A demolição do Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira, antigo Asilo de Alienados, foi decidida pelo governador tenente coronel Alacid Nunes.
Com a aprovação – e talvez sob indução – de seu poderoso ex-secretário da Saúde, Almir Gabriel, que, depois, seria nomeado prefeito de Belém.
Almir, por uma daquelas impiedosas ironias da História Política do Pará, eleito e reeleito, mais tarde, governador do Estado, iria gastar somas astronômicas na recuperação de algumas poucas edificações antigas de Belém, com o argumento de que, ao realizar estas despesas, estava preservando a autoestima dos paraenses.
Em 1984, ele ainda não recebia as luzes de Paulo Chaves, que se tornou “laprima donna” de seus dois governos, como seu secretário estadual de Cultura.
Chaves era um arquiteto conhecido pelo gosto de realizar obras grandiosas e dispendiosas na recuperação de monumentos arquitetônicos antigos.
Sem compartilhar com ele seu exercício de poder, Almir, infelizmente,não pôde levar em conta o que representou à identidade histórico-cultural dos paraenses a perda do prédio do hospital Juliano Moreira.
Cuja demolição privou o acervo arquitetônico do Pará de um conjunto de obras realizadas nele por nada menos do que sete brilhantes engenheiros da Belle Époque do Estado.
Eles eram construtores paraenses, quase todos profissionais formados pela Politécnica do Rio de Janeiro, a melhor escola de Engenharia do país.
E que, a partir dos anos de 1890, passaram a atuar como diretores e funcionários da Secretaria Estadual de Obras.
Nos cargos desta secretaria, se revezaram ao longo de mais de trinta anos.
O primeiro deles foi Nina Ribeiro, como mostra o seguinte registro do início da longa história do hospital Juliano Moreira, feito por Arthur Vianna, no livro “A Santa Casa de Misericórdia Paraense”, publicado em 1902:
– Escolheu-se para locar o edifício um terreno no pitoresco e saudável bairro do Marco da Légua, ao lado do bosque municipal, com frente para a Avenida Tito Franco. Sob planta do engenheiro Manoel Odorico Nina Ribeiro, deu-se começo às obras.
Àquela altura, Nina Ribeiro já era um engenheiro de prestígio.
Tinha presidido o Clube de Engenharia, criado em 1886.
E, iria desempenhar outros relevantes papéis.
Foi diretor da Estrada de Ferro de Bragança.
Autor de um plano urbanístico para Belém.
E, construtor do prédio da Santa Casa.
Quando, havia cinco anos, o Asilo de Alienados estava instalado em seu prédio da Avenida Almirante Barroso, Bento Miranda, também integrante do quadro de engenheiros da Secretaria de Obras do Pará, recebeu a incumbência de melhorar, no hospital, telhados, forros, calhas, fossas, canalizações, e, rebocos.
Bento Miranda foi um dos dois engenheiros que montaram o Mercado de Ferro do Ver-o-Peso, cujas peças foram importadas da Europa.
Entre 1903 e 1907, o hospital ficou sob a responsabilidade de Victor Maria da Silva, um dos mais requintados engenheiros do Ciclo da Borracha.
Coube a ele, como diretor de Obras Públicas do Estado, dar a dois monumentos arquitetônicos do Pará – o Teatro da Paz e o Palácio Lauro Sodré – grande parte do refinamento artístico que até hoje possuem.
As obras que Victor Maria realizou no hospital começaram a aparecer no seu relatório de 1903:
– Já foram feitas as derivações das águas dos telhados para as novas sarjetas dos passeios que estão sendo feitas pela Municipalidade… A escada de cantaria que contorna o edifício recebeu também os reparos precisos para sua solidez e conservação.
Em outro trecho do documento, Victor Maria anuncia novas obras:
– As partes laterais que servem para entrada dos carros serão levantadas de modo a torná-las mais em harmonia com a largura. O terraço ficará nas mesmas condições atuais e as colunas que sustentam a cobertura serão colocadas em frente de cada membro das portas para sustentaram o tímpano. As portas e as janelas que ficam embaixo e em cima do terraço vão ser reduzidas a cinco.
Em 1915, Raimundo Viana, o outro engenheiro que trabalhou com Bento Miranda na instalação do Mercado de Ferro, ocupava o cargo de Victor Maria.
Como diretor da Secretaria de Obras, havia incluído em seu relatório a informação de que, no ano anterior, destinara 282.000$000 para obras no hospital.
No mesmo ano, tinha sido gasto 100.000$000 com o Ginásio Paes de Carvalho, e, 230:779$680, com o Arquivo Público do Pará.
No ano seguinte, Raimundo Viana foi substituído em seu cargo por Henrique Américo Santa Rosa.
Que, na realidade, retornava à direção das obras do Estado.
Neste cargo, Santa Rosa permaneceu, sempre com brilho, por mais de 20 anos, se tornando o patrono da secular História das Obras Públicas do Pará.
Foi sob ordens de Santa Rosa que se construiu, em 1916, um novo pavilhão do hospital, “para desafogar as enfermarias repletas”, como ele disse em relatório.
Dez anos depois, ainda no cargo de diretor das Obras Públicas, Santa Rosa comandaria outra iniciativa de expansão do hospital.
Ele informou em seu relatório de 1926:
– Adquirimos o grande terreno ao lado e ao longo da avenida Tito Franco, no lugar que se denominava Bandeira Branca. Assim, está o Hospício de Alienados senhor da área inteira aí compreendida, entre as avenidas Tito Franco e Conde d´Eu, o boulevard Dr. Freitas e Travessa Baependy.
Naquele momento, a direção do hospital e o governador Dionísio Ausier Bentes, revelou ainda Santa Rosa no relatório, planejavam ampliar seu espaço com a construção destas novas áreas:
– O pavilhão para menores, o isolamento para epiléticos, o pensionato feminino para moléstias nervosas e parques de diversões onde os menos agitados e convalescentes encontrem melhoras a suas doenças.
No dia 1° de fevereiro do ano seguinte, 1927, foram registradas no relatório da secretaria estadual de Obras as inaugurações do pensionato feminino e de um salão com três quartos anexos.
Assim como a realização de uma variedade de outras obras menores, entre as quais, a de renovação de uma enfermaria, do terraço para indigentes, de um dormitório, da Sala de Banhos, e, da sua seção masculina.
Naquele ano, os enfermos passaram a contar com tratamento dentária, pois, foi inaugurado o gabinete do dentista do hospital.
Este relatório – o de 1927 -, porém, não foi assinado por Santa Rosa. Que já estava com idade avançada. Mas, mesmo assim, ele comandou naquele ano as obras que salvaram da demolição o Palácio Antônio Lemos, àquela altura condenado por técnicos de fora do Pará, por causa das fissuras que apareceram em suas paredes.
Quem o substituiu e assinou o relatório foi João Palma Muniz.
Era o engenheiro responsável pelo setor encarregado de cuidar das terras do Pará, dentro da Secretaria de Obras.
Neste cargo, Palma Muniz escreveu mais de 20 obras sobre os limites das terras dos municípios do Estado, e, sobre a História do Pará
Tornou-se figura exponencial do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, cujo prédio guarda o acervo de documentos com os quais ele trabalhou.
Já nos anos de 1930, Francisco Bolonha, o construtor de palacetes, se responsabilizou pelo hospital, na condição de secretário das obras estaduais.
O engenheiro, três décadas antes, havia criado a rede de quiosques e ampliado o Mercado de Carne, de Belém, nas gestões do intendente de Belém, Antônio Lemos, e do governador do Pará, Augusto Montenegro.
Translation (tradução)
In the demolition of the hospital, the works of brilliant engineers vanished.
The demolition of the Juliano Moreira Psychiatric Hospital, formerly the Asylum for the Insane, was decided by Governor Lieutenant Colonel Alacid Nunes.
With the approval—and perhaps under the influence—of his powerful former Health Secretary, Almir Gabriel, who would later be appointed mayor of Belém. Almir, in one of those merciless ironies of Pará’s political history, was elected and re-elected governor of the state years later and would spend astronomical sums on the restoration of a few old buildings in Belém, arguing that such expenses were preserving the self-esteem of Pará’s residents.
In 1984, he had not yet been enlightened by Paulo Chaves, who became the “prima donna” of his two terms as governor, serving as the State Secretary of Culture. Chaves was an architect known for his penchant for grand and costly restoration projects of historic architectural monuments.
Without sharing his exercise of power with Chaves, Almir, unfortunately, could not consider the significance of the loss of the Juliano Moreira Hospital building to the historical and cultural identity of Pará’s people.
Its demolition deprived Pará’s architectural heritage of a set of works carried out by no fewer than seven brilliant engineers from the state’s Belle Époque. These were Pará-born builders, almost all of them professionals trained at the Polytechnic School of Rio de Janeiro, the best engineering school in the country. Starting in the 1890s, they served as directors and employees of the State Secretariat of Public Works, taking turns in these roles for over thirty years.
The first of them was Nina Ribeiro, as shown in the following record from the early history of the Juliano Moreira Hospital, written by Arthur Vianna in the book The Santa Casa de Misericórdia Paraense, published in 1902:
“A plot was chosen to locate the building in the picturesque and healthy Marco da Légua neighborhood, next to the municipal forest, facing Tito Franco Avenue. Under the plans of engineer Manoel Odorico Nina Ribeiro, construction began.”
At that time, Nina Ribeiro was already a prestigious engineer. He had presided over the Engineering Club, founded in 1886, and would take on other significant roles. He was the director of the Bragança Railway, the author of an urban plan for Belém, and the builder of the Santa Casa building.
Five years after the Asylum for the Insane was established in its building on Almirante Barroso Avenue, Bento Miranda, also a member of the Pará Secretariat of Public Works’ engineering team, was tasked with improving the hospital’s roofs, ceilings, gutters, septic tanks, plumbing, and plasterwork. Bento Miranda was one of the two engineers who assembled the Ver-o-Peso Iron Market, whose parts were imported from Europe.
Between 1903 and 1907, the hospital was under the responsibility of Victor Maria da Silva, one of the most refined engineers of the Rubber Boom era. As the director of State Public Works, he was responsible for much of the artistic refinement still seen today in two of Pará’s architectural monuments—the Teatro da Paz and the Lauro Sodré Palace. The works Victor Maria carried out at the hospital began to appear in his 1903 report:
“The drainage of rainwater from the roofs to the new sidewalk gutters, which are being built by the municipality, has already been completed… The stone staircase surrounding the building also received the necessary repairs for its stability and preservation.”
In another section of the document, Victor Maria announced new works:
“The side areas used for vehicle access will be raised to make them more proportionate to the width. The terrace will remain in its current condition, and the columns supporting the roof will be placed in front of each door frame to support the pediment. The doors and windows below and above the terrace will be reduced to five.”
In 1915, Raimundo Viana, the other engineer who worked with Bento Miranda on the installation of the Ver-o-Peso Iron Market, took over Victor Maria’s position. As the director of the Secretariat of Public Works, he included in his report that, in the previous year, 282,000$000 had been allocated for hospital works. In the same year, 100,000$000 was spent on the Paes de Carvalho Gymnasium, and 230,779$680 on the Pará Public Archive.
The following year, Raimundo Viana was replaced in his position by Henrique Américo Santa Rosa, who was, in fact, returning to the direction of state public works. In this role, Santa Rosa remained, always with distinction, for over 20 years, becoming the patron of the century-long history of Pará’s Public Works. Under Santa Rosa’s orders, a new pavilion was built in 1916 at the hospital “to relieve the overcrowded wards,” as he stated in his report.
Ten years later, still as the director of Public Works, Santa Rosa led another hospital expansion initiative. In his 1926 report, he noted:
“We acquired the large plot of land adjacent to and along Tito Franco Avenue, in the area known as Bandeira Branca. Thus, the Asylum for the Insane now owns the entire area encompassed between Tito Franco and Conde d’Eu Avenues, Dr. Freitas Boulevard, and Baependy Lane.”
At that time, the hospital’s administration and Governor Dionísio Ausier Bentes, as Santa Rosa further revealed in the report, planned to expand its facilities with the construction of new areas:
“A pavilion for minors, an isolation ward for epileptics, a women’s boarding facility for nervous disorders, and recreational parks where the less agitated and recovering patients can find relief for their conditions.”
On February 1 of the following year, 1927, the State Secretariat of Public Works’ report recorded the inaugurations of the women’s boarding facility and a hall with three attached rooms, as well as the completion of various smaller works, including the renovation of a ward, the terrace for indigents, a dormitory, the bathhouse, and its men’s section. That year, patients also gained access to dental care, as the hospital’s dental office was inaugurated.
However, the 1927 report was not signed by Santa Rosa, who was already advanced in age. Nevertheless, that year, he led the works that saved the Antônio Lemos Palace from demolition, which had been condemned by out-of-state technicians due to cracks in its walls. The report was signed by João Palma Muniz, who replaced him.
Muniz was the engineer responsible for the department handling Pará’s land matters within the Secretariat of Public Works. In this role, Palma Muniz wrote over 20 works on the boundaries of the state’s municipalities and the history of Pará, becoming a prominent figure in the Pará Historical and Geographical Institute, whose building houses the collection of documents he worked with.
In the 1930s, Francisco Bolonha, a builder of mansions, took responsibility for the hospital as the secretary of state public works. Three decades earlier, he had created the network of kiosks and expanded Belém’s Meat Market during the administrations of Belém’s mayor, Antônio Lemos, and Pará’s governor, Augusto Montenegro.
*Oswaldo Coimbra is a writer and journalist.
(Illustration: the facade of the Juliano Moreira Hospital)
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