Mundo cultural francês é convocado a se mobilizar após relatório sobre abusos sexuais

Atriz Judith Godrèche em uma foto tirada em Blois (centro da França) em 30 de agosto de 2024Guillaume Souvant

Guillaume Souvant

O mundo cultural francês deve começar uma mobilização para colocar fim aos abusos sexuais, em especial no cinema, segundo uma comissão parlamentar, que revelou nesta quarta-feira (9) um informe descrito como “aterrorizante” por uma atriz e vítima.

O relatório recomenda 86 medidas após examinar casos e ouvir quase 350 testemunhos durante seis meses.

O movimento #MeToo para denunciar o sexismo, a violência e a misoginia no mundo do espetáculo surgiu nos Estados Unidos, mas a poeira se espalhou rapidamente para a França, onde novos escândalos estão surgindo regularmente.

O relatório da comissão especial recomenda, entre outras coisas, a regulamentação rigorosa da seleção de elenco, o acompanhamento regular de menores de idade em sua estreia no cinema e a instalação generalizada dos chamados ‘coordenadores de intimidade’ nos sets de filmagem, que são responsáveis por acompanhar os protagonistas das cenas sexuais.

– Final do primeiro ato –

O texto “é impressionante e bastante assustador”, disse à emissora Franceinfo a atriz e principal porta-voz do movimento, Judith Godrèche. “Mas não estou surpresa porque não esperava nada melhor”, acrescentou.

“Este momento é o fim do primeiro ato, mas não é o fim da peça. Apresentamos várias propostas sobre a agenda da nossa sociedade”, disse o relator da comissão, o deputado centrista Erwan Balanant, ao apresentar seu relatório durante uma coletiva de imprensa na Assembleia Nacional.

“O mundo do entretenimento profissional deve ouvir, ler e integrar o que está no relatório”, acrescentou a presidente da comissão, a parlamentar ambientalista Sandrine Rousseau.

“A violência moral, de gênero e sexual no mundo da cultura é sistêmica, endêmica e persistente”, proclama o texto.

E eventos emblemáticos, como o festival de cinema mais importante do mundo, deverão dar exemplo, advertiu a presidenta da comissão.

“O Festival de Cannes deve ser o lugar para esta troca de mentalidade, deve ser o lugar onde digamos em alto e bom som (…), entre lantejoulas e tapetes vermelhos (…), que por fim queremos, todos e todas, que isso mude”, declarou a representante ambientalista.

Cenário de um encontro de duas semanas do cinema mundial, Cannes mais uma vez foi manchete na luta contra esses abusos.

O diretor de cinema e roteirista Paul Schraeder (‘Taxi Driver’), 78 anos, é acusado por uma ex-assistente de 26 anos de agressão e assédio sexual.

Os fatos teriam ocorrido há um ano no quarto de hotel do renomado cineasta, que tinha ido a Cannes para estrear seu filme ‘Oh Canada’ na competição. Schraeder nega as acusações.

O 78º Festival de Cinema de Cannes abrirá suas portas em 13 de maio, coincidindo com a sentença do julgamento de agressão sexual do cineasta francês Gerard Depardieu, cujas audiências foram amplamente divulgadas.

– Consultas psicológicas –

A França é a pátria da “exceção cultural”, proclamam os autores do relatório, “mas a que preço?”.

Seu catálogo de quase 90 medidas é muito detalhado.

Para crianças com menos de 7 anos de idade, a consulta psicológica é obrigatória antes de dar qualquer passo no mundo do show business.

A sexualização das crianças, seja em filmes ou publicidade, por exemplo, com sessões de fotos em roupas curtas, será proibida, exceto em casos “muito limitados”.

As seleções de elenco “improvisadas” em quartos de hotel devem ser interrompidas. Qualquer seleção de atores deve ocorrer “em instalações profissionais, na presença de pelo menos duas pessoas”.

E os atores terão o direito de dar sua opinião “sobre a edição de cenas em que suas partes íntimas aparecem”.

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