A entrevista concedida pelo advogado Eli Cohen ao portal Metrópoles, no programa Boletim Metrópoles, trouxe à tona detalhes chocantes sobre uma fraude bilionária contra aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Cohen, um dos principais responsáveis por desvendar o esquema, relatou como descobriu as irregularidades, o funcionamento da fraude, os caminhos do dinheiro desviado e os desafios para que as vítimas sejam ressarcidas. A seguir, reunimos todas as informações em um texto detalhado, organizado por intertítulos, com base na entrevista.
A investigação conduzida por Eli Cohen teve início em 2021, quando ele foi procurado por um gestor de uma associação ligada ao INSS. O gestor levantou suspeitas sobre o elevado número de adesões a essas entidades em um curto período de tempo, sem explicações claras. Inicialmente, Cohen não deu muita atenção ao caso, pois acreditava que o crescimento das associações poderia ser resultado de competência administrativa, especialmente por envolver grupos influentes, como o grupo THG.
No entanto, ao analisar os dados com mais cuidado, ele identificou, em menos de 20 minutos, que se tratava de uma “fraude endêmica”.
Cohen destacou que a fraude não era um caso isolado, mas uma prática generalizada entre sindicatos e associações. Ele sugeriu que a comprovação da irregularidade seria simples, bastando requisitar informações como o índice de sinistralidade ou as apólices de seguro das entidades, que muitas vezes não existiam ou não correspondiam ao número de adesões declaradas.
A origem da fraude: crédito consignado e associações
Segundo Cohen, a fraude contra aposentados e pensionistas do INSS teve origem em 2008, durante o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a expansão do crédito consignado. Contrariando a narrativa de que o golpe teria começado no governo Bolsonaro, ele afirmou que os modos operandi já existiam desde então. Inicialmente, o esquema envolvia a oferta de crédito consignado sem a solicitação dos aposentados, com descontos automáticos em seus contracheques.
Com o tempo, a fraude evoluiu para um modelo mais sofisticado, envolvendo associações e sindicatos que ofereciam supostos pacotes de benefícios, como seguros, que na prática não eram utilizados pelos aposentados. Como as vítimas não tinham conhecimento desses serviços, os descontos mensais geravam lucros expressivos para os fraudadores, sem qualquer prestação de serviço real.
Cohen destacou o papel crucial do portal Metrópoles na publicização do escândalo, que ficou conhecido como a “farra do INSS”. Antes da cobertura jornalística, ele tentou alertar diversas autoridades, incluindo a Polícia Federal, a Controladoria-Geral da União (CGU), o Tribunal de Contas da União (TCU), o Congresso Nacional e a Polícia Civil, mas suas denúncias não geraram ações imediatas. Foi somente após a série de reportagens do Metrópoles que as autoridades começaram a investigar o caso com seriedade.
O advogado enfatizou que a pressão midiática foi essencial para evitar que o esquema se tornasse ainda mais poderoso. Ele revelou que os fraudadores planejavam criar uma federação nacional, agrupando 12 a 13 associações, com uma sede em Brasília, para consolidar seu controle e até indicar representantes dentro do próprio INSS. A divulgação do caso pelo Metrópoles interrompeu esses planos, forçando as autoridades a agir.
O funcionamento do esquema: dois núcleos criminosos
Eli Cohen detalhou que a fraude operava por meio de dois núcleos principais, que funcionavam de forma interdependente:
Núcleo 1: O “Careca do INSS” e a corrupção em Brasília
O primeiro núcleo, baseado em Brasília, era liderado por Antônio Carlos, conhecido como “Careca do INSS”. Ele atuava como lobista, fazendo a ponte entre a corrupção interna no INSS e empresas de fachada, muitas vezes operadoras de telemarketing. Essas empresas, segundo Cohen, existiam apenas para simular legitimidade, mas não tinham atividades reais compatíveis com os lucros declarados. O núcleo era responsável por obter dados sigilosos de aposentados e pensionistas, que eram usados para realizar os descontos indevidos.
Núcleo 2: O Grupo THG e Maurício Camissote
O segundo núcleo era comandado por Maurício Camissote, líder do grupo THG, que geria seguradoras e administrava as associações fraudulentas. Esse grupo fornecia os supostos pacotes de benefícios, que na verdade eram apenas uma fachada para os descontos nos contracheques. Cohen comparou a relação entre os dois núcleos à de uma operação de tráfico de drogas, onde um grupo produz e outro distribui, sendo ambos indispensáveis para o sucesso do esquema.
Divisão dos lucros
Os lucros da fraude eram divididos entre os dois núcleos. Aproximadamente 27,5% ficavam com o núcleo de Antônio Carlos, que controlava a aquisição irregular de dados do INSS. O restante, cerca de 70%, ia para o grupo THG, liderado por Camissote, que administrava as associações e fornecia os “serviços” fictícios.
O caminho do dinheiro: de mansões a lojas de Lamborghini
Quando questionado sobre o destino do dinheiro desviado, Cohen foi enfático: os recursos foram usados para a compra de bens de luxo, como mansões e carros de alto padrão, incluindo Lamborghinis. Ele destacou que o esquema era extremamente lucrativo devido à ausência de inadimplência, já que os descontos eram feitos diretamente nos contracheques dos aposentados.
O dinheiro passava pelas associações, que funcionavam como laranjas, e era transferido para empresas beneficiárias ligadas aos dois núcleos. Cohen apontou que, em muitos casos, os presidentes das associações eram pessoas sem condições financeiras, usadas como “laranjas” para encobrir os verdadeiros beneficiários. Ele citou como exemplo a dificuldade do Ministério Público em estabelecer o nexo causal entre as associações e as empresas, o que protege os verdadeiros criminosos.
As associações Investigadas: AMBEC, UMBRÁ e SEBAP
Entre as 37 associações envolvidas no esquema, Cohen destacou três que foram completamente desvendadas por sua investigação: AMBEC, UMBRÁ e SEBAP. Nessas entidades, foi possível identificar os beneficiários finais do dinheiro desviado, diferentemente de outras associações, onde as investigações frequentemente param em presidentes sem relevância financeira ou administrativa.
O advogado explicou que essas três associações foram alvos de uma abordagem diferenciada, que permitiu rastrear o fluxo do dinheiro desde os descontos até os beneficiários reais. Ele criticou a falta de avanço nas investigações de outras associações, que muitas vezes permanecem protegidas pela dificuldade de comprovar o dolo das empresas por trás delas.
O Impacto na sociedade: além dos aposentados
Cohen alertou que os prejuízos da fraude vão além dos aposentados e pensionistas, afetando toda a sociedade. Ele listou alguns impactos indiretos do esquema:
Sobrecarga do sistema judiciário
As associações fraudulentas geraram milhares de ações judiciais, ocupando espaço que poderia ser destinado a litígios legítimos. Apenas a AMBEC, por exemplo, é responsável por cerca de 50 mil processos, e as três associações investigadas somam quase 100 mil.
Esses processos sobrecarregam o sistema judiciário, que já enfrenta um backlog de 110 milhões de ações para apenas 14.400 juízes, comprometendo a qualidade das sentenças.
Crimes tributários
As associações, por serem entidades sem fins lucrativos, não deveriam gerar lucros para terceiros. No entanto, o dinheiro desviado era transferido para empresas privadas, configurando crimes tributários bilionários que afetam a arrecadação pública e, consequentemente, toda a população.
Outros crimes
Além dos crimes tributários, o esquema envolve falsidade ideológica, estelionato, organização criminosa e lavagem de dinheiro. Cohen destacou que a sofisticação da operação dificulta a atuação do Ministério Público, especialmente na comprovação da ligação entre as associações e as empresas beneficiárias.
Crédito consignado: o próximo alvo
Cohen revelou que o crédito consignado, que serviu como base para o esquema das associações, também deve ser alvo de investigações futuras. Ele explicou que o consignado compulsório, no qual dinheiro é depositado na conta do aposentado sem sua solicitação, é uma prática antiga que começou em 2008. Os aposentados, muitas vezes endividados, gastam o dinheiro depositado e ficam presos a descontos mensais, gerando lucros garantidos para os fraudadores.
Uma auditoria da CGU de 2023, mencionada pelo repórter Fábio, confirmou irregularidades no consignado, como a cobrança de juros acima do teto permitido. Cohen acredita que a investigação da Polícia Federal, que já identificou os operadores do esquema das associações, acabará alcançando o consignado, já que os modos operandi e os envolvidos são os mesmos.
Devolução do dinheiro: desafios e responsabilidades
Um dos principais questionamentos da entrevista foi sobre como os aposentados poderão recuperar o dinheiro desviado. Cohen explicou que o INSS e a CGU estão notificando as entidades fraudulentas, que têm 15 dias para comprovar a legitimidade das filiações e mais 15 dias para realizar o pagamento de guias de recolhimento. No entanto, ele alertou que muitas dessas questões serão judicializadas, dificultando o ressarcimento.
A CGU já pediu o bloqueio de R$ 2,6 bilhões para garantir a devolução, mas Cohen teme que o governo acabe usando recursos públicos para cobrir o rombo, especialmente devido à pressão por uma resposta rápida. Ele defendeu que os responsáveis, como as seguradoras e empresas por trás do esquema, deveriam arcar com a restituição, e não o INSS ou o contribuinte.
Cohen também criticou a cumplicidade de bancos, como o Bradesco, que deveriam seguir princípios de vigilância e exigir provas de que os descontos foram autorizados pelos aposentados. Ele destacou que a responsabilidade não recai sobre as vítimas, que muitas vezes não têm meios de provar que não autorizaram as filiações, mas sim sobre as instituições que permitiram os descontos sem verificação.
Críticas ao INSS e ao sistema
O advogado foi contundente ao criticar a postura do INSS e de autoridades que, segundo ele, sabiam do problema, mas não agiram com a devida rapidez. Ele questionou a alegação de que o INSS está “investigando” a fraude, apontando que o volume de 400 mil pedidos de cancelamento por mês já deveria ser suficiente para identificar o problema. Cohen sugeriu que havia conivência de servidores e autoridades, beneficiados pelos fraudadores, que ele descreveu como “especialistas em comprar pessoas”.
Ele também expressou esperança de que as novas lideranças do INSS atuem para proteger os aposentados, garantindo que o dinheiro deles seja custodiado de forma legítima. Para Cohen, a impunidade de órgãos governamentais e bancos envolvidos no esquema é inaceitável, especialmente considerando a gravidade de roubar aposentados, que muitas vezes dependem exclusivamente de seus benefícios.
O papel da mídia e o futuro da investigação
Cohen encerrou a entrevista reiterando a importância da imprensa, em especial do Metrópoles, para manter a pressão sobre as autoridades e evitar que o caso caia no esquecimento. Ele alertou que, sem a continuidade das denúncias, o esquema pode voltar a operar como sempre fez no Brasil. O advogado se colocou à disposição para continuar colaborando com as investigações e com a imprensa, enfatizando que a luta contra a fraude está longe de acabar.
Fábio, repórter do Metrópoles, complementou a discussão ao abordar a pressão sobre o governo Lula para devolver o dinheiro aos aposentados. Ele mencionou que a ministra do Planejamento, Simone Tebet, já admitiu a possibilidade de usar recursos públicos para cobrir o rombo, o que pode gerar custos para a sociedade. No entanto, Fábio acredita que, no longo prazo, as ações judiciais contra os fraudadores podem recuperar o dinheiro desviado, equilibrando a conta.
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