”Okupa”: entenda movimento que desafia governos na Europa

Polícia retira ”okupas” de residência invadidaReprodução/Idealista

No coração de cidades importantes da Europa, como Barcelona, Lisboa e Paris, prédios abandonados se tornaram símbolos de uma crise urbana profunda.

Ocupados por famílias sem moradia, ou migrantes em situação precária, esses imóveis formam o cenário do crescente movimento ”okupa” — que desafia as autoridades e reabre o debate sobre quem tem direito à cidade.

O movimento ”okupa”

A explicação do termo “okupa” vem do espanhol “ocupar”. Refere-se à prática de invadir e residir em imóveis abandonados ou desocupados, muitas vezes como forma de protesto político ou necessidade habitacional.

A Espanha figura entre os países da Europa onde o movimento é mais forte. Em 2024, segundo a agência de notícias Europa Press, foram mais de 16 mil denúncias em todo o território espanhol, o que representa um aumento de 7% em relação ao ano de 2023.

A crise imobiliária de 2008 intensificou o problema. Mas o movimento ”okupa” é mais antigo: surgiu em meados dos anos 80, como uma resposta ao desajuste entre a oferta e a demanda por residências, principalmente nas grandes cidades, onde os preços dispararam, de acordo com o portal espanhol Infobae.

Reações

A Lei de Habitação, aprovada em 2023, dificulta o processo de despejo de ocupantes ilegais.

Ao mesmo tempo, a legislação espanhola permite que um imóvel vazio ocupado há mais de 48 horas só possa ser desocupado por decisão judicial — algo que os defensores da propriedade consideram uma “brecha legal”.

Pedro Sanchez, presidente do governo espanhol, defendeu que a legislação de habitação busca transformar um problema em direito, visando proteger as famílias vulneráveis e garantir o acesso à moradia como um direito constitucional.

O Partido Popular (PP), de oposição ao presidente, tem criticado o governo por não adotar medidas mais rigorosas contra a ocupação ilegal de imóveis, o que favoreceria os “okupas” ao dificultar os processos de despejo.

Impacto na população

A jornalista Nina Gonçalves, de 36 anos, mora em Barcelona há 6 anos. Em entrevista ao iG, ela afirma que o movimento dificulta ainda mais a oferta de imóveis para locação.

A profissional, que trabalha como nômade digital na cidade, reclama que já está no quarto imóvel alugado, e a todo momento fica preocupada com os períodos ainda mais curtos de permanência. “Nós já sofremos por ser imigrantes, para alugar um imóvel, então, é um teste para cardíaco. Cada vez mais exigências, o que se torna quase inviável conseguir uma moradia por 1 ano de contrato, por exemplo”, explica.

Nina explica, ainda, que os donos dos imóveis ficam desconfiados, com medo que a lei do inquilino não colabore caso ocorra quebra de contrato. “Como existem muitos ‘okupas’ na Espanha, acredito que a maior preocupação seja com isso. Eu jamais vou burlar os termos do contrato, mas, na minha opinião, os proprietários ficam desconfiados, achando que não vamos desocupar o imóvel no tempo pré-determinado, e, a partir daí, se transformar numa invasão do domicílio”.

Problema em outros países

Nas cidades portuguesas de Lisboa e Porto, o aumento do turismo e a explosão de plataformas como Airbnb têm expulsado moradores dos centros históricos. Com aluguéis fora do alcance da maioria da população, as ocupações voltaram a ganhar força na última década.

Ricardo Ribeiro deixou o Brasil há 3 anos em busca de oportunidades em Portugal. O garçom, que trabalha no Porto, conversou com a reportagem do iG.

Ele conta que já precisou dividir a mesma moradia com outras famílias. “Já cheguei a morar dentro de um quarto, onde a casa era compartilhada com outras pessoas. Claro, zero privacidade, mas não tinha outra possibilidade. Quase impossível se encontrar um lugar para morar. Além dos preços altíssimos, por conta das temporadas de verão na Europa, os proprietários preferem alugar por ‘temporada’ a ter que fechar um contrato de longa duração. Eles ganham três vezes mais assim, o que dificulta demais pro imigrante, principalmente”, relata.

Ao contrário da Espanha, a legislação de Portugal é mais rigorosa com ocupações, e o poder policial tem agido com rapidez para despejar coletivos e famílias em situação precária.

A França adota uma posição parecida com a portuguesa. Há 5 anos, o governo aprovou a “Lei Anti-Okupa”, que permite a expulsão de ocupantes de imóveis em apenas 48 horas, mesmo sem ordem judicial, caso o imóvel seja a residência principal de alguém — algo que, segundo críticos, tem sido usado para criminalizar ocupações legítimas.

Empresas são contratadas para retirar ”okupas”Reprodução/Redes sociais

Enquanto isso, imóveis vazios

Enquanto autoridades debatem como lidar com as ocupações — ora tratando-as como problema de segurança, ora como questão social —, milhares de imóveis seguem vazios. E milhares de pessoas, sem casa. 

Várias empresas de segurança e serviços especializados em desocupação de imóveis atuam no processo de retirada de ”okupas” de maneira forçada.

Essas empresas são contratadas por proprietários ou gestores imobiliários para realizar a desocupação e retirar as pessoas. A retirada forçada, no entanto, é um processo delicado e, em muitos casos, requer o suporte de medidas legais, já que a legislação de cada país impõe diferentes exigências quanto ao uso da força para remover ocupantes de propriedades. Na Espanha, por exemplo, o despejo só pode ser feito por meio de uma ordem judicial e com o acompanhamento das autoridades policiais, o que pode levar meses.

Em resposta à pressão do turismo sobre o mercado imobiliário, o governo espanhol anunciou a criação de um sistema de registro único para aluguéis de curta duração. Proprietários deverão registrar seus imóveis em uma plataforma digital, e aqueles sem registro não poderão anunciá-los em sites como Airbnb e Booking.com.

O governo também anunciou isenções fiscais de 100% no Imposto de Renda para proprietários que ofereçam imóveis para aluguel a preços acessíveis. Além disso, programas de reabilitação de imóveis vazios estão sendo implementados para aumentar a oferta de habitação acessível.

Além das medidas acima citadas, estão, também, a limitação à compra de imóveis por estrangeiros não residentes, a fim de combater a especulação imobiliária. Essa ação prioriza o acesso à moradia para os cidadãos locais.

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