Esta jovem foi agredida em plena rua

Como ocorre frequentemente entre mulheres, vítimas de agressões, Gal Costa manteve-se em silêncio,ao longo de cinco décadas, sobre a violência sofrida por ela.

Somente quatro anos antes de morrer, ela contou que foi esbofeteada numa rua do Rio de Janeiro, durante o período da Ditadura Militar.

Já estava, então, com 73 anos de idade.

Gal contou que dirigia seu carro.

E, sem querer, deixou que a dianteira batesse levemente na traseira de outro veículo, enfurecendo seu motorista.

Ele a seguiu até uma loja, onde Gal parou.

Esperou que ela retornasse a seu carro, para interpelá-la rispidamente.

Gal pediu desculpas.

O homem não só não as aceitou.

Como deu-lhe um tapa no rosto.

E deixou uma ordem para ela seguir.

Aquela agressão poderia ter ofendido muitos brasileiros.

Pois, mal tinha passado da faixa dos vinte anos de idade, quando ajudou Caetano Veloso, jovem como ela, a sair do anonimato em que vivera em Santo Amaro da Purificação.

Juntos, eles gravaram delicados poemas de Caetano no primeiro long play dele “Domingo”, nas faixas “Avarandado” e “Coração Vagabundo”.

Logo depois, Gal atuara destacadamente no grupo de artistas de vanguarda responsável pela renovação da música popular do País.

Esteve na foto de capa do disco-manifesto “Tropicália”, junto com líderes do movimento Tropicalista.

De alguns deles (Caetano, Torquato Neto e Tomzé) gravou neste disco nada menos que três canções.

Inclusive “Baby”, tocada em todo o Brasil.

Na mesma fase, Gal se impôs como grande estrela, no festival de música de maior repercussão na época, o da TV Record, ao apresentar a surpreendente e criativa “Baby”, canção composta por Caetano e Gilberto Gil, num estilo completamente novo, diferente do intimista com o qual havia se tornado conhecida.

Depois, permaneceu muitas semanas no topo das listas de músicas de maior sucesso, com sua gravação de “Que pena”, de Jorge Ben.

Quando a repressão política atingiu o Tropicalismo, ela tinha apenas 23 anos de idade.

Caetano e Gil foram presos e exilados em Londres.

Gal transformou sua tristeza numa explosão criativa condensada no disco “Gal”.

Em que está “Meu nome é Gal”, composta em homenagem a ela, por Roberto Carlos.

Gal havia, assim encantado, muitas vezes nossa gente.

Como ainda faria quando gravou “Vapor barato” (de Jards Macalé e Waly Salomão); “Índia” (de J. A. Flores e M. O. Guerreiro); “Oração de Mãe Menininha” (de Dorival Caymmi), em dueto com Maria Bethânia; e, “Modinha para Gabriela” (também de Dorival Caymmi).

Apesar disto, a agressão que sofreu sequer chegou ao conhecimento da opinião pública.

Pois, a fase era de censura à imprensa pela Polícia Federal.

Não é descabido supor que, um dia, se possa conhecer a identidade do agressor.

Afinal, a passagem do tempo foi capaz até de virar contra ele aquela ordem, dada há meio século, à Gal.

Disse ele, cego por preconceito:

– Coloque-se no seu lugar de mulher!

De fato, Gal já estava no seu lugar de mulher muito talentosa, respeitada e querida. E lá sempre permaneceu.

Enquanto ele, ainda nunca deixou de ser um anônimo desprezível.

  • Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista

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