Aquele amor difuso

Senti fascínio pelos membros da ordem dominicana, antes e depois do comportamento heroico adotado por eles, em São Paulo, nos Anos de Chumbo da Ditadura Militar Pós-1964, em certa fase da minha história.

E isto poderia parecer incompreensível numa pessoa, como eu, declaradamente ateu, desde os 17 anos de idade.

Ocorre que mesmo a pessoa descrente da existência de um outro mundo, além do nosso, tão sofrido, dificilmente deixará de se sentir tocada diante da evidente necessidade de que exista um Deus – seja lá qual ele for – expressa pelos seres humanos, em todos os lugares, e, em todas as épocas.

Então, ouvir qualquer observação sobre a vida ou sobre as criaturas humanas feita por um membro de ordem vocacionada para os estudos -, que não só acredita em vida eterna como compromete sua existência nesta sua crença, se constituía invariavelmente, para mim, numa experiência interessante e instigante.

Afinal, quem tem melhores condições de elaborar pensamentos densos, com alguma aproximação da verdade, do que um religioso que vive protegido nos conventos da rotina profissional, em geral, empobrecedora das nossas reflexões de leigos atarefados?

Pois bem, uma vez, numa visita ao convento dominicano do bairro das Perdizes, em São Paulo, ouvi de um daqueles religiosos uma observação que me fez pensar.

Com a serenidade de quem tinha muito tempo para meditar sobre tudo, ele disse:.

“Quase todo o trabalho que nós fazemos para criar nos jovens universitários um sentido de compromisso com as criaturas pobres e desassistidas do nosso país se perde depois que eles se formam e se casam”.

Sim, refleti mais tarde, realmente, não deve ser fácil para os antigos estudantes com os quais o frade conviveu, continuar a pensar em Justiça Social, depois que eles se casam e começam a chegar no imóvel onde moram com suas companheira, boletos de cobrança de gasto de energia, de gás, de aluguel, das prestações do sofá e do aparelho de televisão.

Mas, mesmo sem pretender ignorar a relevância do comentário do frade, podemos imaginar, talvez com algum otimismo ingênuo, que, como, no poema de Carlos Drummond, alguma coisa restará neles daquele amor difuso pela humanidade, que sentiram, na universidade, insuflado não só por frades como os dominicanos.

Igualmente, por professores admirados por eles, por colegas politicamente engajados, ou simplesmente por livros esclarecedores que chegaram às suas mãos.

Afinal, foi na universidade que, certamente, eles tiveram os melhores anos de suas vidas, graças ao ambiente criado pelo preparo intelectual dos docentes, pela generosidade altruísta das jovens e dos jovens estudantes, pelo encanto natural de que todos eles, naquela fase, desfrutaram.

Lá – que maravilha! – foi possível sonhar com uma vida bela para todos os humanos.

Embora eles vivessem com a grana curta das mesadas.

  • Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista

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