faro, incluindo os próprios votos dos trabalhadores.
A denúncia relata ainda uma festa no clube Bancrévea, dias antes das eleições, onde o então candidato teria sido apresentado aos funcionários da Kapa Capital, reforçando a suposta estratégia de aliciamento.
A defesa de Beto Faro tentou anular as provas centrais do processo, especialmente uma gravação ambiental feita pela funcionária Denise de Souza, que registrou uma reunião na sede da Kapa Capital em 29 de setembro de 2022. Os advogados do senador alegaram que a gravação violava a Meta 979 do Supremo Tribunal Federal (STF), que, em repercussão geral, considera ilícita a obtenção de provas por meio de gravações em ambientes privados sem consentimento.
Para a defesa, essa gravação seria a “tábua de salvação” do mandato de Faro, e sua nulidade desmontaria a acusação.
No entanto, o juiz Marcus Alan, em um voto descrito como extremamente técnico e lúcido, desmantelou a argumentação da defesa. Ele esclareceu que a gravação “não configura interceptação telefônica clandestina, mas sim uma gravação ambiental lícita, realizada em um contexto de reunião pública, com o uso do viva-voz por Octávio Pacheco, o que tornou o conteúdo acessível a todos os presentes”.
“Não vislumbro violação ao sigilo das comunicações telefônicas previsto no art. 5º, XII, da Constituição Federal”, afirmou o relator, destacando que a gravação foi feita por Denise de Souza, uma das participantes da reunião, e não por um terceiro alheio ao diálogo.
O juiz também fulminou a tese de ilicitude derivada, conhecida como “frutos da árvore envenenada”, argumentando que outras provas, como depoimentos e prints de conversas no WhatsApp certificados por blockchain, são autônomas e independentes da gravação. “Não há nexo causal entre a gravação, os depoimentos prestados ao MPF e os prints de mensagens”, explicou Marcus Alan, reforçando que essas provas poderiam ter sido obtidas por outras fontes lícitas, o que inviabiliza qualquer tentativa de anulação.
Rejeição de preliminares e análise processual
Além de fulminar a tese central da defesa, o relator rejeitou outras seis preliminares apresentadas pelos advogados dos envolvidos. Entre elas, porém, destacou-se a tentativa de excluir a Federação Brasil da Esperança (PT/PC do B/PV) do polo passivo da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME). Marcus Alan acolheu o argumento, com base na Súmula 40 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que isenta partidos e federações de serem litisconsortes passivos necessários em ações de cassação de diploma, determinando a exclusão da federação do processo.
Por outro lado, o juiz negou a preliminar de ilegitimidade passiva dos suplentes Josenir Nascimento e Leny Campêlo, que compõem a chapa de Beto Faro. Ele invocou o princípio da “indivisibilidade da chapa”, previsto no art. 46, § 3º, da Constituição Federal, e na Súmula 38 do TSE, afirmando que a cassação do titular implica automaticamente a perda do mandato dos suplentes, independentemente de sua participação direta nos supostos ilícitos.
“A lei não exige a anuência do candidato quanto à prática abusiva, mas simplesmente a comprovação dos benefícios por ele hauridos”, frisou o relator.
A defesa também questionou a testemunha Denise de Souza, alegando suspeição e falso testemunho. Os advogados de Faro argumentaram que ela agiu em conluio com Mário Couto e seus advogados, apontando que Denise compareceu ao MPF acompanhada do advogado Sábato Rosseti, representante de Couto, e que a gravação foi premeditada para fabricar provas.
Marcus Alan, porém, rejeitou essas alegações, afirmando que não há prova de interesse jurídico de Denise no resultado do processo, conforme exigido pela jurisprudência. Ele destacou a coerência entre o depoimento dela e o de Maria Antonieta, outra testemunha presente na reunião, e considerou que a gravação reflete o “exercício regular e legítimo de seus direitos”, e não uma prática de “lawfare”. O lawfare é a utilização da lei e dos procedimentos legais pelos agentes do sistema de justiça para perseguir quem seja declarado inimigo
Sobre a acusação de falso testemunho, o juiz reconheceu que Denise inicialmente não se recordou do advogado que a acompanhou ao MPF, mas afirmou que isso não altera o conteúdo de seu depoimento nem configura dolo. “A lembrança ou não de determinado nome não afasta as conclusões já lançadas neste voto”, concluiu.
Manutenção das provas orais e análise da testemunha Stefany Corrêa
A defesa tentou desqualificar as provas orais, especialmente os depoimentos de Denise de Souza e Stefany Corrêa, esta última ouvida como informante após ser contraditada. Marcus Alan abordou a questão com cautela, reconhecendo uma “certa assimetria” na condução da audiência, mas defendendo a validade das declarações:
Sobre Stefany Corrêa: “Embora tal distinção revele certa assimetria na condução da própria audiência, entendo que ela não compromete, de forma alguma, a validade das provas orais colhidas, tampouco a credibilidade das declarações prestadas por Stéfany Corrêa na qualidade de informante, cujo depoimento será valorado em momento oportuno com a necessária cautela segundo o valor que possa merecer” (citando precedente do STJ, REsp 732.150/SP).
O juiz enfatizou que o depoimento de Stefany, mesmo como informante, mantém relevância e será avaliado no mérito com base em sua consistência. Ele também rejeitou a tentativa da defesa de anular as provas orais, destacando que foram colhidas sob o contraditório e sem vícios processuais.
Rejeição da tese de interceptação telefônica
Além de desmontar a alegação de ilicitude da gravação ambiental com base na Meta 979 do STF, o relator enfrentou a preliminar de Beto Faro que classificava a gravação como interceptação telefônica clandestina, por captar uma suposta videochamada entre o senador e Octávio Pacheco. Marcus Alan foi categórico:
Distinção técnica: “A preliminar não merece prosperar, pois o ocorrido constitui gravação ambiental, e não interceptação telefônica. Para Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar, a gravação ambiental se distingue da interceptação porque não conta com a captação da conversa por terceira pessoa, mas é efetuada por um dos interlocutores do diálogo, com ou sem o conhecimento do outro ou dos demais.”
O juiz reforçou que o uso do viva-voz por Octávio Pacheco tornou a conversa acessível a todos na reunião, incluindo Denise de Souza e Maria Antonieta, que confirmaram o conteúdo em seus depoimentos. “Inexiste qualquer violação ao sigilo das comunicações telefônicas previsto no art. 5º, XII, da Constituição Federal capaz de justificar o desentranhamento da prova”, concluiu.
Importância do Termo de Ajuste de Conduta (TAC)
O relator também destacou o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) firmado pela Kapa Capital com o Ministério Público do Trabalho (MPT), que, embora não implique confissão de culpa, corrobora as denúncias de assédio eleitoral:
Relevância probatória: “Outro elemento capaz de ratificar a admissibilidade dessa prova é o Termo de Ajustamento de Conduta celebrado no âmbito do Inquérito Civil nº 001837.2022.08.000/0-13 entre a empresa Kapa Capital e o MPT, que exorta a compromissária a abster-se de práticas incompatíveis com os direitos políticos de seus empregados, como o assédio eleitoral, a promessa de vantagens em troca de votos e o uso do ambiente de trabalho para fins eleitorais.”
Esse trecho reforça a consistência das acusações, já que o TAC aborda exatamente os mesmos fatos relatados por Denise de Souza, fortalecendo a narrativa do MPE sobre o esquema de captação ilícita de votos.
O impacto do voto e os próximos passos
O voto de Marcus Alan, embora não tenha concluído o julgamento devido ao pedido de vista, estabelece um precedente robusto para a análise do mérito do processo. Sua argumentação detalhada e fundamentada reforça a validade das provas apresentadas pelo MPE, incluindo a gravação ambiental, os depoimentos e os prints de mensagens, que apontam para um esquema estruturado de captação ilícita de votos. A decisão final, no entanto, dependerá do voto da juíza Anete Penna de Carvalho e dos demais membros do TRE-PA.
Caso as acusações sejam confirmadas, Beto Faro, Josenir Nascimento e Leny Campêlo podem ter seus mandatos cassados, e os representados enfrentariam multas de até 50 mil UFIR, conforme previsto no art. 41-A da Lei nº 9.504/1997. O caso, que já mobiliza intensos debates políticos no Pará, segue sob os holofotes, prevendo momentos importantes para o cenário eleitoral do estado.
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