Inédito: Embrapa e parceiros desenvolvem gado Angus adaptado ao clima brasileiro

Tecnologia é usada pela primeira vez no país para criar bovinos mais resistentes ao calor tropical. Inovação utiliza “tesoura genética” para conferir característica de pelos curtos à raça Angus

Brasília – O debate se quantidade é sinônimo de qualidade é acessório quando se discute o tamanho e variedade de raças do plantel bovino brasileiro. Se o Nelore pasta majestoso como o “Rei das pastagens”, a raça Angus, também não pára de crescer, e a alta qualidade e maciez de sua carne, embora o preço de sua carne seja mais elevado em comparação com o Nelore, fisga o consumidor doméstico e internacional logo no primeiro churrasco, acrescido de um reforço único.

Um avanço científico de grande relevância para o agronegócio brasileiro e mundial foi anunciado recentemente: o nascimento dos primeiros bezerros geneticamente editados no Brasil. O feito, inédito na América Latina, é resultado de um projeto colaborativo entre a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Associação Brasileira de Angus, com o objetivo de desenvolver bovinos mais adaptados às altas temperaturas e às mudanças climáticas.

Segundo os especialistas do setor, este evento marca um ponto crucial na aplicação da biotecnologia na pecuária, demonstrando a capacidade da ciência brasileira em utilizar ferramentas de ponta para solucionar desafios práticos que vão revolucionar a pecuária brasileira. A importância reside na possibilidade de aprimorar características de raças de alta produtividade, como a Angus, tornando-as mais resilientes a condições ambientais adversas, como o calor tropical, sem perder suas qualidades de produção de carne.

A ferramenta da edição genética

A técnica utilizada para realizar a edição genética nos embriões foi a CRISPR/Cas9. Conhecida popularmente como uma “tesoura genética”, essa ferramenta permite modificar sequências específicas do DNA de forma precisa. O pesquisador da Embrapa Luiz Sérgio de Almeida Camargo explica que a CRISPR/Cas9 foi adaptada pela ciência a partir de um sistema natural encontrado em bactérias.

“O CRISPR/Cas9 funciona como uma espécie de ‘tesoura genética’, capaz de editar sequências no DNA de maneira precisa, e que pode ser usada para melhorar a saúde e o bem-estar animal bem como promover características de interesse econômico”.

Essa abordagem, chamada de “melhoramento genético de precisão”, permite introduzir mutações benéficas diretamente nos embriões, um processo muito mais rápido e direcionado do que os métodos tradicionais de cruzamento, que levariam muitas gerações para fixar uma característica desejada. Neste projeto, o alvo da edição foi o gene receptor da prolactina, que está relacionado ao controle da temperatura corporal em bovinos.

A característica desejada: pelos curtos e lisos

A edição no gene receptor da prolactina visa induzir o desenvolvimento de pelos mais curtos e lisos nos animais. Essa característica é fundamental para a termorregulação, ajudando a reduzir a temperatura corporal em ambientes quentes. Embora seja natural em algumas raças adaptadas ao clima tropical, ela está ausente em raças puras de alta produtividade como a Angus ou a Holandesa.

Cinco bezerros da raça Angus nasceram entre o fim de março e o início de abril como resultado deste projeto. Os primeiros resultados do sequenciamento genético confirmaram o sucesso da edição em pelo menos dois deles, que já apresentam pelos curtos e lisos, com mais de 90% de edição genética nos folículos pilosos.

“Os resultados obtidos já são suficientes para que os animais apresentem a característica desejada”.

Método inovador de entrega: eletroporação de zigotos

A introdução das moléculas de edição genética nos embriões foi realizada por meio da eletroporação de zigotos. Este método consiste na aplicação de pulsos elétricos de curta duração que abrem temporariamente a membrana do zigoto (a célula formada pela fusão do óvulo e espermatozoide), permitindo a entrada das ferramentas de edição.

Impacto no setor agropecuário e bem-estar animal

O principal impacto esperado dessa tecnologia é o aumento da resiliência da raça Angus ao estresse térmico em ambientes quentes e úmidos. Com menor estresse, os animais tendem a ter melhor bem-estar, o que se reflete diretamente em maior capacidade produtiva e reprodutiva.

“A capacidade de resistir melhor ao calor traz ganhos diretos para o bem-estar dos animais e também para a produtividade, beneficiando os produtores”.

Manter as características de alta qualidade da carne Angus, agora combinadas com maior adaptação ambiental, representa um avanço estratégico para a pecuária brasileira. O mercado consumidor valoriza cada vez mais práticas que aliam produtividade e bem-estar animal, o que pode aumentar a competitividade da carne brasileira.

Implicações éticas e regulatórias

A edição genética em animais, embora promissora para o melhoramento e a adaptação, levanta discussões importantes sobre ética e regulamentação. Questões sobre o bem-estar a longo prazo dos animais editados, a segurança para o consumo humano e o impacto ambiental da liberação desses animais na cadeia produtiva são temas que precisam ser abordados com rigor e transparência.

O documento da Embrapa foca nos aspectos científicos e nos benefícios potenciais para a produção e o bem-estar. No Brasil, a regulamentação de organismos geneticamente modificados (OGMs) e animais editados geneticamente está sob a responsabilidade de órgãos como a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). O desenvolvimento e a aplicação dessa tecnologia exigirão um acompanhamento regulatório cuidadoso e debates públicos informados.

Parcerias e perspectivas futuras

Este projeto é fruto da colaboração entre diversas instituições, incluindo Embrapa (Gado de Leite, Gado de Corte, Pecuária Sul), Associação Brasileira de Angus e Ultrablack, CNPq, Fapemig, Sebrae e Casa Branca Agropastoril.

As próximas etapas da pesquisa são cruciais. Elas incluem o acompanhamento do crescimento e da performance dos bezerros, a avaliação de sua capacidade produtiva e reprodutiva e, fundamentalmente, o estudo da hereditariedade da característica de pelos curtos. Se a edição for transmitida para as próximas gerações, a característica poderá se disseminar naturalmente nos rebanhos, acelerando a adaptação.

Os pesquisadores também verificarão se houve edições genéticas fora do alvo e se os animais apresentam a resposta fisiológica esperada (menor variação na temperatura corporal sob calor). O plano é formar uma pequena população de animais editados para que seus filhos possam ser usados na disseminação da característica em rebanhos maiores.

Mateus Pivato, diretor-executivo da Associação Brasileira de Angus e Ultrablack, destacou o pioneirismo do projeto: “Trata-se de um projeto que coloca a pecuária brasileira na vanguarda da inovação genética. Estamos investindo em um futuro mais sustentável, com animais de alta qualidade que suportam melhor os desafios climáticos do País”, disse.

José Paulo Cairoli, presidente da Associação, ressaltou a importância do marco: “Gerar os primeiros animais melhorados via edição gênica é um marco na história da pecuária brasileira, e estamos muito felizes em poder protagonizar esse ineditismo”.

O nascimento dos primeiros bezerros geneticamente editados no Brasil representa um avanço notável na biotecnologia aplicada à pecuária. A utilização da técnica CRISPR/Cas9 para conferir maior resiliência ao calor à raça Angus abre caminhos promissores para aumentar a produtividade e o bem-estar animal em um cenário de mudanças climáticas. Embora as perspectivas sejam animadoras, o desenvolvimento dessa tecnologia exigirá pesquisa contínua, monitoramento rigoroso e um diálogo aberto sobre suas implicações éticas e regulatórias para garantir que seus benefícios sejam alcançados de forma segura e responsável.

Fonte: Embrapa

Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.

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