Trump sufoca TPI com sanções e impede o avanço de investigações de crimes de guerra e genocídio

A imposição de sanções pelo presidente dos EUA, Donald Trump, contra o procurador-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI), Karim Khan, tem provocado uma série de entraves ao funcionamento da corte, sediada em Haia. Desde fevereiro, o bloqueio de contas bancárias, o cancelamento do e-mail institucional e o risco de prisão a funcionários americanos do tribunal têm ameaçado o andamento de investigações cruciais. As informações são da agência Associated Press (AP).

Entre as consequências diretas está o abandono do tribunal por ONGs (organizações não governamentais) que auxiliavam na coleta de provas e localização de testemunhas. Funcionários de uma dessas entidades relataram que transferiram fundos de bancos nos EUA com receio de confisco. Já uma organização de direitos humanos informou que suspendeu toda a cooperação com o TPI, e que seus funcionários sequer respondem mais aos e-mails de Khan, temendo retaliações do governo norte-americano.

As sanções foram anunciadas após juízes do TPI emitirem mandados de prisão contra o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e seu ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant, sob suspeita de crimes de guerra cometidos durante a ofensiva de Israel contra o Hamas em Gaza. A Corte apontou indícios de que os dois líderes restringiram deliberadamente a ajuda humanitária e atacaram civis, acusações que são negadas pelo Estado judeu.

Karim Khan, procurador-geral do Tribunal Penal Internacional (Foto: divulgação/www.icc-cpi.int)

A ordem executiva de Trump proíbe a entrada de Khan e de outros 900 funcionários não-americanos do TPI nos EUA. Além disso, determina sanções a qualquer indivíduo, empresa ou instituição que ofereça “apoio financeiro, material ou tecnológico” ao procurador. A Microsoft, por exemplo, desativou o e-mail corporativo de Khan, levando-o a migrar para o serviço suíço Proton Mail, segundo funcionários do tribunal. Os bancos do Reino Unido também congelaram suas contas pessoais.

“O efeito cumulativo dessas ações tem sido devastador”, afirmou Liz Evenson, diretora de justiça internacional da ONG Human Rights Watch (HRW). “As sanções vão impedir que as vítimas tenham acesso à justiça”, disse ela.

Internamente, o clima é de tensão. Um advogado que atua no tribunal, Eric Iverson, entrou com uma ação nos EUA contra as sanções e conseguiu proteção temporária, mas os demais funcionários americanos — inclusive seis que já deixaram a corte — ainda vivem sob ameaça de prisão no eventual retorno ao país. “Iverson não consegue sequer exercer funções básicas de um advogado”, afirmou sua representante legal, Allison Miller.

A estrutura do TPI também começa a ruir em outras frentes. Nos últimos meses, os juízes proibiram Khan de divulgar publicamente pedidos de mandados de prisão em diversas investigações. Além disso, três países — dois deles da União Europeia (UE) — se recusaram a cumprir mandados emitidos pela Corte. A cooperação internacional, pilar fundamental para o funcionamento do TPI, está visivelmente abalada.

Trump, por sua vez, justificou as sanções afirmando que o tribunal age de forma “ilegítima e infundada” contra os EUA e seu aliado Israel. “As ações do TPI colocam em risco militares americanos, minam a soberania dos Estados Unidos e ameaçam nossa segurança nacional e política externa”, diz a ordem assinada por ele.

O impacto vai além das investigações envolvendo Israel. O caso do ex-presidente do Sudão Omar al-Bashir, acusado de genocídio, também foi afetado, com a apuração sobre novos crimes no país praticamente parada. Enquanto as violações continuam acontecendo, o tribunal se vê cada vez mais isolado, sem recursos, sem apoio e, agora, sem voz.

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