Oposição tem projeto para regular redes, mas preserva liberdade de expressão e veda censura

Proposta feita por Silas Câmara (Republicanos-AM) e Dani Cunha (União-RJ) tem resistência da área técnica do Executivo, mas ala política defende abraçar texto

Em meio ao impasse no governo Lula na proposição de uma regulação para as plataformas digitais, os deputados federais Silas Câmara (Republicanos-AM) e Dani Cunha (União-RJ) tentam se antecipar à iniciativa federal. A dupla protocolou um projeto de lei que estabelece diretrizes para as empresas de redes sociais como Facebook, Instagram e TikTok.

Integrantes do Palácio do Planalto estão divididos em relação à proposta. A ala política do governo dá sinais de que a vê com bons olhos, por estar mais perto de atingir o consenso necessário para sua aprovação. A Secretaria de Relações Institucionais, chefiada por Alexandre Padilha, confirmou ao Estadão que defende apoiar o projeto da oposição em vez daqueles que estão sendo elaborados no Executivo.

A ala técnica, por sua vez, tem desconfiança com a proposição dos parlamentares, por ver por trás dela uma articulação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). O texto institui a Lei de Proteção às Liberdades Constitucionais e Direitos Fundamentais e designa a Anatel como autoridade competente para regular as plataformas, ao lado da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

Como o Estadão mostrou, um grupo de trabalho coordenado pela Casa Civil está preparando dois projetos de lei sobre o assunto. Um deles, elaborado no Ministério da Justiça e Segurança Pública, volta-se mais ao direito do consumidor — como maior transparência de informações aos usuários — do que à punição às plataformas. Também obriga as empresas a empregarem medidas proativas para remover conteúdo que constitua crimes graves.

O segundo projeto do governo, de autoria da Fazenda, trata de aspectos econômicos e concorrenciais, ampliando o poder do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para investigar e definir obrigações para as empresas. A ideia é combater, por exemplo, eventuais monopólios na oferta de serviços, anúncios ou buscas e outras formas de abuso de poder.

“O nosso projeto foi elaborado após uma série de audiências públicas na comissão de comunicação onde reunimos agências, Anatel, professores da UnB e especialistas do mercado. O objetivo foi agrupar estudos desenvolvidos e trazer uma alternativa viável para o combate às fake news”, afirma Dani Cunha.

Ela diz que pretende fazer audiências com partidos, ministros e o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PG), “para ter certeza de que todos estão no mesmo pé”. Ela afirma querer mostrar a importância de votar a matéria “de modo a sanar um problema sem gerar outros, como a censura”.

Carlos Manuel Baigorri, presidente da Anatel, defende a proposição. A agência contribuiu para as discussões por meio de debates em meados de 2024 nos seminários da Comissão de Comunicação Social, presidida por Câmara.

 “É um projeto bastante equilibrado no que diz respeito a criar responsabilidade e deveres para as plataformas. Mantém intactas as questões de liberdade de expressão, e não tipifica qual conteúdo pode ou não (ser publicado)”, diz ele.

Sem Anatel

Especialistas consultados são críticos da ideia de promover a Anatel ao posto de autoridade competente, uma vez que, dizem eles, a agência sofre influência das grandes prestadoras de telefonia e tem um trabalho mal avaliado pela população.

“A notável e problemática proximidade da Anatel com seu setor regulado é um alerta ainda mais importante quando olhamos para o poder e concentração de mercado praticada pelas big techs. E diria que é temerário atribuir à Anatel a competência de regulação e supervisão das atividades das plataformas”, diz a pesquisadora Bruna Santos, especialista em direitos digitais.

Yasmin Curzi, pesquisadora do Karsh Institute of Democracy da Universidade de Virgínia (EUA), diz que a agência foi criada para assegurar que a malha de telecomunicações alcançasse todos os brasileiros e que os prestadores de serviço o fizessem de forma adequada, mas que “o cenário está muito longe do adequado”.

 “Há pessoal suficiente na Anatel para garantir à agência esse novo papel? E não podemos deixar a ANPD de fora dessa equação: a autoridade não multa quase nenhuma empresa e tem deixado a desejar em termos de fiscalização. Também está apontada (em outro projeto de lei) como autoridade para regulação de inteligência artificial. Há pessoal suficiente? Há capacidade regulatória? Eu tenho minhas dúvidas”, diz Curzi, para quem o projeto da oposição é “satisfatório” de forma geral.

Para a advogada Flávia Lefèvre, conselheira do Comitê Gestor da Internet no Brasil e integrante da Coalizão Direitos na Rede, a Anatel não tem atribuição legal para regular aplicações de internet e mostra desempenho aquém do desejado até mesmo em seu setor. Ela vê a agência capturada por interesses privados e defende que a governança da internet deva ser multissetorial, “de modo que os direitos impactados pelas novas tecnologias recebam um tratamento regulatório democrático”.

A proposta da oposição mira as empresas cuja base ativa de usuários corresponda a pelo menos 5% da população brasileira (equivalente a 10 milhões de pessoas), o que compreende as principais redes sociais do mundo.

Visando atrair o apoio da direita, o texto foca mais na garantia da liberdade de expressão do que em punição e responsabilização das redes sociais. Bolsonaristas têm usado o argumento de que a regulação pode supostamente cercear o direito das pessoas de se expressarem na internet — uma vez que a discussão envolve moderação de conteúdo e combate à proliferação de desinformação e discurso de ódio — para criticar tentativas de impor controle e fiscalização sobre essas empresas.

O texto também veda o anonimato na internet (perfis de pseudônimos, paródias, memes e homenagens são autorizados desde que a plataforma seja informada da identidade do autor, que deverá mantê-la em sigilo, salvo requisição judicial), obriga as empresas a enviar ao órgão regulador relatórios anuais de riscos sistêmicos e agir preventivamente contra a publicação de conteúdo criminoso (como terrorismo, indução ao suicídio, atentado à democracia e tráfico de crianças e adolescentes, por exemplo), e prevê maior transparência nas informações prestadas aos usuários, como os termos de uso, entre outros itens.

A proposta tem uma seção prevendo a “autorregulação regulada” das plataformas — modelo de controle intermediário entre a regulação estatal e o existente hoje, em que as empresas definem seus próprios limites. No caso, o Estado define as regras para que as plataformas se regulamentem, instituindo uma autoridade para supervisionar o cumprimento.

Enquanto a Casa Civil não chega a um consenso de qual proposta enviar ao Congresso, o projeto dos parlamentares é visto como “não descartável” pelo Executivo, mas ainda não há decisão sobre apoiá-lo. Consultada, a liderança do governo na Câmara diz não ter nenhuma orientação sobre como agir em relação a isso.

Pesquisas indicam que há apelo popular para regulamentar as plataformas. Nesta semana, um levantamento da Nexus mostrou que seis em cada dez brasileiros apoiam maior controle sobre as empresas de rede social, enquanto outros 29% são contrários a qualquer forma de regulamentação, e 12% não manifestaram opinião. As informações são do jornal O Estado de São Paulo.

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