Fraude de R$ 25 bilhões da Americanas envolveu 60 pessoas só para esconder rombo

Profissionais gastavam mais tempo com as irregularidades do que com a gestão do negócio da empresa

A fraude bilionária descoberta em 2023 e que virou alvo da operação deflagrada nesta quinta-feira, 27, pela Polícia Federal contra a Americanas envolveu dezenas de funcionários e executivos da varejista ao longo dos últimos anos. Investigações internas da empresa, segundo apurou o Estadão/Broadcast, apontavam que a lista de pessoas com algum envolvimento nas operações fraudulentas era extensa. Pelo menos 60 pessoas (que deixaram a companhia ou foram demitidas) fariam parte das práticas irregulares.

Segundo fontes ligadas à Americanas, muitos executivos gastavam mais tempo cuidando diariamente de esconder o rombo e fraudar as contas do que trabalhando na gestão da empresa. Diante desse desvio de funções, a empresa já se prepara para buscar um ressarcimento bilionário relativo às inconsistências. Em nota, a Americanas afirmou que confia nas investigações e diz que foi vítima.

A fraude consistia ainda em repassar dados maquiados e modificados às auditorias, que não tinham acesso pleno aos sistemas do grupo. Apesar disso, a sócia de auditoria da KPMG Carla Bellangero afirmou, em depoimento à CPI, que durante o trabalho com a Americanas foi chamada a atenção para “as deficiências e a necessidade de melhoria nos controles de verbas de propaganda cooperadas” da empresa.

À época, Bellangero afirmou que manteve os gestores da varejista conscientes dos processos que se passavam na companhia. “Foi insinuado pelo CEO (da Americanas, Leonardo Coelho, em depoimento à mesma CPI) que a mudança de ‘conselho de administração’ para ‘administração’ (em documento da auditoria à gestão da companhia) impedia a tomada de conhecimento. Isso é falso.” Bellangero informou que manteve 50 reuniões com os representantes da governança da Americanas.

Em depoimento feito na CPI, a nova gestão da varejista informou que foram pagos R$ 700 milhões em salários e bônus à diretoria em 10 anos. Comprovado que os resultados foram forjados propositalmente, as remunerações variáveis pagas com base no desempenho falso teriam de retornar ao caixa da empresa.

Muitas irregularidades

O Conselho de Administração da empresa criou um comitê independente de investigação para apurar as suspeitas de fraude contábil informadas ao mercado pelo grupo. O processo de apuração do comitê independente se estendeu por 17 meses e a análise dos documentos foi feita por amostragem, segundo apurou o Estadão/Broadcast.

Executivos foram chamados para prestar depoimentos e houve resistência por parte de alguns, segundo fontes. O ex-presidente do grupo, Miguel Gutierrez, que teve hoje o pedido de prisão decretado, está entre os que teriam colaborado com o processo, com três depoimentos e cerca de 16 horas de gravação.

A estratégia de defesa de Gutierrez era se concentrar nas potenciais faltas de clareza nas conclusões da apuração, segundo disseram fontes ao Estadão/Broadcast, e quaisquer tentativas de responsabilizar a antiga diretoria também deve ser motivo de processos. Membros da antiga diretoria também veem espaço para possíveis reparações referentes a danos morais e de imagens, caso acusações não se confirmem.

A defesa do executivo disse por meio de nota que não teve acesso aos autos das medidas cautelares deferidas nesta quinta-feira e por isso não tem o que comentar sobre a operação da Polícia Federal, com pedido de prisão preventiva do ex-executivo. “Miguel reitera que jamais participou ou teve conhecimento de qualquer fraude e que vem colaborando com as autoridades, prestando os esclarecimentos devidos nos foros próprios”, complementa a defesa em nota.

O escândalo veio à tona em janeiro de 2023 com uma comunicação da varejista de que havia encontrado inconsistências contábeis da ordem de R$ 20 bilhões. A revelação se deu menos de 15 dias após a entrada de Sergio Rial, ex-presidente do Santander, na presidência do grupo.

Em nota, a Americanas afirmou que reitera sua confiança nas autoridades que investigam o caso e reforça que foi vítima de uma fraude de resultados pela sua antiga diretoria, que manipulou dolosamente os controles internos existentes. “A Americanas acredita na Justiça e aguarda a conclusão das investigações para responsabilizar judicialmente todos os envolvidos.”

A Operação da PF

Agentes federais e procuradores da República fazem buscas nesta quinta-feira, 27, em 15 endereços de suspeitos por rombo na rede de varejo por ordem da 10.a Vara Criminal Federal do Rio que também decretou a prisão preventiva de dois ex-diretores – Gutierrez e Anna Christina Ramos Saicali – que estão fora do País; varejista diz que ‘foi vítima de uma fraude de resultados pela sua antiga diretoria, que manipulou dolosamente os controles internos existentes’.

A Polícia Federal deflagrou a Operação Disclosure para investigar a suposta participação de ex-diretores da empresa Americanas em fraudes contábeis de R$ 25,3 bilhões. Agentes vasculharam 15 endereços ligados a ex-dirigentes da companhia no Rio de Janeiro.

Em nota, a rede varejista diz que “foi vítima de uma fraude de resultados pela sua antiga diretoria, que manipulou dolosamente os controles internos existentes”.

Os agentes foram às ruas para cumprir também duas ordens de prisão preventiva, contra o ex-CEO Miguel Gutierrez e a ex-diretora Anna Christina Ramos Saicali. Os mandados, no entanto, não foram executados em razão de os alvos estarem no exterior.

Em setembro do ano passado, Gutierrez negou que tivesse conhecimento das fraudes contábeis.À época, o ex-CEO era acusado pela nova diretoria das Lojas Americanas de uma ação orquestrada para enquadrar acionistas.

As ordens foram expedidas pela 10ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, que decretou o sequestro de bens e valores de mais de R$ 500 milhões dos investigados.

A ofensiva apura supostos crimes de manipulação de mercado, uso de informação privilegiada, associação criminosa e lavagem de dinheiro. Segundo a PF, se condenados, as penas impostas aos investigados podem chegar a 26 anos de reclusão.

O nome da Operação, “Disclosure”, faz referência a expressão recorrente no mercado financeiro, que significa “fornecer informações para todos os interessados na situação de uma companhia”, segundo a PF. A corporação diz que a medida “pode ser traduzido como o ato de dar transparência à situação econômica da empresa”.

A Polícia Federal indica que os ex-diretores da Americanas teriam fraudado operações de risco sacado – operação na qual empresa consegue antecipar o pagamento a fornecedores por meio de empréstimo junto aos bancos.

Também foram identificadas fraudes envolvendo contratos de verba de propaganda cooperada (VPC), incentivos comerciais que geralmente são utilizados no setor. No entanto, no caso da Americanas, foram contabilizadas VPCs que nunca existiram, diz a PF.

De acordo com o Ministério Público Federal, as investigações tiveram início em 2023, após a Americanas divulgar um rombo de R$ 20 bilhões em seu balanço devido a “inconsistências contábeis”. A Polícia Federal começou as apurações junto da Procuradoria e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Depois, dirigentes da empresa procuraram o MPF para fechar acordos de colaboração premiada sobre um “esquema de fraude para ludibriar o mercado de capitais”. O órgão diz que o comitê externo constituído pela empresa para apurar o caso colaborou com as investigações.

COM A PALAVRA, A AMERICANAS

A Americanas reitera sua confiança nas autoridades que investigam o caso e reforça que foi vítima de uma fraude de resultados pela sua antiga diretoria, que manipulou dolosamente os controles internos existentes. A Americanas acredita na Justiça e aguarda a conclusão das investigações para responsabilizar judicialmente todos os envolvidos.

COM A PALAVRA, A DEFESA DE MIGUEL GUTIERREZ

“Miguel reitera que jamais participou ou teve conhecimento de qualquer fraude e que vem colaborando com as autoridades, prestando os esclarecimentos devidos nos foros próprios”.

COM A PALAVRA, A DEFESA DE ANNA SAICALI

A reportagem do Estadão busca contato com a defesa da ex-diretora das Lojas Americanas. O espaço está aberto para manifestação também dos outros citados na Operação Disclosure ([email protected]; fausto.macedo@estadão.com)

Foragidos e Interpol

A Polícia Federal considera foragidos o ex-CEO das Lojas Americanas Miguel Gutierrez e a ex-diretora da rede varejista Anna Christina Ramos Saicali, alvos de ordens de prisão preventiva na Operação Disclosure nesta quinta, 27. A corporação incluiu o nome dos dois na lista de Difusão Vermelha da Interpol – a relação dos mais procurados da polícia internacional. Gutierrez e Christina estão fora do País.

Os ex-executivos da Americanas são investigados por suposta participação em fraudes contábeis de R$ 25,3 bilhões. A Operação Disclosure foi aberta na madrugada desta quinta, 27. Os dois ex-executivos não foram localizados pela Polícia Federal porque moram no exterior.

Em setembro do ano passado, Gutierrez negou que tivesse conhecimento das fraudes contábeis. À época, o ex-CEO era acusado pela nova diretoria das Lojas Americanas de uma ação orquestrada para enquadrar acionistas.

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